sexta-feira, 31 de julho de 2020

Nota do Blogueiro


Faleceu hoje aos 76 anos o diretor, roteirista e produtor britânico Alan Parker, após longo período doente. Indicado ao Oscar de melhor diretor por "O expresso da meia-noite" (1978) e "Mississipi em chamas" (1988), dirigiu ao longo da carreira 14 filmes, dentre eles "Fama" (1980), "Pink Floyd: The wall" (1982), "Asas da liberdade" (1984), "Coração satânico" (1987) e "Evita" (1996). Teve filmes premiados em Cannes e no Bafta, além de indicações a Globo de Ouro.
Parker deixa esposa e quatro filhos.


quinta-feira, 30 de julho de 2020

Dos livros para as telas


"Ele tentou imaginar um mundo em que aquilo fosse possível. Tentou se imaginar dividindo um quarto com Trip, que espalhava meias sujas e revistas esportivas no chão, cuja primeira providência ao chegar em casa era ligar o rádio - sempre na estação 'Jammin 92.3' - como se, sem aquela batida inútil do baixo, seu coração fosse parar. Quando saíam de férias, os Richardson sempre reservavam três quartos: um para o Sr. e a Sra. Richardson, um para Lexie e Izzy, um para Trip e Moody - e no café da manhã, Trip caçoava de Moody, porque ele às vezes falava dormindo".

Trecho do romance "Pequenos incêndios por toda parte", de Celeste NG, publicado em 2017 e que acaba de ser relançado no Brasil pela Intrínseca em uma nova edição, com capa alternativa (2018, 416 páginas, tradução de Julia Sobral Campos). Nessa história envolvente, ambientada no final dos anos 90, acompanhamos o encontro explosivo de duas famílias diferentes no interior de Ohio: de um lado está uma fotógrafa nômade e sua filha adolescente, recém-chegadas na cidade; do outro, os Richardson, membros de uma família de classe média, que alugam a casa para aquelas duas mulheres. E no meio disso tudo um incêndio de proporções estarrecedoras.
Essa intensa trama de mistério e drama familiar, que explora temas como maternidade, sexualidade e conflito de classes, saiu dos livros e deu origem à série da Hulu de mesmo nome, lançada em março nesse ano, contando com grandes nomes no elenco, como Reese Witherspoon, Kerry Washington e Rosemarie DeWitt.
O romance está disponível para venda nas melhores livrarias. Obrigado pelo envio do exemplar, pessoal da Intrínseca!




sábado, 25 de julho de 2020

Cine Lançamento



Godzilla II: Rei dos monstros

O monstro Godzilla enfrenta três inimigos mortais, Mothra, Rodan e Ghidorah, num encontro que poderá destruir a civilização.

Com bilheteria bem abaixo do que se esperava, o filme de ação, que estreou nos cinemas em maio do ano passado, pode ser visto agora em DVD e Bluray, lançados recentemente pela Warner Bros. Eu curti mais que o “Godzilla” anterior, de 2014, e reúne os mesmos produtores (japoneses e americanos) e parte do elenco. O blockbuster de 2014 era escuro demais, o rei dos monstros aparecia depois de uma hora de projeção, e sempre na penumbra, gerando reclamação dos fãs. Trazia um monte de conflitos familiares, mais pegada de drama do que destruição e medo. Nessa parte II, mudaram o diretor, passando o bastão para o criativo Michael Dougherty, que havia ressignificado histórias clássicas de monstros do imaginário dos americanos, em “Conto do Dia das Bruxas” e “Krampus – O terror do natal”, e como era de se esperar, alterou parte do conceito visual de Godzilla e seus inimigos (a mariposa Mothra, que se torna aliada de Godzilla, e o dragão Ghidorah vinham de filmes scifi japoneses dos anos 50 e 60). Com a nova roupagem de Dougherty, Godzilla, por exemplo, solta uma descarga elétrica pela boca, enquanto o kaiju Ghidorah, um dragão de três cabeças, ficou mais indestrutível e raivoso.
Conflitos familiares ainda existem, mas menos, a maior parte deles com foco na personagem da garota Millie Bobby Brown (a Eleven de “Stranger things”). O que fizeram foi um bom entretenimento para atender a expectativa do público fiel de Godzilla: embate sem fim entre as criaturas, destruição para todos os lados. E sim, virou um espetáculo visual que supera os mais dignos jogos de videogame, com efeitos digitais fora de série! Está bom para você?


Sobre o elenco, resgataram nomes do Godzilla de 2014, como os coadjuvantes Ken Watanabe e Sally Hawkins, e privilegiaram novos personagens, agora interpretados por Vera Farmiga, Bradley Whitford, Ziyi Zhang, Kyle Chandler, a própria Millie e Charles Dance como um vilão. Continuo com a impressão de ser bem melhor que o anterior e, claro, sem comparação àquela bomba medonha que Roland Emmerich fez em 1998. Assista até o final dos créditos, há uma chamada para o terceiro filme de Godzilla, previsto para estrear em 2021, que será o esperado encontro dele com King Kong! É ver para crer!

Godzilla II: Rei dos monstros (Godzilla: King of the monsters). EUA/Japão/Canadá/China, 2019, 131 minutos. Ação. Colorido. Dirigido por Michael Dougherty. Distribuição: Warner Bros.

Cine Clássico



Klute – O passado condena

O detetive particular John Klute (Donald Sutherland) investiga o desaparecimento de um empresário em Nova York. Suas pistas o levam a uma misteriosa prostituta de luxo, Bree (Jane Fonda). Mesmo contra a vontade, ela ajudará no caso. Para isso Bree terá que ensinar a Klute como funciona o submundo da prostituição.

Thriller engenhoso, “Klute”, que teve no Brasil um subtítulo sem sentido, é um suspense classe A que deu a Jane Fonda seu primeiro Oscar em 1972, além do Globo de Ouro. Ela está linda, então com 34 anos, no auge da carreira, contracenando com outra fera do cinema, Donald Sutherland.
Intrigante do começo ao fim, é uma obra inteligente que mistura política, crime, chantagem, e foi um dos primeiros a mostrar a rotina das prostitutas de luxo em Nova York (hoje vendo ficou um pouco datado, Jane Fonda com roupas coladas cheias de lantejoulas, de cabelos curtinhos, mas a moda era essa - estamos falando de 1971).
Quem conhece os trabalhos de Alan J. Pakula (1928-1998) vai notar a trama política crescendo na história, com muitos nomes, personagens secundários, um quê de voyeurismo no meio e espionagem. O diretor era um mestre no assunto, com fitas importantes como “A trama” (1974), “Todos os homens do presidente” (1976) e “O dossiê pelicano” (1993). Preste atenção nos detalhes para não se perder!


A trilha sonora do minimalista Michael Small dá o tom para o clima de suspense, e a fotografia perturbadora do genial Gordon Willis também – ele foi o diretor de fotografia de vários filmes de Woody Allen (“Noivo neurótico, nova nervosa”, “Interiores”, “Manhattan”, “Memórias”, “Zelig”), de clássicos do cinema como a trilogia “O poderoso chefão” e depois trabalharia com Pakula em outros filmes, como o já mencionado “Todos os homens do presidente”, “Raízes da ambição” e “Inimigo íntimo”.
Recebeu ainda indicação ao Oscar de melhor roteiro.

Klute – O passado condena (Klute). EUA, 1971, 114 minutos. Suspense. Colorido. Dirigido por Alan J. Pakula. Distribuição: Warner Bros.

Cine Cult



Bonecas macabras

Família perdida durante a tempestade abriga-se numa sinistra mansão, onde mora um casal de idosos. No local há um quarto com inúmeras bonecas antigas, em perfeito estado de conservação. Mas a família não imagina que elas são mortais, com instinto de vingança.

Falecido em março desse ano aos 72 anos, o cineasta Stuart Gordon, nome fundamental do mundo do “Body horror”, realizou em 1987 essa coprodução Estados Unidos e Itália que abriria o caminho para uma série de filmes sobre brinquedos amaldiçoados – no ano seguinte veio o fenômeno mundial “Brinquedo assassino” (1988) e no outro ano, a franquia “Bonecos da morte” (ou “O mestre dos brinquedos”), muito exibida na TV aberta, que tinha no elenco o veterano Guy Rolfe, que repetiria o papel desse “Bonecas macabras”, como o criador de bonecos.
Curtinho, com clima de tensão e medo constante, nesse conto de terror com brinquedos maus, Gordon repetiu a dose de humor negro e do grotesco que bem fez em “Re-animator: A hora dos mortos-vivos” (1985) e “Do além” (1986). As criaturas terríveis atacam na calada da noite, matam para valer, e se divertem com a desgraça feita. Perigo é ficar sozinho no casarão tomado pelo ar diabólico!


Prepare-se para sustos, mortes violentas e segredos que serão revelados no final. A câmera em primeira pessoa, como se olhássemos pelos olhos dos brinquedos, era uma invenção que se tornou popular no gênero.
O filme pode ser encontrado em DVD, numa boa cópia da Obras-Primas do Cinema, lançado recentemente no box “Sessão de terror anos 80 – volume 2”, contendo “A coisa” (1985), “Monster – A ressurreição do mal” (1986) e “O portão” (1987).



Bonecas macabras (Dolls). EUA/Itália, 1987, 77 minutos. Terror. Colorido. Dirigido por Stuart Gordon. Distribuição: Obras-Primas do Cinema

terça-feira, 21 de julho de 2020

Dos livros para as telas


"Corri para casa, tremendo só de pensar em encarar Darry. A luz da varanda estava acesa. Talvez eles estivessem dormindo e eu conseguisse entrar escondido, pensei. Espiei pela janela. Sodapop estava esparramado no sofá, já no quinto sono, mas Darry estava na poltrona ao lado do abajur, lendo jornal. Engoli em seco e abri a porta com cuidado. Darry tirou os olhos do jornal".

Trecho de "The Outsiders - Vidas sem rumo", romance de estreia da escritora americana S.E. Hinton, publicado originalmente em 1967 e que acaba de ganhar uma ótima edição especial no Brasil, pela editora Intrínseca (2020, 240 páginas, tradução de Ana Guadalupe).
Embasado nas memórias de adolescência da escritora, o livro retrata o mundo da juventude marginalizada da década de 60 no interior dos Estados Unidos, a partir da rivalidade de duas gangues de escola em Oklahoma, os Greasers e os Socs.
A obra virou um clássico imediato e ganhou uma cultuada versão para cinema, dirigida por Francis Ford Coppola em 1983, trazendo no elenco vários jovens atores que despontariam na Sétima Arte, como Tom Cruise, Rob Lowe, Diane Lane, C. Thomas Howell, Matt Dillon, Ralph Macchio, Emilio Estevez e Patrick Swayze.
A edição brasileira, recém-lançada pela Intrinseca, é em capa dura, contém bastidores sobre o filme, uma entrevista com S.E. Hinton e prefácio de Ana Maria Bahiana. Imperdível! Já nas lojas!
Obrigado, equipe da editora Intrinseca, pelo envio do lindo exemplar.






segunda-feira, 20 de julho de 2020

Cine Cult



Todas as manhãs do mundo

No final do século XVII, o músico Monsieur de Sainte-Colombe (Jean-Pierre Marielle) retorna para casa e descobre que a esposa morreu enquanto estava em viagem. Em homenagem à falecida, constrói uma pequena casa no jardim, que servirá de espaço para se dedicar à música que tanto admira (ele era expert em viola de gamba). O local será um refúgio do mundo exterior, ficando ali horas tocando ao lado das duas filhas. Até que sua rotina, e a das meninas, terá enorme mudanças com a chegada de um rapaz, Marin Marais (Guillaume Depardieu), que será seu aluno de música.

Nessa premiada fita de arte francesa sobre o mundo da música erudita, o diretor Alain Corneau fez uma íntima declaração de amor não só ao tema, mas também à arte barroca como um todo. A partir de impressões da vida do ilustre compositor Monsieur de Sainte-Colombe (1640-1693), que se dedicou intensamente à viola de gamba e teve uma relação contraditória com as filhas, Corneau escreveu o delicado roteiro adaptando-o do livro homônimo de Pascal Quignard, que tinha acabado de ser publicado. E trouxe outros aspectos da biografia de Sainte-Colombe, como o forte vínculo que manteve com o aprendiz de música Marin Marais (1656-1728) – Marais alcançaria notoriedade na música clássica, foi o músico da Corte Real de Versalhes, mas era um homem calado, triste, deprimido (o filme acompanha duas fases de Marais, jovem e velho, e quem os interpreta são filho e pai de verdade, Guillaume Depardieu, que morreu prematuro em 2008 aos 37 anos, e o grande ator francês Gerard Depardieu).
Com um requinte de figurino, fotografia e direção de arte, a produção utilizou-se de lindas locações campestres do interior da França para compor o cenário do século XVII (tudo gravado na bucólica região de Creuse).


Indicado ao Globo de Ouro de filme estrangeiro e ao Urso de Ouro em Berlim, ganhou sete prêmios César, dentre eles filme, diretor, fotografia, trilha sonora (do catalão Jordi Savall) e figurino.
Disponível numa ótima cópia em DVD pela Versátil!

Todas as manhãs do mundo (Tous les matins du monde). França, 1991, 114 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Alain Corneau. Distribuição: Versatil Home Video

domingo, 19 de julho de 2020

Cine Clássico



Narciso negro

Um grupo de freiras liderado pela jovem Irmã Clodagh (Deborah Kerr) segue para o Himalaia para abrir um convento no alto das montanhas. A presença de um homem mexe com o psicológico de cada uma das religiosas, levando-as a uma onda de tormentos e sentimentos incontroláveis.

Clássico imponente do cinema britânico, “Narciso negro” é de uma beleza indescritível, não por acaso ganhou os dois Oscars dos quais foi indicado em 1948, os de melhor fotografia e direção de arte. O visual é exuberante, num Himalaia todo recriado em estúdios, em gravações com lentes disformes que impressionam até os menos atentos para questões técnicas. Obra do mestre Jack Cardiff, um gênio da fotografia de cinema!
Outro ponto é o tema polêmico, sobre o conflito entre carne e espírito (é a história de um grupo de freiras isoladas nas montanhas que precisa controlar seus instintos quando aparece lá um homem de aparência desejável). Pelo fato de ter sido gravado em 1947, o ousado filme desafiou não só regras vigentes do cinema como a mentalidade conservadora dos produtores, que pregavam os “bons costumes” nas obras cinematográficas (a história é baseada no livro da inglesa Rumer Godden, publicado em 1939). Essa ruptura veio da extraordinária perspicácia da dupla Michael Powell e Emeric Pressburger, que no ano seguinte lançaria o monumental drama musical “Sapatinhos vermelhos”, até hoje referência no mundo do balé. Sem falar na presença de uma bela Deborah Kerr no auge da carreira, então com 26 anos, que logo sairia da sua terra, Reino Unido, para alçar voos em Hollywood (de carreira fértil, atuou em torno de 50 filmes, recebeu seis indicações ao Oscar e nos deixou em 2007, aos 86 anos).
“Narciso negro” ganhou recentemente uma ótima edição especial em DVD pela Obras-primas do Cinema, disponível numa linda cópia restaurada, com muitos extras.



Narciso negro (Black narcissus). Reino Unido, 1947, 100 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Michael Powell e Emeric Pressburger. Distribuição: Obras-primas do Cinema

sábado, 18 de julho de 2020

Dos livros para as telas


"Lá embaixo, as sombras se espalhavam pelas paredes. A temperatura caiu, e os sons se tornaram abafados, os degraus macios absorvendo o ruído de nossos pés. Cerca de sete metros abaixo da superfície, a estrutura se alargava em um nível inferior. O teto estava a uns três metros de altura, o que queria dizer que havia cerca de quatro metros de pedra acima de nossas cabeças. A lanterna do rifle da topógrafa iluminava o espaço em volta, mas ela estava de costas para nós, examinando as paredes, que eram de um branco fosco e despidas de qualquer ornamentação".

Trecho de "Aniquilação" (2014), primeiro livro da Trilogia Comando Sul, do escritor americano Jeff VanderMeer, sucedido por "Autoridade" e "Aceitação". Lançado no Brasil pela editora Intrínseca (2018, 200 páginas, tradução de Braulio Tavares), o romance conta a saga de quatro mulheres que partem para uma misteriosa expedição em uma área isolada. Elas chegam a um local intocado pelos humanos, onde devem realizar mapeamentos e estudos científicos, porém se deparam com estranhos e surpreendentes acontecimentos.
Misturando ação, terror, fantasia e toques de sobrenatural, o livro foi cultuado por milhares de leitores ao redor do mundo, e até ganhou uma ótima versão para cinema em 2018, uma produção original do Netflix, que traz no elenco Natalie Portman, Jennifer Jason Leigh, Tessa Thompson, Gina Rodriguez e Oscar Isaac.
Uma obra instigante, inteligente e que permite várias interpretações! Não deixe de ler. Eu curti à beça tanto o livro quanto o filme!
Obrigado, equipe da Intrínseca, pelo envio do exemplar.




Resenha Especial



Um milhão de maneiras de pegar na pistola

Arizona, 1882. Albert (Seth MacFarlane) é um cidadão do bem, simpático, que cria ovelhas. Mas acaba de perder sua namorada, Louise (Amanda Seyfried), para um barbeiro metido. Cansado da vida do velho oeste, decide ir embora. No entanto seus rumos se cruzam com os da bela Anna (Charlize Theron), depois de uma sangrenta briga num saloon. Têm um caso escondido, até que aparece o marido dela, um violento fora-da-lei, Clinch (Liam Neeson), que ao descobrir que foi traído, decide se vingar.

Escrachada e engraçadíssima sátira aos filmes de faroeste, dos mesmos criadores de “Ted” (reunindo mesma equipe de produtores, roteiristas e diretor). Numa mescla maluca de comédia, romance, ação, western, o filme é levado pelo humor negro, com inúmeras sequências com mortes bizarras e sanguinárias, além de piadas infames sobre sexo (a começar pelo título brasileiro, de duplo sentido).


O pano de fundo é o Arizona do final do século XIX, com os elementos tradicionais do velho bangue-bangue: saloons, foras-da-lei, cavalos, feno, gente rápida no gatilho. E nesse ambiente de discórdia e desforra, surge a história de amor proibido, fuga e vingança, só que de maneira cômica, altamente criativa. Se gostou de “Ted” não tem como não embarcar na ideia desse entretenimento de pura diversão, que traz um elenco de ponta: Seth MacFarlane, Amanda Seyfried, Charlize Theron, Liam Neeson, Neil Patrick Harris e Giovanni Ribisi.
Os críticos americanos achincalharam o filme, que recebeu quatro indicações ao Razzie, ou Framboesa de Ouro, os piores do ano, em 2015: Charlize, de pior atriz e também de pior “combo” ao lado de MacFarlane, esse nomeado ainda a pior ator e diretor. Uma idiotice, eles não estão ruins como leva a entender pelas indicações.
Eu gostei quando vi no lançamento, em 2014, e continuei curtindo com a revisão, ontem.

Um milhão de maneiras de pegar na pistola (A million ways to die in the west). EUA, 2014, 116 minutos. Comédia/Faroeste. Colorido. Dirigido por Seth MacFarlane. Distribuição: Universal Pictures

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Nota do Blogueiro


Cinema em DVD

Confira os dois recentes lançamentos da Obras-primas do Cinema em DVD. Com edições exclusivas, saem os boxes "Greta Garbo" e "Rainer Werner Fassbinder" . No primeiro, quatro títulos da estrela sueca que conquistou Hollywood: "A carne e o diabo" (1926), "Anna Christie" (1930), "O véu pintado" (1934) e "Madame Walewska" (1937), todos filmes nunca antes lançados em DVD no Brasil. No segundo box, seis obras máximas do controverso cineasta do Novo Cinema Alemão, responsável por reformular o cinema de seu país; na caixa constam "O soldado americano" (1970), "Deuses da peste" (1970), "As lágrimas amargas de Petra Von Kant" (1972), "O medo consome a alma" (1974), "O direito do mais forte é a liberdade" (1975) e "Eu só quero que vocês me amem" (1976).
Todos os boxes vêm com cards e muito material extra, como entrevistas, depoimentos, making of e documentários. Já à venda!
Obrigado, pessoal da OPC, pelo envio dos filmes!




Resenha Especial



Zardoz

Em 2293, o deus Zardoz controla a sociedade proibindo o nascimento de crianças e incentivando a guerra entre os humanos. Neste mundo desolado, Zed (Sean Connery), um selvagem exterminador, decide sair desta terra-sem-lei, arrasada pela poluição e pela violência, para invadir Vortex, uma comunidade luxuosa onde vivem ricos e intelectuais, o que irá ameaçar o equilíbrio da civilização.

Até hoje esta sofisticada aventura surrealista com ficção científica é incompreensível para a maioria das pessoas. Foi escrita, dirigida e produzida pelo britânico John Boorman, de “Amargo pesadelo” (1972), “Excalibur” (1981) e “Esperança e glória” (1987), cinco vezes indicado ao Oscar, hoje afastado do cinema (ele tem 87 anos). É o trabalho mais cult do cineasta, totalmente influenciado pelo Psicodelismo, encharcado de efeitos especiais bizarros (datados, vistos hoje) em uma história futurista complexa, um grandioso delírio visual. Num lugar indeterminado, daqui a 270 anos, quando uma catástrofe mundial acabou com o Ocidente, as pessoas estão divididas em duas sociedades: a Vortex é dominada pelos ricos imortais, como intelectuais, cientistas e pessoas trabalhadoras, fechados do mundo exterior, onde o sexo é reprimido e todos substituíram as emoções por outro nível de sentimento, chamado de Segundo Nível (que só lá existe); a segunda sociedade é a terra dos Brutos, um local desértico, feio, poluído, regido pela guerra, onde convivem homens primitivos em tribos, verdadeiros assassinos, adoradores do deus Zardoz. Este deus é uma cabeça de pedra voadora (inspirada em “O mágico de Oz”) que aparece ditando regras, expelindo armas pela boca para que a guerra continue. Zed (Sean Connery, em plena forma, com roupas vermelhas esquisitas, após seu ciclo como James Bond) é um exterminador revoltado que sai do grupo dos Brutos e invade a Vortex, causando o terror naquela sociedade. E desse ponto em diante a aventura fantasiosa capta momentos de romance, muita ação e violência.
Tarefa difícil dar detalhes devido à complexidade do filme, que é de uma imaginação assustadora. Distópico, sombrio, alusivo e muito original, causou burburinho na época do lançamento, em 1974, e ainda hoje traz sequências indecifráveis. Tem no elenco a exuberante atriz Charlotte Rampling, lindíssima, aos 27 anos, e uma ponta do próprio diretor John Boorman, como um camponês (ele foi o molde para a cabeça voadora do deus Zardoz).


Indicado ao Bafta de melhor fotografia, de Geoffrey Unsworth (naquele ano ele foi indicado também ao Bafta e ao Oscar pela fotografia de “Assassinato no expresso Oriente”, que tinha Sean Connery no elenco). Uma aventura scifi cult para poucos.
Acaba de sair em DVD pela Versátil numa excelente cópia restaurada, presente no box “Clássicos Sci-fi – Volume 7” (foto abaixo), com cinco outros títulos – “Krakatit” (1948), “Os dois mundos de Charly” (1968), “Eu te amo, eu te amo” (1968), “Catástrofe nuclear” (1984) e “Miracle mile” (1988). Vale lembrar que o filme já havia saído em DVD no Brasil em 2004, pela 20th Century Fox.


Zardoz (Idem). Irlanda/EUA, 1974, 105 min. Aventura/Ficção científica. Colorido. Dirigido por John Boorman. Distribuição: Versátil (DVD de 2020, em box) e 20th Century Fox (DVD de 2004)

terça-feira, 14 de julho de 2020

Cine Clássico



Morte sobre o Nilo

O inspetor Hercule Poirot (Peter Ustinov) viaja num cruzeiro pelo Nilo, no Egito, onde, a bordo, estão dezenas de pessoas. No navio, o assassinato de uma rica herdeira intriga Poirot, que inicia as investigações. Descobre que grande parte dos passageiros teria motivos de sobra para matá-la, e enquanto a verdade não aparece, novas mortes acontecem...

Uma fita de luxo, com um elenco de celebridades, baseada no romance “Morte no Nilo”, um dos mais intrigantes da escritora britânica Agatha Christie, mestre número 1 no suspense policial. Na linha da narrativa “Whodunnit” (ou “Who Done It”), ou seja, “Quem matou?”, embarcamos num navio pelo Egito com o esperto inspetor Poirot. Muita gente suspeita de um assassinato transforma o caso num quebra-cabeça infernal, com pistas falsas e mais mortes pelo caminho, para que seja encoberta a verdade.
“Morte sobre o Nilo” (1978) foi a primeira aparição do ator duas vezes premiado com o Oscar Peter Ustinov no papel de Poirot. Ele repetiria a dose em mais cinco filmes - nos longas para cinema “Assassinato num dia de sol” (1982) e “Encontro marcado com a morte” (1988), e nos telefilmes “Treze à mesa” (1985), “A extravagância do morto” (1986) e “Tragédia em três atos” (1986). Ele se diverte em cena com o bigodão, o traje típico e seus métodos nada ortodoxos para resolução dos crimes. Ao seu lado, desfilam uma série de superstars, a se perder de vista: Jane Birkin, Lois Chiles, Olivia Hussey, Bette Davis, Mia Farrow, David Niven, Angela Lansbury, Jon Finch, Jack Warden, Harry Andews, Maggie Smith e Sam Wanamaker (ufa!).


Ganhou o único Oscar em que foi indicado (melhor figurino), concorreu ao Globo de Ouro de filme estrangeiro (a produção é britânica), venceu o Bafta de figurino também e teve boa parte das cenas rodada no verdadeiro Egito – Giza, Luxor, Cairo etc
Como várias das produções de luxo adaptadas de Agatha para o cinema, o filme tem nomes notórios na parte técnica, como Nino Rota na trilha sonora (criador de trilhas memoráveis, como “O poderoso chefão” e “Romeu e Julieta”) e Jack Cardiff na brilhante fotografia (o mesmo de “Uma aventura na África”, ganhador do Oscar na categoria por “Narciso negro”).
Saiu em DVD há poucos meses pela Obras-primas do Cinema, no box “Agatha Christie – volume 2” - é o melhor da caixa, que vem com “O último dos dez” (1974) e os fracos telefilmes “É fácil matar” (1982) e “Mistério no Caribe” (1983); e já tinha saído em DVD em 2007, num outro box, “Coleção Agatha Christie”, da Universal, junto com o clássico “Assassinato no Expresso Oriente” (1974), a primeira aparição oficial de Poirot no cinema (mas interpretado por Albert Finney). Um deleite para os fãs do cinema de investigação!





Morte sobre o Nilo (Death on the Nile). Reino Unido, 1978, 139 minutos. Suspense. Colorido. Dirigido por John Guillermin. Distribuição: Obras-primas do Cinema (DVD no box “Agatha Christie – vol.2”, de 2020) e Universal Pictures (DVD no box “Coleção Agatha Christie”, de 2007)

Cine Cult



Os ciganos vão para o céu

Num acampamento de ciganos, nas estepes da Bessarábia, o ladrão de cavalos Loyko (Grigore Grigoriu) apaixona-se pela jovem dançarina Radda (Svetlana Toma). Desafiam-se num romance tempestuoso enquanto vagam de cidade em cidade para sobreviver.

A CPC-Umes Filmes resgatou, há alguns anos, essa obra primorosa sobre a vida dos ciganos no século XIX e a distribuiu em DVD na série “Cinema Soviético”, numa cópia bem bonita. Produzido em 1975, é um dos raros filmes da história do cinema em torno dos gypsies, tratando das dificuldades dessa comunidade, mostra o relacionamento amoroso entre eles e seu convívio em família. É uma alegoria mágica sobre esse povo deixado ao Deus-dará, e aqui acompanhamos a vida de dois deles, um ladrão de cavalos e sua namorada, uma jovem alegre, dançarina, de corpo impecável. Com seus entes, lutam para sobreviver nas estepes da Bessarábia, uma antiga região que durante o Império Russo, no início do século XIX, dividia-se entre a Moldávia e a Ucrânia. Perseguidos por soldados, uns são mortos, têm seus pertences queimados, outros são presos, ou seja, é a trajetória de pessoas que, além de rejeitadas pela sociedade, terminam massacradas por quem está no poder.


Baseado no conto Makar Chudra" (1892), do russo Maximo Gorki, o filme é um romance com drama e musical, os atores cantam e dançam em cena, interpretando músicas tipicamente ciganas. Tem uma fotografia fascinante, em grandes planos abertos de campos e um colorido especial (tem até cenas sensuais de nudez feminina), dirigido pelo fotógrafo de cinema Sergey Vronskiy, de “Os irmãos Karamazov” (1969). E por falar em diretor, quem dirigiu (e escreveu o roteiro) foi Emil Loteanu (1936–2003), de outro filme lançado pela CPC-Umes, “Um acidente de caça” (1978 – indicado à Palma de Ouro em Cannes).

Os ciganos vão para o céu (Tabor ukhodit v nebo). URSS, 1976, 95 minutos. Romance/Musical. Colorido. Dirigido por Emil Loteanu. Distribuição: CPC-Umes Filmes

sábado, 11 de julho de 2020

Cine Cult



Terra prometida

A saga de três amigos de escola na cidade de Lódz, centro da indústria têxtil da Polônia. Hoje adultos, juntam-se para abrir uma fábrica de tecidos.

Indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 1976, é um dos maiores (em termos de duração) e melhores (quanto a qualidade técnica) trabalhos do cineasta autoral Andrzej Wajda, que costumava dirigir de maneira dura para contar a história política e social de seu país natal, a Polônia. Diretor engajado, efusivo, que criou obras de arte impressionantes e ao lado de Krzysztof Kieslowski e Roman Polanski inseriu a Polônia no cenário do cinema mundial.
“Terra prometida” (1975) é uma saga sobre três amigos de infância no início do século XX. Crescidos, tornam-se industriais quando se juntam para abrir uma fábrica têxtil (eles são um engenheiro, um comerciante e um tecelão). Nessa longa narrativa onde acompanhamos suas rotinas de trabalho, amores e desilusões, também é possível compreender o cenário político e econômico da Polônia no período, mais especificamente da cidade de Lódz que sempre foi uma referência na economia do país por ter lá inúmeras indústrias da área de tecelagem (e também foi polo de cinema por muito tempo). A história, baseada no romance de Wladyslaw Stanislaw Reymont (publicado em 1899), com roteiro de Wajda, nos arrebata também por causa da estonteante fotografia, assinada por um trio: Waclaw Dybowski e Witold Sobocinski, que trabalharam em outros filmes do diretor, e Edward Klosinski, o diretor de fotografia do mestre Kieslowski (juntos fizeram “Decálogo”, e dois da Trilogia das Cores, “A igualdade é branca” e “A fraternidade é vermelha”).


Cuidado apenas com as cópias disponíveis no Brasil. A melhor delas está disponível em DVD pela Obras-primas do Cinema no box Andrzej Wajda, contendo “Cinzas e diamantes” (1958), “O homem de mármore” (1977) e “O homem de ferro” (1981), que tem a metragem original de cinema, de 170 minutos; essa cópia está linda! Há em DVD uma da Lume Filmes, com imagem danificada, bem irregular, que é a edição editada estrangeira, com apenas 138 minutos, autorizada pelo diretor. E existe ainda nos Estados Unidos a maior versão de todas, exibida na TV em capítulos, totalizando 204 minutos.
Um verdadeiro cinema de arte de um dos diretores mais cultuados da Europa.


Terra prometida (Ziemia obiecana). Polônia, 1975, 179 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Andrzej Wajda. Distribuição: Obras-primas do Cinema (DVD, de 2019, em box) e Lume Filmes (DVD, de 2010)

Cine Cult



Quem a viu morrer?

Crianças são assassinadas em Veneza por um serial killer. Um escultor fica preocupado com as mortes, pois sua filha pequena mora com ele e pode ser a próxima vítima.

Um autêntico giallo (suspense sangrento italiano) com o ator que interpretou James Bond apenas uma vez no cinema, George Lazenby (no caso, o filme “007 - À serviço secreto de sua majestade”, de 1969). Tem uma ambientação sinistra em Veneza e seus canais de água, mortes sangrentas (como são de crianças, amenizaram um pouco para não causar tanto choque no público), investigação no estilo “Quem matou” e uma grande trilha sonora de Ennio Morricone, falecido essa semana aos 91 anos. A direção caprichada de Aldo Lado, que um ano antes, 1971, estreou no cinema com outro giallo, “A breve noite das bonecas de vidro”, mantém o clima de mistério do começo até o desfecho.


O giallo se popularizou na Itália nos anos 70, com mais de 100 produções de suspense/terror, que tinham enredo parecido, envolvendo vários assassinatos macabros e um assassino solto por aí. Só mudavam os atores, diretores, os cenários e panos de fundos – até os roteiristas costumavam ser os mesmos! O giallo abriu escola, e nos Estados Unidos, nas décadas seguintes, surgiu dele o “slasher movie”, com “Halloween: A noite do terror”, “Sexta-feira 13”, “Dia dos Namorados macabros” e dezenas de fitas sanguinárias.
Além de Lazenby, no elenco temos Adolfo Celi (que foi casado com Tônia Carrero e viveu muito tempo no Brasil) e a sueca Anita Strindberg, atriz de vários gialli nos anos 70.
É o melhor filme do box “Giallo – volume 8”, lançado recentemente pela Versatil Home Video, que traz ainda na caixa “A iguana da língua de fogo” (1971), “Morte suspeita de uma adolescente” (1975) e “Terror em Veneza” (1978).


Quem a viu morrer? (Chi l'ha vista morire?). Itália/França, 1972, 94 minutos. Suspense/Terror. Colorido. Dirigido por Aldo Lado. Distribuição: Versátil Home Video

Cine Lançamento - No Netflix



Festival Eurovision da Canção: A saga de Sigrit e Lars

Lars (Will Ferrell) e Sigrit (Rachel McAdams) cresceram juntos na congelada ilha da Islândia sonhando em participar do famoso programa de competição musical “Festival Eurovision de Canção”. No porão da casa de Lars, os dois treinam voz e várias performances para a competição, e ficam felizes quando conseguem entrar na lista dos finalistas para se apresentar na edição daquele ano do festival. Eles não imaginam a lista de altos concorrentes que terão de vencer nos palcos dali pra frente...

Dançante, alegre e divertido à beça, esse filme de nome comprido é a aposta do mês do Netflix, uma produção original de comédia com musical com dois excelentes atores que se divertem em cena, Will Ferrell e Rachel McAdams (podem até concorrer ao Globo de Ouro de 2021). Eles adotaram sotaque sem cair no esculacho para interpretar dois amigos que dividem o palco para ganhar um concurso de música.
A partir de um pano de fundo real, que é o notório “Festival Eurovision de Canção”, que existe desde os anos 50 e revelou nomes como Abba, constrói-se a história de batalhas, conquistas e desfalques dessa dupla no competitivo cenário da música no norte da Europa. Por falar em Abba, a abertura do filme mostra o grupo sueco ganhando a edição do referido festival, em 1974, com “Waterloo”, o que influenciará a vida dos personagens centrais durante toda a história.


É comédia leve para quem procura se entreter, de um humor vívido, com toques bizarros na fotografia colorida e nos figurinos exuberantes, e Ferrell, como de praxe, com seu estilo inconfundível de fazer rir – ele escreveu o roteiro junto de um dos produtores do mundialmente famoso programa americano de humor “Saturday night live”, Andrew Steele.
Salvam também as belíssimas locações de Húsavík, na Islândia, que faz o público entrar no clima e até propiciar uma gostosa viagem pelas imagens bucólicas.
Nesse período de pandemia, um filme legal, pra cima e cheio de luz! Do diretor da comédia “Penetras bons de bico” (2005) e do drama de tribunal “O juiz” (2014), David Dobkin.

Festival Eurovision da Canção: A saga de Sigrit e Lars (Eurovision Song Contest: The story of Fire Saga). EUA, 2020, 123 minutos. Comédia/Musical. Dirigido por David Dobkin. Distribuição: Netflix

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Resenha Especial



Santiago

* Reedição, de uma resenha publicada em 2007

Documentário sobre as memórias do mordomo Santiago, que por 30 anos trabalhou para a família Moreira Salles, na mansão deles na Gávea, Rio de Janeiro.

O novo documentário do cineasta João Moreira Salles, “Santiago”, exibido na abertura da edição desse ano do Festival “É tudo verdade”, retrata momentos do dia a dia de um mordomo. Não um mordomo qualquer, mas um homem que trabalhou por três décadas na residência dos pais do próprio diretor da película de não-ficção em questão. Ou seja, uma pessoa extremamente vinculada àquele que captou as imagens para serem transformadas em documentário.
Para montar o filme, que demorou 15 anos para ser concluído, Moreira Salles usou-se da técnica de manipulação do personagem central. Ele faz o que quer com seu mordomo, e como é o diretor da fita, corta bruscamente as falas de seu objeto de análise e edita as imagens de maneira individualista. Mostra uma forte relação, porém ao mesmo tempo distanciada, entre Santiago (que era nascido na Argentina, sabia falar cinco línguas e lia muito) e ele mesmo, que fica sempre atrás das câmeras, sem nunca aparecer. Tudo numa magnífica fotografia em preto-e-branco (do mestre Walter Carvalho).

A figura do mordomo lembra outro personagem, que, coincidentemente, tem o mesmo nome. Refiro-me ao pescador do livro “O velho e o mar”, best seller de Ernest Hemingway. Os dois carregam um imenso vazio. O pescador de Hemingway, já velho e sem oportunidades na vida que lhe resta, busca um sonho: pescar um peixe grande, ou melhor, um peixe jamais pescado antes. O Santiago de Moreira Salles é igualmente solitário, vive alimentando velhos sonhos, cercado de livros e manuscritos raros. E ambos, no fim, tornam-se esquecidos, abandonados, sem oportunidade de expressar quem realmente são.
Moreira Salles fez um filme-ensaio único sobre solidão e memória, e antes havia dirigido pelo menos dois grandes doc, “Notícias de uma guerra particular” (1999) e “Nelson Freire” (2003). “Santiago” (2007) é considerado sua obra-prima, e um dos grandes filmes brasileiros dos últimos anos. Merecidamente recebeu indicação a prêmios nacionais e internacionais, como no famoso Tribeca Film Festival, em 2007.

Santiago (Idem). Brasil, 2007, 78 minutos. Documentário. Preto-e-branco. Dirigido por João Moreira Salles. Distribuição: Bretz Filmes


* Reeditado a partir de uma resenha originalmente publicada em 20/10/2007, no boletim informativo “Voz dos Jardins” (São José do Rio Preto/SP)