Boy erased – Uma verdade anulada
Morador
de uma pequena cidade conservadora do Arkansas, Jared (Lucas Hedges), de 19 anos,
é gay, mas nunca se abriu nem para a família nem para os amigos. Talvez por temer
o preconceito da sociedade e dos pais extremamente religiosos. Jared é filho do
pastor batista Marshall (Russell Crowe) e da dedicada dona de casa Nancy (Nicole
Kidman). Quando o casal recebe a informação que ele saiu com um garoto, força
Jared a frequentar um centro de terapia de reorientação sexual, dirigido pelo
pastor Victor (Joel Edgerton). Para não ser abandonado pela família e até perder
os amigos, ele se matricula no “Love in Action”, onde presenciará uma série de
torturas psicológicas, que aos poucos vai apagando a sua própria identidade.
Um
dos filmes mais polêmicos e discutidos da temporada, “Boy erased” teve
problemas de exibição nos cinemas brasileiros, onde seria lançado em fevereiro
deste ano, e chegou diretamente em DVD na semana passada pela Universal
Pictures. Os estúdios lamentaram o cancelamento das sessões deste drama inspirado
em tristes fatos verídicos. Pelo Twitter, o autor do livro, Garrard Conley, que
é o personagem principal do filme (sob o nome de Jared), mencionou censura no
Brasil, pelo tema ser impactante e gerar polêmica – porém a Universal negou em
um comunicado, informando que outras duas produções que sairiam nos cinemas no
mesmo período tiveram de ser canceladas, “por uma questão comercial baseada no custo de
campanha de lançamento versus estimativa de bilheteria”. Não passou nas salas, e
agora é o momento de se conhecer esse filme de impacto, provocador e que
levanta uma série de discussões necessárias para o momento em que vivemos.
Todas
as cenas, as bizarras, as polêmicas, as melodramáticas, vieram das páginas do
livro homônimo de memórias de Garrard Conley, lançado também esta semana no
Brasil pela editora Intrínseca, adaptado para as telas com roteiro de Joel
Edgerton (que ainda assina a direção e atua no papel do ameaçador diretor do
centro de terapia). Vamos abrir a história: (Para não cometer spoiler nem comprometer o conteúdo, se ainda não
assistiu não leia o que vem a seguir). Jared é um garoto gay de 19 anos,
forçado pelos pais religiosos a se matricular num centro de reversão sexual,
chamado “Love in Action”. Neste “programa de refúgio”, o jovem relembra flashs pontuais
de sua intimidade, como a frustração com primeira namorada, quando praticava
esportes e optava em ficar perto dos garotos, os envergonhados flertes com
homens e a negação de sua orientação sexual. Ele reprime os sentimentos, tem
medo de ser exposto à cidadezinha conservadora onde vive, e para piorar, é filho
de um pastor muito conhecido. Quando um boato sobre sua sexualidade cai no ouvido
dos pais, eles colocam Jared contra a parede: ou vai para o programa de Cura
Gay da Igreja Batista ou perderá amigos e a família. Ele segue para o centro
onde ficará frente a frente de seus piores pesadelos, num local desesperador,
onde os garotos “aprendem a ser meninos de verdade”, a apertar a mão dos outros
como homens, praticar esportes “de macho” (baseball, por exemplo), assumir postura
masculina, além de muita oração e penitências. Lá dentro não podem se masturbar
pois são vigiados a todo minuto pelos guardas. Os que não conseguem seguir as
etapas são levados para práticas nada ortodoxas de repreensão, para servirem de
modelo, como tortura física e pressão psicológica (apanham com a Bíblia, são
ofendidos e assistem a funerais encenados com o possível morto acometido pela
Aids, no centro citada como “a doença dos gays”). No “Love in Action” o toque é
proibido, ninguém pode se abraçar, apenas apertar as mãos por segundos, como um
cumprimento respeitoso.
Estes
são alguns dos momentos cruciais abordados no filme. Ficou chocado? Eu assisti ao
filme com indignação e com certa repulsa, é um reflexo de como nossa sociedade
anda doente. Revoltante saber que hoje cerca de 100 mil garotos e garotas
passam por terapia de conversão sexual nos Estados Unidos, espalhados em
centenas de centros pelo país. E a Cura Gay é defendida com a boca cheia no
Brasil por uma bancada de políticos de linha religiosa... Fim dos tempos! Por
isto a história precisa ser contada mesmo, para o máximo de pessoas possíveis.
O
elenco brilhante dá uma voz precisa às vítimas e aos culpados. Com destaque
para o trio central - o competente Lucas Hedges, indicado ao Globo de Ouro de
ator pelo papel de Jared, e Nicole Kidman e Russell Crowe, na pele dos pais. Os
coadjuvantes complementam com vigor a história: tem Xavier Dolan (cineasta e
ator, dos mais importantes do Canadá, de filmes como “Mommy” e “É apenas o fim
do mundo”), Flea (baixista de Red Hot Chili Peppers), Joe Alwyn (de “A longa
caminhada de Billy Lynn” e do recente “A favorita”), a veterana ganhadora do
Emmy Cherry Jones e Joel Edgerton, como o chefe do centro.
Despertou
o olhar da crítica e de uma pequena legião de fãs norte-americanos. Espero que
agora, finalmente, em DVD o público possa assistir a esse desconcertante filme,
indicado também ao Globo de Ouro de canção original (“Revelation”). Estranho
não ter concorrido a nada no Oscar... Mas participou de 25 festivais, exibido
em Toronto, uma das vitrines do cinema independente.
OBS:
Está em exibição nos cinemas (eu vi na Mostra Internacional em 2018) um outro
de tema parecido, que considero melhor que “Boy erased”, chamado “O mau exemplo
de Cameron Post”. É também sobre um programa de reversão sexual, mas quem protagoniza
é uma garota (Chloë Grace-Moretz).
Boy erased – Uma verdade anulada (Boy erased). EUA/Austrália, 2018, 115
min. Drama. Colorido. Dirigido por Joel Edgerton. Distribuição: Universal
Pictures
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