49ª Mostra Internacional de Cinema de SP –
Melhores filmes: Parte 7
A 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo terminou
ontem, dia 30/10, mas a repescagem continua em três cinemas, até dia 05/11. A Mostra
2025 contou com 373 títulos de 80 países em 52 salas de cinema, espaços
culturais e CEUs de São Paulo, além das exibições gratuitas nos streamings do Itáu
Cultural Play, Sesc Digital e SPcine Play. Confira abaixo mais cinco bons títulos da Mostra, conferidos na última semana.
Ainda é noite em Caracas
(Venezuela/México, 2025, de Mariana Rondón e Marité Ugas)
Forte thriller político feito por duas cineastas
latino-americanas que admiro, a peruana Marité Ugas e a venezuelana Mariana
Rondón. Um dos destaques da Mostra desse ano, mas pouco repercutido – espero
que logo saia nos cinemas para o público conhecer. Nas ruas de Caracas, cruzando
por carros incendiados e policiais atirando gás lacrimogêneo, Adelaida Falcón (Natalia
Reyes), uma mulher de 38 anos que enfrenta o luto pela morte da mãe, corre para
o prédio onde reside. Sem comunicação, ela vê o caos reinar, com repressão
violenta a manifestantes que saíam contra o governo – o filme não menciona
data, tampouco não há citações ao atual governo da Venezuela, mas obviamente é
uma crítica a Maduro e seu exército de milicianos. Adelaida fica estarrecida ao
saber que seu apartamento foi tomado por um grupo de mulheres pró-regime. Refugia-se
então no apartamento de uma vizinha, que está morta na sala. Conhece e se
aproxima de um rapaz envolvido na guerrilha das ruas, e juntos tentam escapar
do país em chamas, sob identidade falsa. Aparentemente é um futuro próximo, uma
fita eletrizante sobre perseguição e paranoia no contexto da ditadura, que
pinta uma Venezuela cruel, essa mesma que hoje está sob desmandos do ditador Nicolás
Maduro e da Milícia Bolivariana. Exibido no Festival de Veneza, é um filme
sombrio, protagonizado pela boa atriz colombiana que vem fazendo carreira nos
EUA, Natalia Reyes. Inspirado no livro de Karina Sainz Borgo, com roteiro e
direção da dupla de cineastas que fizeram ‘Pelo malo’ (2013) e ‘Zafari’ (2024).
No other choice
(Coreia do Sul, 2025, de Park Chan-wook)
Visionário, com seu típico humor macabro e recorrendo ao
clima de paranoia como fez em ‘Old boy’, o multipremiado cineasta sul-coreano Park
Chan-wook entrega aqui sua versão do livro ‘The ax’, de Donald E. Westlake, que
já havia inspirado a ótima comédia de suspense ‘O corte’ (2005), de
Costa-Gavras. Park transporta a história de ambição e disputa a todo custo para
seu país natal, no tempo atual. Os 25 anos de experiência como executivo no
ramo de fabricação de papel não seguraram no emprego Man-soo (Lee Byung-hun);
ele acaba de ser demitido da empresa com uma leva de outros funcionários. Seu
mundo desaba, já que leva uma boa vida, numa casa luxuosa com seus dois filhos
e a esposa dedicada. Com o passar das semanas, a crise financeira vem, mas ele
não pretende vender a casa nem cortar gastos. Até que resolve jogar todas as
fichas numa vaga em outra empresa do ramo papeleiro, mesmo que tenha de
eliminar a concorrência (no sentido literal mesmo). Comédia perturbadora, violência
e sangue, suspense e sequências absurdas tomam conta do novo trabalho de Park,
que deve ser finalista ao Oscar de filme estrangeiro no próximo ano. É crítico
e divertido, um longa inteligente, para se prestar atenção nos detalhes e nos
diálogos, pois é um vai-e-vem de personagens e subtramas. O ator Lee Byung-hun segura
o filme, e é um primor o domínio do diretor, considerado um dos nomes mais
importantes do cinema contemporâneo, que revolucionou o cinema de ação
contemporâneo com ‘Old boy’ e tantas obras notórias que são uma pancada. Exibido
no Festival de Veneza e no Festival de Toronto, onde recebeu o prêmio do
público de melhor filme internacional. Estreia em breve nos cinemas, com
distribuição da Mubi.
Amelia Toledo – Lembrar de não esquecer
(Brasil, 2025, de Hélio Goldsztejn)
Documentário brasileiro dos melhores lançados na Mostra
de 2025, que joga luzes sobre a carreira da artista plástica e escultora Amelia
Toledo (1926-2017). Uma artista inquieta, que esteve à frente de seu tempo com
seu ousado trabalho, considerado por alguns controverso, em que reunia
elementos da land art e do ready made com ecologia e sustentabilidade, recorrendo
a linguagens e estilos variados, como instalações, intervenções, arte
interativa e arquitetura moderna. Amélia inovou o ‘fazer artístico’ com
materiais como pedras, metal e conchas; foi professora no Mackenzie, na FAAP e
na UnB, formando um grupo de alunos pensadores em torno da nova arte que se
ergueria no Brasil a partir dos anos 60. O doc reúne entrevistas antigas e
recentes dela para emissoras de TV, de depoimentos dos filhos, dentre eles o
pintor Moacyr Toledo, e de amigos artistas. É um compilado de histórias
fabulosas em que conhecemos a fundo a alma dessa mulher sonhadora e autêntica,
que transformou sua casa em ponto de encontro de intelectuais e bateu de frente,
como muitos de sua geração, com a Ditadura Militar. Deve ser lançado em breve nos
cinemas.
Springsteen – Salve-me do desconhecido
(EUA, 2025, de Scott Cooper)
Com lançamento antecipado na Mostra, o filme, que estreou
ontem nos cinemas, é uma biografia intimista do cantor e compositor Bruce
Springsteen, em que se apresenta um recorte bem específico: a mudança de estilo
musical que teve entre 1981 e 1982, quando abandonou os hits dançantes de rock
para a criação de um álbum conceitual que se tornaria um problema para as
gravadoras, ‘Nebraska’, um disco folk. Belamente fotografado, com uma exímia montagem,
o filme não foca o artista no palco e sim ele enfrentando a depressão, que
quase o arruinou, e as crises criativas e pessoais – o relacionamento tumultuado
com o pai alcoólatra e a criação de um disco inteiramente inspirado em
situações que viveu e de influências, como o filme que sempre o perseguiu, ‘Terra
de ninguém’ (1973), de Terrence Malick. O drama é uma viagem astral ao interior
de um Bruce que pouco ouvimos falar, dignamente interpretado pelo premiado ator
da série ‘The Bear’, Jeremy Allen White, que deve concorrer a prêmios
importantes na temporada de 2026 – ele está perfeito, e em algumas cenas assombroso
com o jeito do verdadeiro Bruce – nota 10 para o trabalho de maquiagem e
cabelo. Baseado no livro de Warren Zanes, o filme acompanha a dificuldade de
inserção no mundo fonográfico de um artista brigando por um álbum autoral, em
busca da originalidade, escapando das obviedades e das pressões do mercado. No
elenco, um trabalho magistral de Jeremy Strong, como o empresário Jon Landau, que
bancou a ideia ousada de Bruce, Stephen Graham como o pai beberrão, que batia
nele e na mãe, e Gaby Hoffman, como a mãe de Bruce, num papel pequenino, mas
interessante. Roteiro e direção de Scott Cooper, que segue a pegada do filme de
estreia, que foi um trabalho particular sobre um artista folk retomando a carreira,
que deu o Oscar a Jeff Bridges, ‘Coração louco’ (2009), – depois Cooper
dirigiria filmes de ação com ambientação histórica, como ‘Hostis’ e ‘O pálido
olho azul’. Exibido no BFI London Film Festival. Estreou ontem nos cinemas pela
20th Century.

Pai mãe irmã irmão
(EUA/Itália/França/Irlanda/Alemanha,
2025, de Jim Jarmusch)
Ganhador do Leão de Ouro em Veneza deste ano, marca o
retorno discreto de Jim Jarmusch ao cinema, depois de seis anos sem filmar. Jarmusch,
nos anos 80, era um artista cheio de ousadias estéticas, que fez a cabeça da
cinefilia. A carreira depois ficou marcada por altos e baixos, e agora ele traz
um filme ao mesmo tempo engraçado e trágico, curioso no mínimo. É um painel
sobre três famílias, como um tríptico – o primeiro de um pai solitário que
recebe a rápida e inesperada visita de um casal de filhos, no nordeste
americano; a segunda, uma mãe idosa, que é escritora, que recebe em sua em Dublin
duas filhas para um brunch; e a terceira, sobre um casal de irmãos gêmeos em
Paris vasculhando os pertences dos pais que faleceram num acidente de avião.
São famílias diferentes em lugares distintos, mas com dilemas parecidos
tentando alguma conexão - seja do pai excêntrico e mentiroso, da mãe pomposa e
de olhar observador ou dos irmãos negros no subúrbio. Um desfile de bons atores,
como Adam Driver, Tom Waits, Charlotte Rampling e Cate Blanchett, em historietas
vapt-vupt, de 35 minutos cada uma, que não têm relação entre si, alocadas num roteiro repleto de longos
diálogos e intrigas em volta da mesa e da sala. Humor e drama numa mistura
legal, que focam na relação de pais e filhos, abordando temas como criação,
abandono, pais distantes e reencontros – com uma pitada de melancolia e vazio
existencial, típicos do diretor. Pode ser encarado com um estudo de personagens
com suas excentricidades e complexidades. Da Mubi, estreia em breve nos cinemas
e depois no catalogo do streaming da provedora.
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