terça-feira, 31 de outubro de 2023

Especial de Cinema


Os bons filmes da 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – parte 6

A 47ª Mostra Intl. de Cinema de SP começou no dia 19/10 e segue até amanhã, dia 01/11, com sessões presenciais em diversas salas de cinema da capital e também em três plataformas online (com sessões gratuitas), que são o Sesc Digital (https://sesc.digital/home), Itaú Cultural Play (https://assista.itauculturalplay.com.br/Home) e SPCine Play (https://www.spcineplay.com.br), com limite de views. Haverá, como de praxe, a repescagem dos filmes mais votados pelo público e pela crítica – nos próximos dias a programação da repescagem será divulgada no site da Mostra, em https://47.mostra.org. Confira drops com rápidos comentários dos bons filmes desse ano da Mostra, que conferi nos últimos dias.

 

She came to me (EUA, 2023, de Rebecca Miller)

 

Novo filme escrito e dirigido por Rebecca Miller, de ‘O mundo de Jack e Rose’. É uma comédia dramática com um trio em papeis formidáveis – Peter Dinklage, Anne Hathaway e Marisa Tomei. Dinklage é um compositor de óperas que não consegue fazer um novo trabalho devido a um bloqueio criativo. A esposa (Anne), que é uma terapeuta, incentiva o marido a buscar novas inspirações. Num dia perambulando por aí, conhece uma operadora de navios cargueiros (Marisa), tem um caso passageiro com ela, e a partir daí as coisas se complicam. Com humor sofisticado, é um conto urbano moderno sobre amor, traição e redescobertas, com algumas atrapalhadas no meio. Um filme rápido, para se divertir e se entregar. Foi o longa de abertura do Festival de Berlim em fevereiro desse ano. Exibição presencial ainda no dia 01/11.

 


 

Croma Kid (República Dominicana, 2023, de Pablo Chea)

 

Fitinha rápida que gostei muito de ver – a exibição presencial terminou, mas está disponível na plataforma do Sesc Digital gratuitamente até dia 01/11. Exibida no Festival de Rotterdam, fala de um garoto nos anos 1990 que ama música. Sua família se prepara para promover um programa de TV, o que o deixa apreensivo. Passeando pelos estúdios de gravação, depara-se com um dispositivo analógico mágico, que mudará seus dias para sempre. Dialogando com o processo de criação na TV e trazendo de volta os vídeos caseiros, o filme é um deleite para quem gosta das metalinguagens audiovisuais. O croma do título tem a ver com o cromakey, que começou a funcionar 30 anos atrás e até hoje é um recurso para a pós-produção de filmes, séries e novelas, em que se insere cenários nas áreas demarcadas de verde. Tentem assistir, é bem legal.

 


 

A bela América (Portugal/Brasil, 2023, de António Ferreira)

 

Um cozinheiro de família humilde tenta conquistar, por meio da comida, América, uma candidata a presidente, famosa por, no passado, ter sido estrela em programas na TV portuguesa. Comédia dramática singela, bonitinha, rodada em Coimbra. É uma produção independente portuguesa com coprodução brasileira, sobre meritocracia e improváveis encontros da vida, escrita e dirigida por um dos nomes mais profícuos do cinema português atual, António Ferreira, de ‘Embargo’ e ‘Pedro e Inês’. Exibição presencial na Mostra ainda no dia 01/11. E o filme já tem estreia marcada nos cinemas brasileiros – será no dia 02/11, nas principais salas do país, com distribuição da Pandora Filmes.

 


 

Dulcineia (Portugal, 2023, de Artur Serra Araújo)

 

Em Lisboa, após uma vida desregrada, um contrabaixista de jazz viaja a Porto para um longo período de descanso. A ideia é se reconectar com a família. Um dia, num concerto, ouve o pianista, que é famoso, tocar uma música que seria sua, ou pelo menos ele acha que é, o que provoca nele uma série de conflitos internos. Baseado no livro ‘O ano sabático’, de João Tordo, o filme tem uma fotografia marcante, e uma história sobre casualidades e déja vu, repleta de significados. Do diretor de ‘A moral conjugal’. A exibição presencial terminou, mas está disponível na plataforma do Sesc Digital gratuitamente até dia 01/11.




segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Especial de cinema


Os bons filmes da 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – parte 5

A 47ª Mostra Intl. de Cinema de SP começou no dia 19/10 e segue até dia 01/11, com sessões presenciais em diversas salas de cinema da capital e também em três plataformas online (com sessões gratuitas), que são o Sesc Digital (https://sesc.digital/home), Itaú Cultural Play (https://assista.itauculturalplay.com.br/Home) e SPCine Play (https://www.spcineplay.com.br), com limite de views. Confira drops com rápidos comentários dos bons filmes desse ano da Mostra que conferi nos últimos dias.

 

Fotofobia (Eslováquia/República Tcheca/Ucrânia, 2023, de Ivan Ostrochovský)

 

Em Kharkiv, numa das maiores cidades ucranianas, o garoto Niki, de 12 anos, vive com a família numa estação de metrô, para se esconder da guerra que se arrasta acima deles. Ele nunca sai de lá, pois é grande o risco de morrer. No subsolo, ouve diariamente tiros e bombas. Um dia, conhece Vika, uma menina de 11 anos, e juntos vão explorar a estação de metrô, e tentar subir para a superfície. É um dos bons documentários da Mostra de 2023, que se assemelha a um filme ficcional, pela forma como se narra a história. Mostra como uma criança encara uma guerra e como ela lida com seus pares para escapar dessa dura realidade. A guerra Ucrânia e Rússia segue há um ano e meio e virou tema de diversos filmes da Mostra desse ano. Ganhou prêmio especial na Jornada dos Autores do Festival de Veneza e foi exibido no Festival de Varsóvia. Exibição presencial ainda nos dias 30 e 31/10.

 


 Anatomia de uma queda (França, 2023, de Justine Triet)

 

Aguardado pelo público que acompanha a Mostra, por ter sido o ganhador da Palma de Ouro desse ano, o novo trabalho da diretora Justine Triet é um ótimo exemplar do novo cinema da França, um filme de 151 minutos dividido em duas partes; na primeira, acompanhamos uma escritora alemã que encontra o marido morto no quintal de casa, situada nos Alpes. Foi o filho de 11 anos, que possui problemas de visão, quem encontrou o corpo estirado no chão com um ferimento na cabeça e gritou pela mãe. Na segunda parte do filme, temos um autêntico drama de tribunal – a mulher é acusada de ter matado o marido, mesmo existindo hipótese de uma queda do telhado. Ela matou mesmo? O marido caiu? Alguém o jogou de lá? Ao longo de uma trama complexa, cheia de pecinhas soltas, acompanhamos o relacionamento tumultuado do casal e o que levou o filho a perder parte da visão, ou seja, investiga-se profundamente o histórico daquela família. É um dos melhores filmes do ano e deve ser finalista do Oscar, acredito que de filme estrangeiro e de melhor atriz para Sandra Hüller, que atua de maneira versátil e faz uma entrega de personagem impressionante. Exibição na Mostra ainda nos dias 31/10 e 01/11.

 


 Zona de interesse (Reino Unido/Polônia/EUA, 2023, de Jonathan Glazer)

 

Ganhador de quatro prêmios em Cannes, incluindo o do júri e o da crítica, esse é um grande filme e o retorno de Jonathan Glazer, que não filmava desde ‘Sob a pele’, ou seja, há 10 anos. E voltou com tudo em novo trabalho autoral, alegórico e que trata da ideia da ‘banalidade do mal’, de Hannah Arendt. Uma família alemã leva uma vida perfeita durante os horrores da Segunda Guerra; são eles um comandante e sua esposa, que moram a poucos metros do campo de Auschwitz, e para não encarar diariamente as atrocidades ao fundo, o casal ergue na casa um muro alto com flores, cercado por hortas. Ela, interpretado por Sandra Hüller, cuida dos filhos pequenos, faz festas na piscina, cantam e dançam, enquanto ao lado a fumaça de corpos de judeus queimados sobe pelos ares. Eu achei aterrador mesmo não mostrando um pingo de violência; tudo é subentendido, nos olhares e nas cenas de fundo. Glazer filma tudo distanciado, sem close, com o elenco afastado, e com enquadramentos geométricos, para comparar a arquitetura da casa com a arquitetura dos campos de concentração, ou seja, evidenciar a alienação e a arquitetura do mal. Baseado no livro de Martin Amis. Exibição presencial ainda nos dias 30 e 31/10.



domingo, 29 de outubro de 2023

Especial de cinema


Os bons filmes da 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Parte 4

A 47ª Mostra Intl. de Cinema de SP começou no dia 19/10 e segue até dia 01/11, com sessões presenciais em diversas salas de cinema da capital e também em três plataformas online (com sessões gratuitas), que são o Sesc Digital (https://sesc.digital/home), Itaú Cultural Play (https://assista.itauculturalplay.com.br/Home) e SPCine Play (https://www.spcineplay.com.br), com limite de views. Confira drops com rápidos comentários dos bons filmes desse ano da Mostra que conferi nos últimos dias. 

 

Limbo (Austrália, 2023, de Ivan Sen)

 

Um dos melhores filmes da Mostra desse ano, um thriller profundamente existencialista, protagonizado por um bom Simon Baker, que ficou conhecido pela série ‘The mentalist’. Ele interpreta um detetive viciado em heroína que vai sozinho a um vilarejo isolado no Outback australiano tentar desvendar um caso antigo, o desaparecimento de uma garota aborígene ocorrido 20 anos atrás. O que verá por lá: cavernas, insolação e gente amargurada, com uma crescente tensão no ar. Sua angústia retorna, e aos poucos percebe que não é mais bem-vindo na região. A fotografia em preto-e-branco é um assombro. Passou nos festivais de Berlim e Toronto. Exibição presencial ainda no dia 29/10.

 


 

Folhas de outono (Finlândia/Alemanha, 2023, de Aki Kaurismäki)

 

O finlandês Aki Kaurismäki, que já teve longa indicado ao Oscar de filme estrangeiro – no caso, ‘O homem sem passado’, e sempre tem filme exibido na Mostra de SP, realizou uma fita rápida e bacaninha, com aquele estilo próprio de filmar - poucos atores em cena, com poucas expressões e movimentos, câmera estática neles, fotografia envelhecida e direção de arte de interiores saídos de filme alemão dos anos 70. ‘Folhas de outono’ teve as sessões mais disputadas pelo público na Mostra – na que vi, hoje, a sala ficou lotada, esgotaram-se os ingressos. É a história de um homem e uma mulher que se encontram numa noite em Helsinque. Conversam pouco, tentam marcar um reencontro, mas algo dá errado. Ele perde o telefone da garota, e é viciado em álcool. Um dia, sofre um acidente na fábrica onde trabalha, e sem contato da mulher, perde para um amigo procurá-la. No meio disso tudo, o humor é leve, com piadinhas nos diálogos e uma reviravolta decisiva quase no fim. O resultado é um estudo a la Kaurismäki sobre comportamentos humanos. Gostei, porém não me entusiasmei como o restante da plateia, que ria à beça. Do Kaurismäki prefiro ‘A garota da fábrica de caixas de fósforos’, ‘O porto’ e ‘O outro lado da esperança’ – não sou um inserido em seu cinema, vi uns seis dos seus 25 filmes. Vencedor do prêmio do Júri em Cannes. Exibição presencial ainda no dia 29/10.

 


 

Peréio, eu te odeio (Brasil, 2023, de Allan Sieber e Tasso Dourado)

 

Documentário – ou ‘seria um antidocumentário?’, como uma das produtoras disse na abertura da sessão hoje - sobre vida e carreira do ator Paulo César Peréio, uma das figuras mais controversas do cinema brasileiro. O ilustrador e animador Allan Sieber demorou 23 anos para terminar esse doc, que começou com o curta em animação ‘Deus é pai’, no fim dos anos 90, e depois com outra animação, ‘Os idiotas mesmo’, ambos premiados em festivais independentes. Como Peréio é uma pessoa difícil de lidar, o filme também foi difícil de se fazer. É um passeio não só pela trajetória do ator, mas pelo cinema brasileiro dos últimos 50 anos, com Peréio aparecendo em fitas importantes do nosso cinema, como ‘Os fuzis’, ‘Toda nudez será castigada’, ‘Eu te amo’, ‘A lira do delírio’ etc. Atores, atrizes, diretores, familiares e amigos depõem sobre e contra Peréio num filme curioso e criativo, que traz muita animação no meio. Arrancou gargalhadas do público o tempo todo. Exibido no Festival do Rio e, conforme o pôster destaca, ‘recusado em mais de 30 editais de cinema’ – kkkkk. Definitivamente é hilário! Exibição presencial ainda no dia 29/10.

 


 

Mambar Pierrete (Camarões/Bélgica, 2023, de Rosine M. Mbakam)

 

Em Doula, no Camarões, uma costureira chamada Mambar trabalha incansavelmente para se sustentar. Ela tem um pequeno ateliê na casa simples onde mora, frequentado pelos moradores do bairro inteiro. Até que uma série de incidentes ocorrem no mesmo dia: sua máquina de costura quebra, em seguida ela é assaltada e por fim uma chuva torrencial inunda sua casa. Mesmo assim, ela não perde a esperança e tenta se reerguer com a ajuda de vizinhos e da família. Um filme apaixonante e belíssimo, de garra e independência, que comprova a força do cinema africano. Tem uma personagem das mais carismáticas que vi na tela recentemente, feita pela atriz Pierrette Aboheu Njeuthat. O tema central, em especial os incidentes com a personagem, parece ter saído do cinema iraniano. Exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes e no Festival de Toronto. Exibição presencial ainda nos dias 29/10 e 01/11.

 


 

Caminhadas noturnas (Canadá, 2023, de Ryan McKenna)

 

Curto, com apenas 70 minutos de duração, é uma fita independente canadense em língua francesa, com a veterana atriz Marie Brassard no papel de uma viúva com Alzheimer que toda noite sai para fazer caminhadas em volta dos jardins de sua casa. Enquanto faz o percurso, sua mente viaja. Recorrendo à estética de imperfeição, com enquadramentos estranhos, imagens escurecidas, interferências de cores e sons, com rajadas luminosas, o filme é um bom trabalho experimental de um diretor em início de carreira. Ganhou prêmio especial no festival de Montreal. Exibição presencial ainda nos dias 30/10 e 01/11.

 


 

Paisagens radicais (Suíça/Itália, 2023, de Elettra Fiumi)

 

Nesse documentário íntimo e confessional, a diretora Elettra Fiumi revira o acervo fotográfico e material do pai falecido, Fabrizio Fiumi, um arquiteto conceituado, que contém a história completa de um importante coletivo que radicalizou o mundo da arquitetura a partir dos anos 60, o Gruppo 9999. Ela tenta então organizar o acervo material do pai enquanto entrevista pessoas que conviveram com ele. Para quem gosta do tema de artes e arquitetura, é um filme caprichado, que não vemos a hora passar. Exibição presencial terminou, mas pode ser assistido online, gratuitamente, na plataforma do Itaú Cultural Play até hoje às 23h59.

sábado, 28 de outubro de 2023

Especial de Cinema



Os bons filmes da 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Parte 3

A 47ª Mostra Intl. de Cinema de SP começou no dia 19/10 e segue até dia 01/11, com sessões presenciais em diversas salas de cinema da capital e também em três plataformas online (com sessões gratuitas), que são o Sesc Digital (https://sesc.digital/home), Itaú Cultural Play (https://assista.itauculturalplay.com.br/Home) e SPCine Play (https://www.spcineplay.com.br), com limite de views. Confira drops com rápidos comentários dos bons filmes desse ano da Mostra, que conferi nos últimos dias.

 

La chimera (Itália/França/Suíça, 2023, de Alice Rohrwacher)

 

Um novo e instigante trabalho da cineasta italiana já indicada ao Oscar Alice Rohrwacher – de ‘As maravilhas’ e ‘Feliz como Lázaro’. Seus filmes, autorais, são alegóricos e repleto de imagens mágicas. Aqui, um rapaz de origem italiana (Josh O’Connor, de ‘The crown’) retorna de trem ao vilarejo onde cresceu para ver a família. Lá se junta a um grupo de delinquentes que furtam tumbas antigas para vender artefatos de forma ilegal. E paralelamente a isso, ele cria fortes vínculos com uma jovem carismática (papel da brasileira Carol Duarte, de ‘A vida invisível’). Tem participação especial de Isabella Rossellini. Um filme de arte diferente para conferir na Mostra. Indicado à Palma de Ouro em Cannes. Exibição presencial ainda nos dias 28, 29 e 31/10 e 01/11.

 

 

Quem fizer ganha (Reino Unido/EUA, 2023, de Taika Waititi)

 

O cineasta neozelandês Taika Waititi retorna à origem de seu cinema autoral, de seus filmes independentes, depois de fazer dois blockbusters do super-herói Thor (‘Ragnarok’ e ‘Amor e trovão’). E realiza uma história real, engraçada, com um bom elenco de apoio, além do bom protagonismo de Michael Fassbender. Ele interpreta o americano Thomas Rongen, um treinador de futebol que vai para Samoa Americana levantar o time, que ficou na lanterna nos últimos campeonatos e nunca marcou um gol em campo. Em 2001 o time perdeu de 31 a 0 da Austrália, nas eliminatórias da Copa do Mundo, ficando a partida marcada como o maior vexame da história do futebol mundial. Quando o treinador chega na ilha da Polinésia, vê uma equipe indisciplinada, sem rigor e com atletas folgados, o que dará um trabalho danado para ele. Um filme gostoso, leve e cheio de vida, que lembra ‘Jamaica abaixo de zero’. Exibido no Festival de Toronto, deve estrear pela Searchlight Pictures no Brasil em 14 de dezembro. Exibição na Mostra ainda no dia 28/10.

 


 Arte da diplomacia (Brasil, 2023, de Zeca Brito)

 

Doc brasileiro de um amigo querido, o gaúcho Zeca Brito, de ‘O guri’, ‘Legalidade’ e ‘Hamlet’ (este, exibido na Mostra do ano passado). Trata de como a cultura brasileira teve papel primordial e exemplar na luta contra o nazifascismo na década de 1940, quando o Brasil participou de um leilão no Reino Unido com centenas de pinturas doadas por 70 artistas modernistas. No longa, o diretor entrevista diplomatas, historiadores da arte, professores e artistas, e resgata em fotos, reportagens e vídeos esse momento crucial tanto para a arte brasileira quanto para a política mundial. Exibição na Mostra ainda nos dias 28 e 31/10. 

 



Uma vida de ouro (Burkina Faso/Benin/França, 2023, de Boubacar Sangare)

 

Um dos grandes documentários exibidos pela Mostra de 2023, acompanha a exaustiva trajetória de um rapaz de 16 anos que trabalha com um grupo de mineradores em Burkina Faso. Ele desce 100 metros debaixo da terra em busca de ouro, sonhando com um futuro mais digno. A câmera invasiva mostra detalhes da busca pelo ouro, do suor que escorre do seu corpo e das expressões de frustrações em um trabalho arriscado, que beira a morte. Passou na seção Fórum do Festival de Berlim. Exibição presencial ainda nos dias 28 e 30/10.

 

 

Em nossos dias (Coreia do Sul, 2023, de Hong Sang-soo)

 

Todo ano a Mostra traz um filme do diretor sul-coreano Hong Sang-soo, adorado pelo público com suas fitas rápidas, simples e que são grandes lições de cinema e de vida. Esse ano, assim como em outras edições, são dois longas-metragens dele na Mostra, o bom ‘Em nossos dias’ e infelizmente um que não deu nada certo, ‘Na água’, em que desfoca atores e paisagens o tempo todo, resultando numa experiência cansativa, mesmo tendo apenas 61 minutos de duração. Mas ‘Em nossos dias’ a sessão compensa. Na história, uma mulher de 40 anos vai morar na casa de uma amiga que cria um gato. Ao mesmo tempo, conhecemos um poeta recluso, que dará uma entrevista sobre sua carreira para dois jovens documentaristas. E assim as histórias surgem, desaparecem e se complementam. Como sempre, Sang-soo, de ‘Certo agora, errado antes’, ‘Na praia sozinha á noite’ e ‘O dia depois’, traz suas técnicas de cinema características – pequenas tramas juntas, câmera estática gravando longos diálogos, atores posicionados de lado, de perfil, em que falam da vida, do cotidiano, da existência, do outro, sempre com humor e sutilezas. São filmes contemplativos, típicos do cinema cult. Exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes. Exibição presencial ainda nos dias 28 e 31/10.

 

 

Afire (Alemanha, 2023, de Christian Petzold)

 

Em seu novo trabalho, o diretor alemão Christian Petzold deixa de lado seus filmes complexos de drama de guerra com ar de ficção científica, e se volta para um drama com humor e romance. É um filme diferente do que estamos acostumados a ver dele – é o diretor de ‘Phoenix’ e ‘Em trânsito’. São alguns dias na vida de um jovem escritor (o austríaco Thomas Schubert, num bom desempenho) que vai com um amigo para uma casa de férias no mar Báltico. Lá tentará terminar seu novo livro, enquanto aguarda a chegada do editor. Ele conhecerá uma mulher hospedada no quarto ao lado que mudará sua vida. Os dias são quentes, ele está preocupado com o livro, até que um incêndio de grandes proporções atinge florestas de região, deixando-os isolados e sem comunicação. É um estudo de personagem, com boa fotografia e muito sentimento autoral na história. No elenco temos a atriz alemã Paula Beer, que já trabalhou com Petzold em ‘Undine’. Venceu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim. Exibição presencial ainda nos dias 28/10 e 01/11.

  


Samuel e a luz (Brasil/França, 2023, de Vinicius Girnys)

 

Doc brasileiro interessante e bem editado, sobre um garoto chamado Samuel, que mora num vilarejo de pescadores em Paraty/RJ. Seus dias são marcados pela tranquilidade, num local idílico e estacionado no tempo. Até que se depara com uma nova realidade, a chegada da energia elétrica e das tecnologias. Foram seis anos gravando o crescimento de Samuel em meio a essas transformações, em que se discute o choque da modernização pelo ponto de vista de um menino. Coprodução Brasil/França, exibido no Festival Visions du Réel. Exibição presencial ainda no dia 01/11.

 


 No Adamant (França/Japão, 2023, de Nicolas Philibert)

 

O ganhador do Urso de Ouro em Berlim foi um dos filmes mais aplaudidos pelo público na Mostra. É um documentário – um dos poucos a ganhar o prêmio principal em Berlim – sobre uma embarcação que serve de centro psiquiátrico no cais do Rio Sena, em Paris. Nesse projeto do governo da França, que existe desde 2010, uma equipe de cuidadores, enfermeiros e médicos atuam para restabelecer o ânimo e a dignidade dos pacientes que chegam diariamente, com um trabalho humanizado. A proposta é inserir os doentes em trabalhos manuais, de pintura e de gastronomia, por exemplo – lá, os pacientes pintam, expõe suas obras ao público que os visita, fazem tortas e café e os vendem. Bonito, delicado e de temática urgente, vem num momento certo, em meio a revolução psiquiátrica que a medicina cruza, que é a humanização no atendimento aos doentes mentais. Exibição ainda no dia 31/10.

 


 Ervas secas (Turquia/França/Alemanha, 2023, de Nuri Bilge Ceylan)

 

Outro cineasta muito aguardado na Mostra Intl. de Cinema de SP, o turco Nuri Bilge Ceylan, ganhador da Palma de Ouro por ‘Sono de inverno’ em 2014. Cinco anos atrás, o filme anterior dele foi exibido na Mostra, ‘A árvore dos frutos selvagens’. Esse ano, é a vez de ‘Ervas secas’, um pequeno grande épico de 197 minutos, sobre um professor de artes que é enviado a uma vila remota na Anatólia no inverno rigoroso. O local está tomado pela neve, e os moradores vivem trancados em suas casas para fugir do frio. Os alunos gostam do professor, pela gentileza como os trata, até que duas estudantes o acusam de contato íntimo com elas, o que o faz entrar num turbilhão de dilemas e insegurança naquele vilarejo. Enquanto lida com as acusações infundadas, fica próximo de uma professora ferida num atentado a bomba. Quem conhece o cinema contemplativo e dialogado de Ceylan, com sua estonteante fotografia em ambientes internos, irá gostar. Venceu o prêmio de atriz em Cannes, a turca Merve Dizdar – que na premiação fez um discurso contundente em defesa às mulheres turcas, dando um recado claro ao governo extremista de Erdogan. Distribuído no Brasil pela Imovision, deve estrear no próximo mês nos cinemas. Exibição na Mostra ainda nos dias 29/10 e 01/11.

 


 Uma revolução em quadros (EUA, 2023, de Till Schauder e Sara Nodjoumi)

 

Exibido no Festival de Tribeca, esse excelente doc norte-americano produzido pela HBO deverá ser finalista do Oscar de 2024. Resgata a trajetória do pintor iraniano Nicky Nodjoumi que enfrentou a Revolução Iraniana por meio de suas pinturas expressionistas e surrealistas, que traziam para a mesa de discussão assuntos como a repressão à mulher, a relação do país com os EUA, a postura autoritária e inconforme de aiatolá Khomeini e a mobilização inconsequente das massas pelo governo. E o ponto de partida do filme é o desaparecimento de diversos quadros do artista do Museu do Irã quando a revolução estourou em 1979. Nodjoumi teve se exilar nos EUA e até hoje não viu mais aquelas pinturas, consideradas subversivas. Emocionante, com um bonito desfecho, fala do poder transformador da arte e de como ela pode revolucionar o pensamento crítico. Quem dirige é também a filha de Nicky, Sara Nodjoumi, que faz as entrevistas e vasculha o acervo do pai. Exibição presencial ainda nos dias 28 e 30/10 e 01/11.

 

 

Vale do exílio (Líbano/Canadá, 2023, de Anna Fahr)

 

Para fugir da guerra da Síria, duas irmãs se refugiam em um assentamento no Vale do Beka, no Líbano. Uma delas está grávida e procura o marido. A outra, sai em busca do irmão pequeno, desaparecido. Exiladas, encontram apoio num grupo de mulheres que estão nas mesmas condições, a de sobreviver. Exibido em festivais como Varsóvia e Vancouver, é mais uma pequena joia do cinema cult que a Mostra traz para os cinéfilos. Gostei muito e recomendo esse filme digno e humano, sobre mulheres determinadas que lutam pela sobrevivência diante de uma guerra interminável e massacrante. Exibição presencial ainda nos dias 29 e 31/10 e disponível na plataforma de streaming do Sesc Digital (gratuito, com limite de 2000 visualizações).



quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Especial de Cinema


Os bons filmes da 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Parte 2

A 47ª Mostra Intl. de Cinema de SP começou no dia 19/10 e segue até dia 01/11, com sessões presenciais em diversas salas de cinema da capital e também em três plataformas online (com sessões gratuitas), que são o Sesc Digital (https://sesc.digital/home), Itaú Cultural Play (https://assista.itauculturalplay.com.br/Home) e SPCine Play (https://www.spcineplay.com.br), com limite de views. Confira drops com rápidos comentários dos bons filmes desse ano da Mostra, que conferi nos últimos dias. 

 

Névoa prateada (Holanda e Reino Unido, 2023, de Sacha Polak)

 

Coprodução Holanda e Reino Unido, esse contundente e dramático filme independente conta a história de uma jovem enfermeira que busca se vingar dos culpados pelo acidente que deixou seu corpo com graves queimaduras. Enquanto revê o passado, apaixona-se por uma paciente do hospital onde trabalha, e juntas fogem para uma cidadezinha do litoral. A ótima atriz Vicky Knight, que de verdade teve 40% do corpo queimado por causa de um incidente, ganhou o prêmio de júri no Teddy, em Berlim, e lá o filme concorreu ao Panorama. A diretora iniciante Sacha Polak conduz o elenco de maneira formidável e dá uma aula na condução da história e na fotografia. Exibição presencial ainda nos dias 26 e 30/10.

 


 

Sonhando e morrendo (Singapura/Indonésia, 2022, de Nelson Yeo)

 

Nesse curtinho filme de Singapura, três velhos amigos, hoje de meia-idade, reencontram-se depois de muitos anos. Discutem o passado e expõe sentimentos profundamente guardados. Simples nos diálogos e nas técnicas de filmagem, é um drama com humor leve e momentos mágicos, como a conversa com o peixe, que trata de amizade e reencontros da vida. Há apenas três pessoas em cena – dois atores e uma atriz, todos bem dirigidos. Exibido no Festival de Locarno. Exibição presencial ainda nos dias 26 e 28/10.

 

 

The Royal hotel (Austrália/Reino Unido, 2023, de Kitty Green)

 

Julia Garner, da série Ozark, é o grande chamariz desse filme independente vendido como drama de suspense, que tem um bom desenrolar e momentos tensos. Ela é uma jovem mochileira que vai com uma amiga para a Austrália. Quando o dinheiro acaba, vão trabalhar temporariamente num pub sem muitos atrativos, frequentado por homens misóginos e beberrões em busca de farra e briga. Quem toma conta do local é o personagem interpretado por Hugo Weaving. Até que as duas passam a ser ameaçadas e sofrem abusos psicológicos. Misturando drama, humor sarcástico com muitas tiradas e suspense com direito a cenas de violência, é um dos destaques da Mostra de 2023. Exibido nos festivais de Londres e Toronto. Exibição presencial ainda no dia 27/10.

 


 

Atrás das montanhas (Tunísia/Bélgica/França/Itália/Arábia Saudita/Catar, 2023, de Mohamed Ben Attia)

 

Vários filmes do diretor tunisiano Mohamed Ben Attia já passaram em edições da Mostra, como ‘A amante’ (2016) e ‘Meu querido filho’ (2018), e na programação de 2023 trouxeram um de seus melhores filmes, ‘Atrás das montanhas’, que passou na seção Horizons do Festival de Veneza. O ator Majd Mastoura, que costuma trabalhar com Attia, interpreta um ex-presidiário que sequestra o filho e o leva para as montanhas. O objetivo é mostrar para o menino que ele sabe voar. Há algo mágico no cinema de Attia, e mais uma vez, e com mais emoção e ternura, ele constrói suas histórias inspiradoras. Assim como em ‘Meu querido filho’, o foco é na relação de pai e filho. Exibição presencial ainda nos dias 27 e 31/10 e 01/11.

 

 

O castelo (Argentina/França, 2023, de Martín Benchimol)

 

Gostei demais do filme, um genuíno docudrama argentino rodado nos pampas, todo dentro de um pequeno castelo. Lá vive uma mulher e sua filha. A mulher era governanta do local, e depois da morte do patrão, herdou o castelo e as terras no entorno. E o filme acompanha o dia a dia dessas duas mulheres, e de como se constrói a relação entre elas. As personagens são cativantes, mesmo com seus gênios fortes. Passou na seção Panorama do Festival de Berlim e ganhou prêmio especial no Festival de San Sebastian. Exibição presencial ainda nos dias 27, 29 e 31/10.

 


Ousamos sonhar (Reino Unido, 2023, de Waad al-Kateab)

 

Documentário emocionante da diretora e produtora síria Waad al-Kateab, indicada ao Oscar pelo belíssimo doc ‘For Sama’ (2020). Ela resgata a história de atletas refugiados do Irã, da Síria, do Sudão do Sul e de Camarões, e mostra as dificuldades deles e delas para seguir no esporte, um mundo competitivo e de chances limitadas. Há entrevistas brilhantes, bonitas histórias pessoais dos atletas e cenas de preparação deles para as Olimpíadas de Tóquio, em 2021, quando o filme começou a ser gravado. Exibido no Festival de Tribeca, pode ser assistido gratuitamente na plataforma Sesc Digital. Terá mais uma sessão presencial na Mostra, no dia 26/10.



terça-feira, 24 de outubro de 2023

Especial de cinema


Os bons filmes da 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

A 47ª Mostra Intl. de Cinema de SP começou no dia 19/10 e segue até dia 01/11, com sessões presenciais em diversas salas de cinema da capital e também em três plataformas online (com sessões gratuitas), que são o Sesc Digital (https://sesc.digital/home), Itaú Cultural Play (https://assista.itauculturalplay.com.br/Home) e SPCine Play (https://www.spcineplay.com.br), com limite de views. Confira drops com rápidos comentários dos bons filmes desse ano da Mostra que conferi nos últimos dias.

Robot Dreams
(Espanha/França, 2023, de Pablo Berger)

Exibido em Cannes e ganhador de prêmio especial no festival de Annecy, a graciosa animação para jovens e adultos vem de uma adaptação para as telas da popular graphic novel de Sara Varon. Um cão que mora sozinho num apartamento na Nova York dos anos 80 adquire um robô para acabar com sua solidão. Entre aventuras e desventuras, os dois se tornarão grandes amigos, até que um fatídico dia na praia poderá colocar um fim na relação dos dois. Sem diálogos, com muitos momentos cômicos e referências ao mundo do cinema, é do diretor de ‘Branca de neve’. Deve estrear em breve no Brasil, com distribuição da Imovision. Exibição presencial ainda nos dias 25, 28 e 29/10.



Bom dia à linguagem (Irã/Reino Unido, 2022, de Mania Akbari)

Filme-testamento do diretor e roteirista francês Paul Vecchiali, falecido em janeiro aos 92 anos. Nesse trabalho independente e teatral, ele também atua. São dois personagens em cena apenas. Vecchiali é um idoso doente que recebe a visita inesperada do filho que não vê há algum tempo. Durante um dia inteiro, irão recordar de momentos familiares, bem como sobre a situação crítica que os afastou. Com poucos cenários – todos dentro e fora de uma casa e seus jardins, o filme é um longo diálogo de pai e filho separados pelo tempo, que tentam pela última vez se reconectar. A câmera fica estacionada o tempo todo frente aos atores, em planos bem enquadrados. Pascal Cervo atua corretamente no papel do filho, e ajudou Vecchiali no roteiro. Passou no Festival de Locarno. Exibição presencial ainda nos dias 25, 27 e 30/10.

Como você se atreve a desejar algo tão terrível (Irã/Reino Unido, 2022, de Mania Akbari)

A cineasta iraniana Mania Akbari realizou um filme experimental crítico, que se utiliza da metalinguagem cinematográfica para fazer uma investigação antropológica e um estudo sobre a mulher no Irã. Ela reuniu trechos de filmes em PB e coloridos feitos em seu país até a Revolução Iraniana, no final dos anos 70, com foco na mulher reprimida e sexualizada na tela. Com isso em mãos, reflete como os cineastas homens reproduziram essas imagens por décadas a fio. É uma sucessão de sequências desses filmes com breves narrações da própria diretora. Gostei muito e recomendo. Exibição presencial ainda no dia 27/10.

Pedágio (Brasil, 2023, de Carolina Markowicz)

Um dos melhores filmes da Mostra desse ano, com Maeve Jinkings num papel soberbo, além da ótima e premiada interpretação do jovem ator Kadu Alvarenga. Maeve interpreta uma mãe divorciada que trabalha como cobradora num posto de pedágio. Ela tem um filho gay que gosta de cantar e dançar e fazer vídeos para a internet. Ela tem dificuldade em aceitar o filho homossexual e, orientada por uma colega de trabalho, tenta levá-lo a um centro de cura gay mantido por um pastor português. Fotografia esplêndida com cores vibrantes, direção caprichada de Carolina Markowicz, que havia trabalhado com Maeve em ‘Carvão’, e um roteiro duro e sério colocam o longa na lista dos melhores filmes brasileiros do ano. Exibido nos festivais de Toronto e San Sebastian. Houve duas exibições na Mostra, nos dias 20 e 24/10. Estreia em breve nos cinemas pela Paris Filmes.



Cine Lançamento


A baleia


Charlie (Brendan Fraser), um professor de redação obeso, recluso após uma tragédia pessoal, tenta se reconectar com a filha adolescente e distante, Ellie (Sadie Sink), que o maltrata pelos seus erros do passado.

Aclamado nos festivais por onde passou, “A baleia” é um contundente drama pessoal do diretor Darren Aronofsky, que não costuma fazer filmes fáceis de serem digeridos. Dele vimos os controversos e complexos “Pi” (1998), “Réquiem para um sonho” (2000), “Cisne negro” (2010) e “Mãe!” (2017), e “A baleia” (2022) entra sem sombra de dúvida nesse rol de obras impactantes do diretor que também é roteirista e produtor de seus trabalhos. Aronofsky resgatou o ex-astro de Hollywood Brendan Fraser, que nos anos 90 fez fitas simpáticas de comédia e depois caiu nas drogas, e extraiu dele uma performance humana, íntima e delicada, de um professor de redação gay, recluso pela obesidade mórbida e que hoje mora numa casinha simples dando aulas online sempre com a câmera desligada (por causa de seu peso). No passado, uma tragédia o impediu de se socializar, afastou-se da família e tem apenas uma amiga que frequenta sua casa, a enfermeira que o auxilia nos afazeres domésticos e verifica sua pressão arterial constantemente, Liz (um soberbo trabalho da tailandesa Hong Chau). Um dia sua filha adolescente, que é rebelde e agressiva, Ellie (trabalho também forte de Sadie Sink) chega para passar uns dias com ele, o que será uma verdadeira tempestade de emoções. Ela não o aceita pelo que fez anos atrás, e esse reencontro será a última tentativa de redenção do professor, pois sua saúde está debilitada.
Com uma trama cheia de revelações, em que tudo ocorre em três ou quatro ambientes da mesma casa (dois quartos, cozinha, sala e varanda), o filme se constrói e reconstrói a cada momento. Tudo é muito pontuado, com detalhes nos diálogos, no drama sólido que nos faz ficar com um nó na garganta, na dúbia referência à baleia (ao mesmo tempo é a baleia Moby Dick, de uma redação que o professor guarda consigo, e também uma forma pejorativa a ele, pelo seu porte) e no trabalho extraordinário de Fraser (que mal o reconhecemos, pois está sob uma maquiagem desgastante, com enchimentos de borracha, que o fez parecer um homem de mais de 250 quilos) e dos coadjuvantes, com destaque para Chau, Sink e uma rápida e eloquente participação de Samantha Morton, como a ex-mulher do professor. A câmera intimista do diretor capta olhares únicos dos atores, em especial de Fraser, quando nos momentos mais dramáticos e altos da história (um trabalho de maestria de Aronofsky).




Baseado na peça de Samuel D. Hunter, o filme ganhou prêmios importantes: o Oscar de melhor ator para Fraser e melhor maquiagem, quatro troféus especiais no Festival de Veneza, sem contar as inúmeras indicações de Fraser, ao Globo de Ouro, Bafta etc. Prepare-se para o final simbólico (como costumam ser os desfechos das obras do diretor), que arrancam suspiros e lágrimas.
Foi um dos meus filmes preferidos de 2022, que passou nos cinemas brasileiros esse ano e saiu recentemente em DVD e Bluray pela Obras-primas do Cinema (ambos com mais de 1h de extras no disco), em parceria com a California Filmes e a A24 Filmes. Disponível para aluguel em plataformas de streaming, como Youtube Filmes, Apple TV, GooglePlay Filmes e Amazon Prime Video.

A baleia (The whale). EUA, 2022, 117 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Darren Aronofsky. Distribuição: Obras-primas do Cinema e California Filmes

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Nota do Blogueiro


Inscrições para a Mostra da Boca Miúda seguem até dia 21


Estão abertas até 21 de outubro as inscrições para a 2ª edição da Mostra da Boca Miúda, evento não-competitivo voltado a curtas-metragens produzidos no interior e no litoral do estado de São Paulo. A Mostra ocorrerá em São José do Rio Preto, no dia 8 de dezembro de 2023, e será gratuita ao público. Ela será realizada a céu aberto, no canteiro central da pista de caminhada da avenida José Munia, numa área conhecida como “P3”, no Jardim Vivendas.
A Mostra nasceu de um projeto viabilizado pela Lei Nelson Seixas, da Prefeitura de São José do Rio Preto, por meio da Secretaria Municipal de Cultura. Serão selecionados filmes de 3 a 15 minutos de duração, de todos os gêneros (exceto obras publicitárias) e produzidas a partir de 2020. As inscrições são gratuitas, por meio de um formulário online disponível a partir da data de abertura no perfil @mostradabocamiuda no Instagram. No perfil, também será possível acessar o regulamento contendo as condições de participação, autorizações, critérios de seleção, responsabilidades e disposições gerais. Os responsáveis pelos trabalhos serão comunicados sobre o resultado da seleção no e-mail fornecido no ato da inscrição.
Com sua primeira edição realizada em 2022, em São José do Rio Preto, a Mostra da Boca Miúda surgiu da união de 11 pessoas pertencentes a cinco coletivos artísticos da cidade, entre artistas, não-artistas e amantes da sétima arte: Bruna Giorjiani, Daniela Honório, Diógenes Sgarbi, Elissa Pomponio, Jef Telles, Jorge Etecheber, Lucas Pelegrino, Marcus De Marchi, Mona Luizon, Rodolfo Kfouri e Vinicius Dall’ Acqua - abaixo, fotos da primeira edição do evento.
Link para inscrições em https://bit.ly/InscricaoMostradaBocaMiuda
Mais informações: Instagram @mostradabocamiuda e email mostradabocamiuda@gmail.com





Especial de Cinema


Os melhores filmes do Festival do Rio 2023

Em sua 25ª edição, o Festival do Rio, um dos eventos de cinema mais importantes do Brasil, levou ao público 40 estreias mundiais, dentro de uma programação com 53 longas e 38 curtas-metragens, muitos deles premiados em festivais como Berlim, Cannes, Jerusalem, San Sebastian, Sydney e Veneza.
Em formato presencial, o Festival do Rio nasceu em 1999 após a junção da Mostra Banco Nacional e do Rio Cine Festival, eventos que integravam o calendário cultural da cidade do Rio desde a década de 1980. O Festival do Rio (Rio de Janeiro Int'l Film Festival) tornou-se uma vitrine para se conhecer a cinematografia de diversos países.
Mais uma vez estive no Festival e lá pude conferir filmes imperdíveis, que recomendo agora nesses drops. Parte deles está na repescagem que se encerra hoje, e outros devem estrear no Brasil até dezembro. Confiram abaixo.

 




Dogman

 

Retorno triunfal de Luc Besson, depois de dois sucessivos fracassos, ‘Valerian e a cidade dos mil planetas’ (2017) e ‘Anna – O perigo tem nome’ (2019).  O ator Caleb Landry Jones, de ‘Três anúncios para um crime’ (2017), brilha num papel duro e difícil, de um jovem impossibilitado de andar após ser ferido na coluna por uma bala, e hoje trabalha como drag queen em uma boate interpretando músicas de Edith Piaf. Torturado pelo pai e pelo irmão mais velho quando criança, ficou aprisionado em um canil, sendo criado por cães, e deles hoje subtrai afeto. Até que é perseguido por um grupo de criminosos por causa de uma dívida passada. Com cores exuberantes, um roteiro amarrado com tempo atual e flashbacks, e muitas cenas fortes de violência e tiroteios, é um filmão de ação e suspense com drama. Concorreu ao Leão de Ouro e ao Queer Lion e ganhou em Veneza um prêmio especial. Sem previsão de estreia nos cinemas brasileiros ou em plataformas de streaming – na França estreou em 27 de setembro.

 

 

Priscilla

 

Retrato biográfico de Priscilla Presley, a esposa de Elvis, pela ótica delicada e afetiva de Sofia Coppola. Mais contida que de costume, a diretora volta-se para o cinema autoral, mas com ares comerciais – até porque contar parte da vida de Elvis chama público imediatamente. Cailee Spaeny, de ‘Suprema’ (2018), é um êxtase na tela, muito bem fotografada, e pelo papel central ganhou o prêmio de atriz no Festival de Veneza – e deverá receber indicação ao Oscar em 2024. De uma menina simples e tímida criada pela mãe e pelo padrasto entre Maine e Connecticut, conheceu por acaso numa festa o rei do rock, e com ele conviveu por oito anos – do casal nasceu a filha Lisa Marie. Há um jogo de cores com paletas diferenciadas que mudam a cada momento de vida da personagem, o que é um trabalho excepcional – no começo tudo é muito pastel, e quando Priscilla vai morar com Elvis, as cores ficam vivas, e Cailee se transforma com novas feições, cabelo e comportamento. Um talento de atriz em um filme charmosinho. Estreia nos cinemas brasileiros em 26 de dezembro.

 

 

Não abra!

 

O terror indiano anda em alta, dê só uma espiada na Netflix que irá comprovar. E esse aqui é um exemplar criativo, instigante e que dá medo. Produzido por indianos e com elenco ou indiano ou com descendentes de, como a protagonista, Megan Suri, da série ‘Atypical’. Ela é uma estudante que, num incidente, quebra um recipiente de vidro que sua estranha amiga carrega na escola. Dentro dele, segundo a garota, era aprisionado um demônio ancestral. A entidade começa então a perseguir as duas, deixando um rastro de mortes monstruosas. Se gosta do gênero, com certeza irá curtir. O clima é de angústia constante, e o final é bem bizarro. Estreia nos cinemas brasileiros em 03 de novembro.

 



 

Chegadas e partidas

 

Adorei esse road movie belga falado em francês e holandês, uma comédia dramática terna e bem construída. Joguei-me nessa história de amizade inusitada entre um refugiado em busca de um novo lar e uma caminhoneira lésbica. Dentro de um caminhão de carga cruzando a Espanha, os dois se tornam amigos, mesmo com crispações, e dividem alegrias e tristezas na cabine do veículo. Entre os subtemas que surgem estão crise familiar, adoção de criança por mães lésbicas e preconceito de raça e de gênero. Os atores principais estão fora de série – a belga Ruth Beeckmans, de ‘Trio’ (2019), e o guineense Welket Bungué, de Berlin Alexanderplatz (2020). Exibido no Festival de Toronto. Sem previsão de estreia nos cinemas brasileiros ou em plataformas de streaming – na Bélgica e na Holanda estreou em 1º de março desse ano.

 

A suprema

 

Exibida no Festival de Toronto, essa foi uma das grandes surpresas no Festival do Rio, uma fita independente colombiana simples e cheia de graça. Em um vilarejo remoto chamado ‘La Suprema’, que não tem energia elétrica, uma garota sonha em ser lutadora de boxe. Enquanto isso, a comunidade aguarda ansiosamente a última partida no ringue de um boxeador querido, ídolo da Colômbia e tio daquela menina que quer lutar. Os moradores articulam uma forma de puxar energia elétrica para a vila e adquirir uma TV para acompanhar a luta que será transmitida ao vivo. É de um roteiro delicioso, que nos prende e acaba sendo um sopro de vida. Sem previsão de estreia nos cinemas brasileiros ou em plataformas de streaming.

 

 

How to have sex

 

Coprodução Reino Unido/Grécia, esse é outro bom exemplar de filme independente que a gente só assiste em festival – deve estrear na Mubi nos próximos meses, já que ela é uma das distribuidoras em alguns países. Nessa história com muita empolgação e agito, que se transforma em dor de cabeça, três amigas britânicas viajam a uma ilha grega para curtir vários dias de balada. Bebem, dançam, caem na farra e procuram transas. No quarto ao lado, conhecem dois garotos com ideias parecidas e com eles partem para o agito das boates. Primeiro longa da inglesa Molly Manning Walker, que é diretora de fotografia, e conduz as atrizes para dentro de um furacão de emoções. Destaque para a protagonista, num trabalho louvável, Mia McKenna-Brucem, da série ‘The witcher’. Venceu o prêmio ‘Um certo olhar’ no Festival de Cannes e lá foi indicado ao Queer Palm e ao Golden Camera, duas premiações concorridas do festival. Previsão de estreia no Brasil em 15 de novembro.

 

 

Conto de fadas

 

Um de meus diretores russos preferidos, Aleksandr Sokurov, de ‘Arca russa’ e ‘Taurus’, faz aqui um filme experimental complexo, que revê os desdobramentos da História contemporânea a partir da Segunda Guerra. Utilizando deepfake e inteligência artificial – nos letreiros iniciais do filme ele sacaneia o público com isso – ele coloca no purgatório Churchill, Stalin, Hitler e Mussolini, dialogando sobre assuntos como guerra, religião e vida, enquanto Jesus Cristo tenta se levantar, doente e cansado. Polemiza figuras históricas, cria um visual em preto-e-branco de puro delírio, e faz um dos filmes mais estranhos e diferentes do cinema atual. Exibido no Festival de Locarno, tem a distribuição no Brasil pela Imovision, o que significa que em breve deverá estrear nos cinemas. Não perca.

 

 

Pobres criaturas

 

Saí de uma sessão lotada onde ouvíamos risos e aplausos incessantes durante algumas cenas. Todos os olhares estavam atentos a cada minuto para a tela. Tínhamos de estar vidrados, pois Yorgos Lanthimos exige atenção e preparo psicológico. De origem grega, Lanthimos fez os estranhíssimos ‘Dente canino’ e ‘O lagosta’, e depois o sórdido ‘O sacrifício do cervo sagrado’ e há poucos anos, uma história real com truques visuais belíssimos, ‘A favorita’. Agora, com ‘Pobres criaturas’, realizou nova façanha, voltando-se ao surrealismo, aproveitando ideias de Frankenstein, sem pudor em usar cenas de sexo e diálogos sujos. Talvez seu filme mais incômodo e visceral, com um elenco que brilha em cada aparição – Emma Stone, Mark Ruffalo e Willem Dafoe, que deverão pintar na lista do Oscar como indicados em categorias como atriz e atores coadjuvantes. Um filme de comédia, drama e ficção científica, difícil de comentar, pois podemos incorrer num erro brutal, o spoiler. Em síntese, na trama temos uma jovem aparentemente portadora de uma deficiência intelectual, que se atrapalha e diz coisas indesejáveis (Emma Stone, que se transforma ao longo do filme). O pai, um médico e cientista desfigurado (Willem Dafoe), cuida dela num casarão. Ela é induzida pelo pai a se casar com um rapaz que a ajuda nos afazeres diários, até que conhece um galanteador rico (Ruffalo, que tira boas risadas do público) e foge com ele. Nessa jornada de transformação, um rito complexo e excêntrico de passagem, ela vai desfrutar maravilhas e dores do mundo. Prepare-se para ver cenas chocantes, que só o diretor ousaria fazer. As técnicas de cinema dele retornam com mais profusão – lente grande ocular, a olho de peixe; cores irreais, cenários oníricos etc. Venceu o Leão de Ouro em Veneza e com certeza será finalista no Oscar de 2024, em categorias como roteiro – escrito pelo seu parceiro de trabalho, Tony McNamara, adaptado do romance de Alasdair Gray, além de direção, direção de arte, figurino e até melhor filme. Estreia no Brasil em 1º de fevereiro de 2024. Marque na agenda para não perder esse filme de vista!

 

 

All of us strangers

 

No final da sessão que conferi no Rio, parte da plateia foi às lágrimas. Escutei muito ‘sniff sniff’ no desfecho desse belo drama com tom de fantasia. Assim como ‘Pobres criaturas’, é difícil falar dele sem cometer spoilers, por isso tenho de me conter. O que eu posso falar é que é um drama sensível, que parece se passar num futuro em que só existe um personagem (o incrível Andrew Scott, que deverá ser indicado ao Oscar), morador de um condomínio. Ele vive lá sozinho, sem vizinhos, e todo dia observa pela janela um rapaz nos jardins do prédio (outro bom personagem, o de Paul Mescal). Até que um dia esse estranho vai até sua porta e faz uma proposta. Enquanto ele reflete sobre ela, faz uma visita passageira aos pais (Jamie Bell é o pai, e Claire Foy, a mãe, num momento marcante da carreira, provável indicada ao Oscar em 2024). E aos poucos as histórias dele, do rapaz desconhecido e dos pais vem à tona, num mistério que só se revela nos minutos finais. Prepare-se para chorar nesse filme doloroso, bem conduzido pelo elenco e com uma direção sempre coerente de Andrew Haigh, de ‘45 anos’ e ‘A rota selvagem’ – o roteiro é dele, baseado no livro ‘Strangers, escrito pelo japonês Taichi Yamada no fim dos anos 80. Passou em festivais como Atenas, Telluride, BFI e Nova York, tem data de estreia marcada para 22 de dezembro nos EUA e no Brasil apenas em 2024 (está com o título provisório de ‘Todos nós desconhecidos’). Distribuição da Searchlight Pictures, que pertence à 20th Century Studios.