domingo, 31 de agosto de 2008

Entrevista Especial

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“Cinema brasileiro caminha para novos saltos”, aposta ator Giulio Lopes (*)

Felipe Brida

O sistema de produção de cinema no Brasil – e todas as questões interdependentes, como fomento, salas de exibição e distribuição de filmes – é motivo de calorosas discussões entre cineastas, produtores e críticos de cinema. Enquanto um grupo prega pela implosão da política vigente e construção de uma nova lei que regulamente as condições do cinema nacional, outro pretende apenas reformular alguns itens da Lei do Audiovisual. Como a mudança ainda não submergiu das águas turbulentas dos debates, diretores e produtores de cinema – e os próprios atores e atrizes – fazem a parte que cabe a eles: preparar filmes e lançá-los ao mercado.
Giulio Lopes é um desses atores de cinema, teatro e TV que questiona o sistema de produção de cinema no Brasil. Nascido em Poá, São Paulo, em julho de 1960, Lopes, que atuou em pouco menos de 10 filmes – nos recentes “Meu nome não é Johnny” e “Encarnação do demônio”, ambos lançados este ano – e cuja carreira está inserida no contexto do “boom” do cinema nacional, acredita no sucesso das fitas brasileiras. Em entrevista especial concedida ao Notícia da Manhã diretamente de São Paulo, o ator destaca o público jovem, hoje consumidores do cinema nacional. Confira.


NM – Giulio, acredita que o público brasileiro já sabe qual o significado do cinema nacional hoje?
Lopes – De forma geral sim. Vejo com bons olhos os jovens, que hoje começam a se incluir e ao mesmo tempo serem incluídos como expectadores do cinema brasileiro. Eles (os jovens) não vêem o cinema nacional como viam poucos anos atrás. Não existe mais aquele preconceito bobo de que “se é produção nacional o filme vai ser ruim ou chato”. Atualmente, em especial os adolescentes, o público está com a mente mais aberta, sabe quais as propostas dos cineastas e quer entender o que é mostrado nas telas. Se continuar nesse ritmo, o cinema brasileiro dará grandes saltos.
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NM – Só a questão do público já resolve a situação do cinema nacional?
Lopes – Nem pensar. Ainda temos problemas agravantes, por exemplo, quanto às políticas de produção e distribuição dos filmes. É triste ver poucas salas que exibem filme nacional; muitas delas estão localizadas em pontos estratégicos, em lugares onde o público apresenta maior poder aquisitivo. Há a questão do fomento, que aos poucos vem invertendo a situação para que se chegue ao ideal. O trabalho está sendo feito. Como já mencionei, o empenho dos cineastas e de produtores hoje faz com o cinema brasileiro adquira uma nova dimensão não vista antes.

NM – O perfil das produções nacionais mescla gêneros? Como vê essa variedade de temas e estilos?
Lopes – Para atrair público é primordial variar temas e estilos. Quanto mais diversificada a linha de produção mais interesse tem o público em assistir aos filmes. Agora vou agora me colocar como expectador: sinto falta de diversidade no cinema nacional. Por exemplo, “Meu nome não é Johnny”, filme em que atuei como o pai do personagem-título, segue a linha policial, estilo um pouco “sumido” do cinema nacional. A fita foi bem comentada, tinha uma “pegada” jovem, recebeu boas críticas e muita gente o assistiu nos cinemas. Um filme diferente em todos os sentidos, porém, como disse, o tema não é explorado por cineastas. Penso que seja difícil fugir daquilo que se espera de uma produção nacional, com temas batidos sobre condições sociais, favela, violência nos morros e pobreza no nordeste. E isto insiste em permear nosso cinema, é quase que um elemento obrigatório nas produções nacionais. Falta variedade de temas no cinema. Mas sou otimista; apesar de a “coisa” não estar perfeita, caminha-se para o melhor. Resta esperarmos alguns anos para que se note a diferença.

NM – O artista pode colaborar para as mudanças no cinema?
Lopes – Isto depende do comprometimento social e de vida de cada um dos envolvidos no cinema. O ator e a atriz, cuja função principal é se comunicar com o público, têm esse grande instrumento nas mãos; assim, pode se colocar à frente para melhorar o sistema de produção cinematográfica. O artista tem bastante influência e pode brigar para trazer novos rumos ao cinema.


Conheça o ator

Formado pela EAD/Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo em 1989, Giulio Lopes é diretor de teatro e ator. Atuou em mais de 11 peças, dentre elas “O inimigo do povo” e “O enigma Blavatsky”. Fez propagandas na televisão. Trabalhou em nove novelas da Rede Globo, como “Por amor” (1998), “Torre de Babel” (1998), “Suave veneno” (1998), “Desejos de mulher” (2002) e “Da cor do pecado” (2004), e em outras cinco em outras emissores, como SBT e Bandeirantes.
Sua mais recente incursão é no cinema. Como ator esteve em pouco menos de 10 filmes, dentre eles “Contra todos” (2003), “Antônia – O filme” (2007), “Querô” (2007 - foto acima), “Não por acaso” (2007), “Meu nome não é Johnny” (2008) e “Encarnação do demônio” (2008). Recentemente terminou as gravações do novo longa-metragem, “Verônica”, previsto para ser lançado ainda este ano.
Acesse o site para conhecer mais sobre a carreira do ator Giulio Lopes: http://www.giuliolopes.com.br/

(*) Entrevista publicada no jornal Notícia da Manhã, periódico de Catanduva, na edição do dia 29/08/2008. Fotos: Divulgação

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Cine Lançamento

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10.000 AC

Pré-história. Caçador de mamutes, D’Leh (Steven Strait) apaixona-se pela jovem Evolet (Camilla Belle). Ao descobrir que ela foi seqüestrada por um grupo de guerreiros, D’Leh irá liderar uma expedição de caçadores para resgatar seu amor.

O que se passa pela cabeça do diretor alemão Roland Emmerich quando assume projetos de cinema que prometem extrapolar na bilheteria? Que falta de sensibilidade no tratamento do roteiro, meu santo! Este filme, com ambientação na pré-história, é, junto com “Godzilla”, um de seus trabalhos mais horrorosos, se não o pior. E olha que Emmerich pode ser considerado um enganador: realiza produções ruidosas, que nunca são grande coisa, mas que atraem multidões aos cinemas (lembram-se de “Independence Day”, “O dia depois de amanhã” e o próprio “Godzilla”?). E “10000 AC” é outra prova: com orçamento caro de US$ 75 milhões, arrecadou, só no primeiro final de semana de estréia nos EUA, a metade!
Deixemos os números e partamos para o conteúdo da fita. Pra começar, o pano de fundo é uma história de amor das mais tolas possíveis, ambientada na passagem do período da pedra lascada para a pedra polida, conforme pressupõe o título. Na composição física, homens pré-históricos com barbas feitas e super afeiçoados, oposto gritante do clássico barroco “A Guerra do Fogo”, de Annaud, cujos personagens eram arqueados, sujos e não utilizavam falas, apenas urros e gestos. Em “10000 AC”, os homens das cavernas são rápidos e mais parecem indígenas com caras pintadas e cabelos estilosos. É de ranger os dentes!
Os efeitos visuais que recriam as seqüências de luta com mamutes e outros seres pré-históricos, como o dente-de-sabre, não desagradam, mas também não justificam o resultado. Há ainda problemas de falta de apuro técnico: as competições tribais assemelham-se a lutas romanas e um duvidoso sistema de navegação (em plena época dos povos sedentários e início da agricultura arcaica), que me remeteu às Cruzadas, permeia o filme.
Poderia ter saído um projeto que focasse a pré-história em seu sentido mais fiel, já que há anos o tema anda distante das terras hollywoodianas. Pena a produção ter deixado de escanteio a verossimilhança e optar por uma história tão sem sentido e nem um pouco vibrante. Foge totalmente dos conceitos que temos sobre o período pré-histórico. Sem dó nem piedade está na minha lista pessoal dos piores do ano.
Reparem que uma das cenas homenageia a famosa passagem da queda do gigante de As viagens de Gulliver (no lugar do gigante os caçadores amarram, com cordas, um mamute, com o posterior ataque). Por Felipe Brida

Título original: 10,000 BC
País/Ano: EUA/Nova Zelândia, 2008
Elenco: Steven Strait, Camilla Belle, Cliff Curtis, Joel Virgel, Omar Sharif (narrador).
Direção: Roland Emmerich
Gênero: Aventura
Duração: 109 min.
Lançamento: Segunda quinzena de julho
Distribuidora: Warner Bros.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Cine Lançamento

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Jumper

Quando pequeno David Rice (Hayden Christensen) adquiriu poderes especiais de tele-transporte. Em milésimos de segundos pode atravessar qualquer lugar do mundo. Ele é um “jumper”. Agora, na adolescência, Rice precisa fugir de uma organização secreta, liderada pelo impiedoso agente Roland (Samuel L. Jackson), que passa a persegui-lo. O objetivo do grupo é eliminar todos os jumpers.

Na segunda metade dos anos 90 Doug Liman dirigiu duas fitas independentes cujo roteiro era inovador e trazia boas sacadas e que logo o transformaram em um cineasta promissor – “Swingers – Curtindo a noite” (1996) e “Vamos nessa” (1999). Anos depois, acertou em cheio com a primeira parte da trilogia Bourne, “A identidade Bourne” (2002), um intrigante thriller de espionagem. Com o sucesso impregnado na carreira Liman resolveu então rodar fitas comerciais, que, apesar de causar alvoroço na bilheteria, não demonstravam a criatividade de antes. Isto inclui seus dois últimos projetos: o superficial “Sr & Sra Smith” (2005), que uniu de vez Brad Pitt e Angelina Jolie, o casal do momento, e este “Jumper”, ainda pior que o mencionado anteriormente.
Liman comprova a teoria de que para fazer sucesso e agradar o público jovem não é necessário ir muito longe. Em “Jumper”, os efeitos digitais – ágeis e bem recriados – mascaram o roteiro sem sal e descontínuo. Pra começar, é um filme de uma história só: à frente do elenco está o jovem Hayden Christensen, o Anakin Skywalker dos episódios II e III de Star Wars. Um ator sem ritmo com cara de sono e olhar de paisagem que representa o bem. Na outra ponta da disputa, sobra para Samuel L. Jackson, com cabelos pintados de branco (é de um mau gosto medonho!), o papel do caçador de jumpers. E nesse contexto o bem procura formas de fugir das peripécias armadas pelo mal. Como o jumper pode se tele-transportar, percorre o mundo inteiro, passando pelas esfinges no Egito e cruzando ruas movimentadas de Tóquio. Fique claro que não enchem nossos olhos as imagens “cartões-postais” de outros países, devido à rapidez das seqüências, e boa parte delas são apenas resultado de computação gráfica.
Ainda na questão do enredo, senti falta de lances emocionantes e surpresas. Aliás, tudo é previsível demais. A idéia sobre tele-transporte, poucas vezes utilizadas no cinema, soa interessante, mas não do jeito como vemos aqui nesta aventura banal. O público menos exigente, onde estão inseridos os jovens acostumados com filmes de ritmo agitado, é quem deverá curtir a fita.
Lançado nos cinemas no primeiro semestre deste ano, emplacou bilheteria tanto nos Estados Unidos e Canadá (quando estreou em fevereiro) quanto no Brasil (em abril). Só lá fora arrecadou mais de US$ 23 milhões somente no final de semana de estréia.
Só uma nota: as cenas de batalha no Coliseu foram realmente filmadas no interior do anfiteatro romano. Para tal façanha, a produção teve de montar equipamentos especiais para evitar danos na estrutura das ruínas. Por Felipe Brida

Título original: Jumper
País/Ano: EUA, 2008
Elenco: Hayden Christensen, Jamie Bell, Samuel L. Jackson, Rachel Bilson, Michael Rooker, Diane Lane, Kristen Stewart, Tom Hulce.
Direção: Doug Liman
Gênero: Aventura
Duração: 88 min.
Lançamento: Segunda quinzena de julho
Distribuidora: 20th Century Fox

sábado, 9 de agosto de 2008

Morre o comediante Bernie Mac

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O comediante Bernie Mac morreu na madrugada de hoje vítima de pneumonia decorrente de uma sarcoidose (inflamação pulmonar grave). O ator tinha 50 anos e estava internado em um hospital de Chicago desde o início do mês.
Mac atuou em filmes de sucesso de bilheteria, como a trilogia de "Onze Homens" - "Onze homens e um segredo" (2001), "Doze homens e outro segredo" (2004) e "Treze homens e um novo segredo" (2007) - e "Transformers" (2007). Esteve ainda no elenco de "Todos a bordo" (1996), "Até que a fuga os separe" (1999), "O que mais pode acontecer?" (2001), As Panteras - Detonando" (2003), "Um pobretão na Casa Branca" (2003), "Papai Noel às avessas" (2003), "O rei do jogo" (2003), "A família da noiva" (2005) e "Pride - O orgulho de uma nação" (2007).
No cinema participou de filmes ao lado de renomados artistas como Danny DeVito, Eddie Murphy, Billy Bob Thorton, Angela Bassett, Brad Pitt, Al Pacino e George Clooney.
Concorreu a dois prêmios Emmy e a dois Globos de Ouro pelo programa humorístico "The Bernie Mac Show" (2001-2006), que ainda é transmitido nos EUA. Nascido em Chicago, Illinois, no dia 5 de outubro de 1957, Mac era casado, desde 1977, com Rhonda McCullough, com quem teve uma filha. Por Felipe Brida

Especiais sobre cinema

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Mostra UP TO 3 abre inscrições para curtas de animação


As inscrições para o Up to 3 - Brazilian Short Animation Exhibition of Toronto, mostra de curtas de animação que acontece durante o II Festival de Cinema Brasileiro em Toronto (Canadá), entre os dias 6 e 9 de novembro, estão abertas.
Os interessados podem inscrever seus trabalhos até o dia 10 de setembro. Os curtas devem apresentar duração de até 3 minutos, voltados ao tema “relacionamento”, cujas categorias são autoral e acadêmico. A seleção dos filmes será realizada por um conselho que reúne profissionais de diversas áreas da animação - games, novas mídias, autoral, publicidade, mercado de entretenimento e quadrinhos – com o objetivo de trazer uma análise de visão multidisciplinar das obras. Para mais informações acesse o site www.upto3.ca

As inscrições para o Festival de Cinema Brasileiro em Toronto ainda estão abertas. Cineastas e profissionais de cinema e comunicação podem preencher, via internet, a documentação para participar com curtas, médias ou longas. O edital com todas as informações e a ficha de inscrição podem ser acessados no link abaixo:
http://www.puente.com.br/DESCRITIVO.ASP?TOPICO=festivaledital
Os filmes devem ser em formato 35 mm, beta ou beta digital, e serão selecionados pelo crítico de cinema Celso Sabadin, curador do evento. Os melhores vão ser exibidos no Bloor Cinema, cinema-referência em Toronto.
Os ganhadores receberão o troféu Golden Maple, desenvolvido pelo designer Nilson J. dos Santos. Serão cinco categorias: melhor ator, atriz, diretor, filme e melhor do público. Além do troféu, os eleitos pelo Júri Popular receberão, da empresa Quanta, R$ 4 mil em serviços (curta) e R$ 6 mil em serviços (médio/longa).
O objetivo da festival, de acordo com a Puente Agência de Comunicação, uma das principais empresas organizadoras do evento, é de promover o intercâmbio de conhecimento entre o Brasil e o Canadá, países onde a multicultura é característica presente. Por Felipe Brida

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Entrevista Especial

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Do inferno para o mundo real

Criador e criatura: Mojica e o funesto tormento de Zé do Caixão (*)


Felipe Brida

Direto das profundezas do lugar mais obscuro ideado pelo ser humano surge uma figura controversa e sádica do cinema brasileiro. Quem nunca ouviu falar de Zé do Caixão, o coveiro paranóico criado e interpretado pelo ator José Mojica Marins? O personagem, ícone do cinema de terror dentro e fora do Brasil, está de volta aos cinemas para atormentar o público, em especial os fãs do gênero. O mais novo longa-metragem de Mojica, “Encarnação do demônio”, cuja estréia nacional acontece hoje, encerra a trilogia rodada por ele nos anos 60 – “À meia-noite levarei sua alma” e “Esta noite encarnarei no teu cadáver”.
Em entrevista especial ao Notícia da Manhã, o ator, diretor, roteirista e produtor José Mojica Marins, 71 anos, conta sobre a produção do novo filme e relembra sua trajetória composta por situações malditas que fizeram com que ele transpusesse seus pesadelos íntimos às telas.


NM – Mojica, o senhor revolucionou o cinema brasileiro com uma temática nunca antes abordada na cultura cinematográfica de nosso país. Nenhum cineasta havia ousado com o terror até os anos 60. Como surgiu essa abordagem do macabro, do gosto pela morte, da predileção pelo além-túmulo?

Mojica – Tudo começou em outubro de 1963, quando tive um pesadelo medonho. Sonhei que era arrastado por coveiros em um cemitério e colocado dentro da minha própria tumba. A partir desse dia começaria uma revolta interna dentro de mim que fez com que eu moldasse o personagem Zé do Caixão, um coveiro desiludido em busca de um filho perfeito. Rodei o primeiro de uma série de filmes com o personagem Zé do Caixão, “À meia-noite levarei sua alma”, lançado em 1964. Tenho adoração pelo terror desde a infância. Sofro de insônia há 55 anos, o que faz com que eu coloque nas minhas fitas os pesadelos que tenho desde moleque. Eu tiro do sonho e jogo na fita. São abordagens que perturbam e desconfortam, como pessoas mortas levantando do túmulo e rituais sádicos.

NM – O “Zé do Caixão” é um personagem genuinamente brasileiro? Confunde-se criador e criatura?

Mojica – O Zé marcou por ser brasileiro e original. Não imita Drácula, nem lobisomem, nem serial killer mascarado, nem aquelas múmias dos gringos. É coisa nossa. Mexo com quimbanda, superstição, histórias macabras sobre terreiros e cemitérios, cultura popular. O personagem vingou e deu certo até fora do país (lá fora sou chamado de Coffin Joe, tradução literal). Até hoje uso o estilo do Zé e todos os fãs me chamam de Zé. Mojica, só para alguns. Por causa do sucesso de “À meia-noite” rodei, em 1967, a continuação, “Esta noite encarnarei no teu cadáver” (foto ao lado), ainda mais macabro e assustador. E colorido, outra inovação! O final da trilogia, “Encarnação do demônio”, sairia nos anos 60; porém era época de Regime Militar e fui barrado. Ameaçavam cortar o título da fita, censurar as cenas com tarjas e retirar o som das seqüências. Queimariam o negativo e me prenderiam, caso rodasse filmes de terror.

NM – O cinema de Mojica pode ser considerado uma história de luta com pouca verba?

Mojica – Sempre lutei para conseguir verba para rodar meus filmes. Como a tarefa era difícil, fazia – e ainda faço – meu cinema na garra. Aos 10 anos de idade dirigi “O juízo final”, logo após ganhar uma câmera. Nos anos 50 passei a fazer filmes em 35 milímetros. Não consegui finalizar “Sentença de Deus”. Tentei termina-lo três vezes, mas houve tragédia envolvendo o elenco, e esta produção foi considerada maldita. Não deu certo, e resolvi lançar um livro homônimo sobre a história do filme. Com a verba rodei o primeiro Cinemascope brasileiro, “A sina do aventureiro”, em 1958, fita com traços de faroeste e pouco orçamento. O público gostou, no entanto foi visto como escandaloso por causa da cena de duas mulheres nuas tomando banho na cachoeira. Até um grupo de padres tentou barrar a fita. Para satisfazer os religiosos, dirigi, em 1961, um filme para crianças, “Minha vida em tuas mãos”. Na história, muitos padres, freiras e um enredo agradável. Mas realmente não satisfazia meu gosto esse estilo água-com-açúcar. Daí fiz o “À meia-noite”.


NM – Para compensar havia apoio do público e dos exibidores?

Mojica – Nem pensar. Muitos “desciam o pau” no gênero, recusavam-se projetá-los nos cinemas. Perseguido pela Ditadura, pelos padres e por aquela parcela do público que não aceitava meus filmes, passei maus bocados no final dos anos 60. Em 40 anos três produtores que atuaram comigo morreram. Fiquei praticamente sozinho. Só mesmo no século XXI voltaram a “enxergar” meu cinema. Hoje me valorizam, e devo muito ao amigo Paulo Sacramento, da produtora Olhos de Cão, pois, com ele – e outros tantos parceiros – consegui rodar o final da trilogia, “Encarnação do demônio”.

NM – “Encarnação” recebeu prêmios importantes, inclusive saiu-se o vitorioso do I Festival de Paulínia, com sete prêmios, inclusive o de melhor filme. Pretende causar polêmica com o “Encarnação”?

Mojica – É, sem dúvida, meu maior filme de terror. Muito bem narrado, construído e assustador. Escolhi a dedo os artistas, por mérito: Zé Celso Martinez Correa, Milhem Cortaz, Luís Mello, Adriano Stuart, Rui Resende, Cristina Aché, Helena Ignez e Jece Valadão. Ah, fique claro que Valadão morreu durante as filmagens não por maldição, mas por enfermidade. Ele até fez questão de reunir a imprensa e dizer: “Se eu morrer nesta fita, o Mojica não terá culpa. Estou doente”. É um filme chocante e que perturba. Há cenas reais de suspensão de corpos por ganchos, baratas, porcos mortos. A questão do filho persegue ainda o Zé na fita. Ele continua alucinado para gerar o filho perfeito. Tive de “levar” o personagem ao manicômio e à cadeia para justificar a minha idade, já que se passaram 40 anos desde “Esta noite”. Recebi homenagens pela produção, que foi selecionada para o Festival de Veneza. O filme será distribuído pela Fox. Aguardem!

NM – Os mortos-vivos recriados pelo senhor vieram antes mesmo dos defuntos norte-americanos de George A. Romero. Houve influência do Mojica nos Estados Unidos?

Mojica – Acredito que sim. Nos anos 90, ao percorrer festivais e mostras de cinema de terror nos EUA, os críticos de cinema de lá diziam sobre essa influência. Falaram que eu dei o pontapé inicial, e eles utilizaram a idéia. Os produtores de Freddy Krueger (da série de filmes “A hora do pesadelo”) afirmaram que as unhas do personagem foram baseadas nas minhas.

NM – E as famosas unhas do Zé do Caixão, aonde foram parar?

Mojica – As minhas unhas eram naturais. Faziam parte da ideologia do personagem, que queria provar que a natureza erra também. Então as deixei crescer para provar: “se eu não as cortar até que ponto chegam?”. Por 40 anos cultivei-as. Atingiram tamanhos exorbitantes, o que fez com que atrofiasse minhas mãos. Precisei cortá-las. Mas elas estão guardadas. Hoje o que comanda mesmo é minha voz. Adoram esse tom grave meio maquiavélico, parece algo que vem do inferno e é do demônio. Lá fora ninguém me dubla e sempre usam legendas. Querem ouvir essa voz, que acabou tomando o lugar das unhas.

Mojica coordena Congresso Transcultural em São Paulo
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O cineasta José Mojica Marins promove, no próximo dia 16 em São Paulo, o I Congresso Transcultural e Teosófico. O evento tem início às 14 horas. Serão discutidos temas ligados a crenças, filosofia, religião e cultura brasileira. Haverá apresentações musicais, exibição de filmes, fórum de discussão e sorteio de prêmios e ingressos para o novo filme de Mojica. Mais informações: producaozedocaixao@hotmail.com ou (11) 3337-4440.

Mais sobre o artista

José Mojica Marins nasceu em São Paulo no dia 13 de março de 1937. Rodou pouco mais de 30 filmes, dentre eles terror e produções na Pornochanchada. Dirigiu filmes polêmicos que foram censurados, como Estupro/Perversão (1979). Gravou marchas carnavalescas com o tema Zé do Caixão. No Largo do Arouche, localizado no bairro Santa Cecília, São Paulo, montou os estúdios que preserva até hoje. Pai da atriz vampiresca Liz Vamp, atualmente apresenta o programa “O estranho mundo do Zé do Caixão”, exibido pelo Canal Brasil sempre às sextas-feiras, a partir da meia-noite.
Mojica teve a vida biografada em “Maldito: A vida e o cinema de José Mojica Marins, o Zé do Caixão”, de Ivan Finotti e André Barcinski, e “Prontuário 666”, de Samuel Casal, lançado esta semana.


Outros filmes (direção)

O estranho mundo de Zé do caixão (1968)
O Ritual dos sádicos – O despertar da besta (1970)
Finis Hominis – O fim do homem (1971)
Quando os deuses adormecem (1974)
O exorcismo negro (1974)
A estranha hospedaria dos prazeres (1976)
Inferno carnal (1977)
Delirios de um anormal (1978)
A hora do medo (1986)
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(*) Entrevista publicada no jornal Notícia da Manhã, periódico de Catanduva, na edição do dia 08/08/2008. Créditos para a primeira fotos de José Mojica Marins: Felipe Brida. Outras fotos: Divulgação.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Cine Lançamento

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O Olho do Mal

Sidney Wells (Jessica Alba) é uma violinista cega que volta a enxergar após um transplante de córneas. Dias depois da cirurgia a jovem passa a ser atormentada por visões do além. Desconfiada de que as aparições estejam ligadas às córneas transplantadas, sai à procura do paradeiro do doador.

Descartável refilmagem do terror chinês “The Eye – A Herança” (2002), fita independente que obteve inesperado sucesso lá fora – teve ainda duas continuações inferiores, “Visões” e “Visões 2”.
Em “O Olho do Mal”, mais uma variação na linha de espíritos vingativos, os furos, todos notáveis, no roteiro desestruturam o conjunto. Chega a aborrecer a ardorosa incursão da personagem nas investigações por conta própria, método improvável e tampouco usual. Apesar de se preservar boa parte do conteúdo da história original, não assume o clima sombrio e sufocante do primeiro filme.
Mais horrível e penoso é acompanhar Jessica Alba durante uma hora e meia. Que “queridinha da América” mais insossa! Já havia jogado balde de água fria nela em “Maldita Sorte” (leia resenha abaixo). No elenco, há participações especiais desperdiçadas, como Rachel Ticotin e Rade Serbedzija.
A dupla David Moreau e Xavier Palud dirigiu, em 2006, o perturbador filme francês “Eles”, que garante bons sustos e surpresas, bem diferente do que acontece neste remake absurdo. Por Felipe Brida

Título original: The Eye
País/Ano: EUA, 2008
Elenco: Jessica Alba, Alessandro Nivola, Parker Posey, Rade Serbedzija, Fernanda Romero, Rachel Ticotin
Direção: David Moreau/ Xavier Palud
Gênero: Terror
Duração: 98 min.
Lançamento: Segunda quinzena de julho
Distribuidora: Lionsgate/ Paramount Pictures

Comentários do Blogueiro

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Amigos leitores, boa tarde.
Retomo a partir de hoje o blog, depois de 17 dias desatualizado, devido a viagens a trabalho. A partir deste mês, devo lançar novas seções de cinema neste espaço. Pretendo postar, em breve, novas entrevistas especiais. Aguardem!