Estreias da semana –
Nos cinemas e no streaming - Parte 2
À procura de Anne
Frank
A curta, mas emblemática
trajetória da garota judia Anne Frank (1929-1945), morta no Holocausto, ganha
novos contornos com esta animação inspiradora, feita por um cineasta aplaudido,
que produz pouco, Ari Folman. O diretor e roteirista israelense, da
revolucionária animação para adultos indicada ao Oscar ‘Valsa com Bashir’
(2008), narra uma história de fantasia para além do tempo, em torno da verdadeira
Anne e de uma amiga imaginária que ela criou, Kitty, que aparece nas páginas de
seu famoso diário. São duas fases – a dos anos 40, de Anne Frank escondida no
sótão de uma casa em Amsterdã para escapar dos nazistas durante a ocupação nos
Países Baixos, e um período mais recente, com Kitty em posse do diário
refletindo sobre as crianças refugiadas. O que era para ser triste e deprimente
recebe um tratamento mais leve, mas nunca deixando o lado humano das figuras
retratadas. O desenho tem traços vigorosos, atraindo olhares curiosos de jovens
e adultos. Exibido nos Festivais de Cannes e Toronto de 2021, conta com as
vozes das atrizes inglesas Emily Carey e Ruby Stokes. Acaba de entrar no
streaming Filmelier+, disponível via Prime Video.
O último episódio
Uma lenda espalhou-se
entre os anos 80 e 90 sobre o último episódio da série de TV de animação
‘Caverna do dragão’, lembro muito bem... Havia especulações sobre o parentesco
do vilão, o medonho Vingador, com o Mestre dos Magos, e também de como o grupo
de amigos voltariam para casa, já que passam as temporadas perdidos num mundo
mágico. Pois bem, esse é o mote do filme brasileiro independente que entra em
cartaz nos cinemas, da produtora Filmes de Plástico. Na verdade, a ‘Caverna do dragão’
pouco tem a ver com a trama, é apenas um pretexto para aproximar os
personagens. Na periferia de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte,
no início nos anos 90, três amigos adolescentes curtem cinema e cultura pop. Um
deles é apaixonado por uma garota e para conquistá-la diz ter uma fita VHS com
o tal último episódio de ‘Caverna do dragão’, que fazia a cabeça da moçada na
época. Ela aceita ir até sua casa; o jovem, sem saber como prosseguir com aquela
mentira, pede ajuda dos dois amigos para achar uma solução. Entre sonhos de
adolescência, decepção amorosa e vínculos entre amigos, os três viverão uma
jornada de amadurecimento – hoje é muito comum no cinema este tipo de filme,
‘coming of age’. Delicado, com roteiro agradável de acompanhar e de recordar os
anos 80, o filme tem relação direta com as memórias do cineasta, o diretor
Maurilio Martins, nascido, criado e que ainda mora naquela região. Rodado pelas
ruas de BH, com uma fotografia dos ambientes onde o diretor cresceu – e partes
reconstruídas do bairro para ficar com jeitão de quatro décadas atrás, o longa
é uma simpática homenagem à adolescência e ao cinema. Nos cinemas, distribuído pela
Malute com a Embaúba Filmes.
Entre penas e bicadas
Animação chinesa de 2023
que chega agora aos cinemas do Brasil pela A2 Filmes. Nada demais, nada do que
nunca vimos em filmes de animação com animais, desta vez com pássaros. Uma
águia chamada Pena Dourada, criada entre galinhas, tenta voar, para acabar de
vez com a negação que foi imposta a ela, a de que nunca poderia atingir o céu.
Ela então embarca num voo para a cidade grande onde conhecerá a verdade de sua
família, travando uma batalha entre águias e galinhas. Tolinha, bem infantil, realmente
nem sei se chamará a atenção das crianças... Está no circuito comercial, em
salas de mais de 50 cidades do país.
O retrato de Norah
Premiado na mostra ‘Um
certo olhar’ de Cannes e exibido no Festival do Rio de 2024, chega aos cinemas
pela Pandora Filmes esta obra saudita inspirada em um contexto real, da década
de 90, na região de Al-Ula, um deserto da Arábia Saudita com cidades muradas e
sítios arqueológicos. Um lugar de silêncio e isolamento, com poucas famílias residentes.
Norah é uma jovem que luta para sair da condição social que lhe foi imposta;
ela mora numa aldeia de tendas em Al-Ula, numa sociedade patriarcal
extremamente opressora. A arte também é proibida. Cercada por mulheres vestindo
hijab (véus), ela começa a mudar de comportamento ao se aproximar de um
professor de artes. Por meio da arte ela tenta se libertar daquele mundo
hostil, regido pelos homens. Com diálogos explicativos sobre aquele cenário complexo
da protagonista e uma fotografia esplêndida da região desértica da Arábia, o
drama saudita é inspirador e necessário, também provocador, que denuncia a dura
condição da mulher no país em questão. Dirigido e roteirizado pelo cineasta
saudita Tawfik Alzaidi, com um trabalho extraordinário de estreia da atriz
principal, Maria Bahrawi, na época com 28 anos e moradora de Al-Ula.
Por inteiro
Lançado em 2024 em
festivais como BFI Londres e Toronto, chega agora à AppleTV essa coprodução
EUA/Reino Unido, uma fita de drama bem realizada, que se passa num futuro próximo.
Assinada pelo diretor e roteirista William Bridges, habituado ao mundo scifi -
escreveu episódios de ‘Black Mirror’ e de uma série que levou a este filme, ‘Soulmates’
(2020). Num futuro nada tão tecnológico, que mais parece dias atuais, um homem
e uma mulher (Brett Goldstein e Imogen Poots) resolvem participar de um teste
que define se serão almas gêmeas. A novidade tornou-se prática comum entre
pessoas que se conhecem, para saber se o relacionamento dará certo. Eles se
apaixonam enquanto aguardam o resultado do teste. Será que pode haver amor entre
aquele casal mesmo se a tecnologia apontar incompatibilidade? Os dois atores têm
afinidade e entregam um bom trabalho, com momentos alternando entre humor e
drama, numa luta eterna de se manter juntos. A discussão central do longa é o
quanto a tecnologia pode definir quem somos. Apesar de não ser tão original, é
cativante e surpreende. O ator Brett Goldstein escreveu o roteiro com o
diretor.
Casa de dinamite
Desde quinta passada
estreou em salas alternativas o novo filme da diretora Kathryn Bigelow,
produção da Netflix que entra no catálogo no dia 24/10. Ela retorna com tensão
ao tema terrorismo depois de seus dois marcantes e excelentes trabalhos, o
Oscarizado ‘Guerra ao terror’ (2008) e ‘A hora mais escura’ (2012). Agora não é
mais os Estados Unidos invadindo o Oriente Médio atrás de terroristas e sim um
ataque iminente a bombas ao próprio território. O filme acompanha três pontos
de vista na controversa e atual conjectura política norte-americana; em 18
minutos mísseis vindos não se sabe de onde cairão sobre Chicago, e a Casa
Branca junto com forças de segurança precisará agir. São três núcleos de personagens
que correm contra o tempo após a mudança de agenda: os agentes da Inteligência (Rebecca
Ferguson e outros), o secretário de Defesa (Jared Harris) e o presidente dos
EUA (Idris Elba). A construção do thriller corta e volta para esses grupos de
pessoas, aturdidos com a alta probabilidade de destruição do país. Cada grupo
negocia entre eles, procuram descobrir a nação inimiga que fez os ataques, tentam
destruir os mísseis antes de cair em solo americano. É um filme angustiante de
corrida contra o tempo, feito para tensionar, como nos filmes de Bigelow – e lembrando
que seus filmes são sempre pessimistas. Indicado ao Leão de Ouro, deve ser
finalista do Oscar 2026 – ainda tem aparições rápidas no elenco de Tracy Letts,
Gabriel Basso, Anthony Ramos, Greta Lee, Willa Fitzgerald e Jason Clarke.
Depois da caçada
Dividindo opiniões, o
novo filme de Luca Guadagnino, de ‘Me chame pelo seu nome’ e ‘Queer’, segue em
cartaz nas salas brasileiras (com distribuição da Sony Pictures), após première
no Festival do Rio. Exibido em Veneza, onde concorreu ao Queer Lion, traz atuações
soberbas de Julia Roberts e Ayo Edebiri, que se envolvem num jogo de gato e
rato que já se tornou memorável. Eu estou do lado dos que gostaram, achei a
trama um negócio arrebatador, sustentado pelas reviravoltas e ambiguidades.
Nunca sabemos quem é vilão e quem está certo. Julia interpreta Alma, uma
professora universitária da área de Filosofia, inteligente e dedicada, que faz
de sua casa um ponto de encontro de intelectuais - seus alunos da faculdade e
professores, por exemplo. Lá frequenta o professor Hank (Andrew Garfield), que
é seu colega de trabalho, e uma aluna brilhante, Maggie (Ayo Edebiri),
assumidamente lésbica. No dia seguinte a uma noite regada a vinhos e conversa
intelectualizada, uma notícia cai como uma bomba: Hank é acusado de ter abusado
Maggie. As versões de Hank e Maggie se chocam e se contradizem, e Alma fica no
fogo cruzado sem saber em quem acreditar, colocando seu cargo em risco. Após uma
abertura chatinha e arrastada de 15 minutos, o filme se transforma num jogo cruel
que vira um caça às bruxas no ambiente universitário, feito com agilidade por
Luca. Um roteiro brilhante, com atuações magistrais, incluindo Michael Stuhlbarg, como o marido de Julia, um psicólogo,
e Chloë Sevigny como a médica do campus – que deveria ter tido melhor aproveitamento
na trama, já que nas pequenas cenas que aparece, rouba tudo. Num dos bons
trabalhos recentes da carreira, Julia encarna um papel dúbio, uma mulher que
guarda segredos e não se abre para ninguém. Um filmão sobre jogos de poder e de
como destruir reputações. Assistam nos cinemas.
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