Festival do Rio: bons
filmes para acompanhar – parte 4
A 27ª edição do Festival
do Rio termina amanhã, dia 12/10, porém haverá, como de praxe, a repescagem –
entre os dias 13 e 16/10. Neste ano foram exibidos mais de 300 filmes de 87
países, muitos deles em première. Vitrine do cinema brasileiro e um dos
festivais mais importantes do país, o Festival do Rio, criado em 1999, é
apresentado pelo Ministério da Cultura, Shell e Prefeitura do Rio. Confira
abaixo mais títulos que conferi no festival e recomendo.
Conselhos de um
serial killer aposentado
Vencedor do prêmio do público
no Festival de Tribeca de 2024, este é o primeiro filme americano do diretor
turco Tolga Karaçelik, que lá em sua terra fez fitas policial e comédia ousadas.
Aqui ele junta os dois gêneros e salpica pitadas de horror, num resultado mega
curioso, que merece atenção. Na mirabolante trama, um escritor com bloqueio
criativo (John Magaro, de ‘Amores materialistas’) se aproxima de um homem que descobre
ser um assassino aposentado (Steve Buscemi, de ‘Fargo’). O encontro casual se
transforma numa amizade, e da noite para o dia o velho serial killer vai ajudar
o escritor com conselhos terapêuticos para casais em crise. A relação entre os
dois se transforma numa espécie de pesadelo – que nunca sabemos como vai
terminar. Com humor ácido e por vezes macabro, o filme é marcado por bons
diálogos e um crescente clima de tensão – ainda mais quando surge na história a
esposa do escritor, interpretado pela vencedora do Emmy Britt Lower, num papel
excepcional. Buscemi, especializado em vilões, arrasa no papel-título, um
serial killer que se transforma, sem querer, em terapeuta. Ainda haverá sessão
hoje no Festival do Rio, dia 11, e na repescagem, no dia 13. Estreia nos
cinemas brasileiros pela Synapse Distribution a partir do dia 16/10.
O pavão
Exibido na Semana da
Crítica do Festival de Veneza de 2024, a produção Áustria/Alemanha, da Mubi, é
uma comédia dramática cult que marca a estreia em longa-metragem do roteirista
e diretor Bernhard Wenger – que demonstra ter boas ideias. O alemão Albrecht
Schuch, ator de ‘Transtorno explosivo’ e ‘Nada de novo no front’, protagoniza
como Matthias, um rapaz que tem um emprego inusitadíssimo: ele é diretor de uma
agência de aluguel de amigos chamada ‘MyCompanion’. E também é o funcionário do
próprio negócio – apesar de tímido, ele assume o papel que seus clientes contratam,
como um namorado, um motorista ou um colega de treino de academia. Mudando
constantemente de personalidade para satisfazer as pessoas que precisam de
alguém, Matthias agora precisa autoafirmar a própria identidade. É um barato
esse filme que estreou no Festival do Rio, uma sátira social sobre alguém em busca
de aprovação na era da rede social – e que por causa disso, deixa o seu ‘eu’ de
lado. A comédia rola solta e rimos muito porque o ator é bom, fazendo o filme
acontecer. Terá ainda uma última sessão no festival amanhã, dia 12. E a partir
de amanhã entra na Mubi, para assinantes.
O estrangeiro
François Ozon, aclamado
diretor francês que realiza até dois filmes por ano, fez uma belíssima e
atualizada versão para o cinema do clássico livro ‘O estrangeiro’, de Albert
Camus, publicado originalmente em 1942. Ultimamente Ozon roda seus filmes em PB
e aqui repete a dose, recorrendo a uma fotografia de brilhar os olhos – situada
na Argélia da década de 30, quando ainda colônia da França. Observador, Meursault
(Benjamin Voisin, que trabalhou com o diretor em ‘Verão de 85’) é um rapaz fechado
em seu mundo próprio, sem empatia pelos outros. Faz sexo com uma jovem e diz a ela
que não sente atração nem desejo por ninguém. Num dia de sol, comete um assassinato
na praia e vai para julgamento. Pensativo sobre a morte recente da mãe, ele se põe
a questionar seus feitos, trancado numa cela enquanto aguarda seus dias finais –
já que ele pode ser guilhotinado, caso seja culpado pelo crime. Tanto livro
quanto a versão de Ozon trabalham temas comuns no universo de Camus, como
alienação e indiferença ao mundo e aos outros. Filosófico, na linha do
existencialismo, é uma obra madura do cineasta, que marca sua nova fase de
criação. Voisin, o ator principal, compila a essência do personagem Meursault
com seus olhares apáticos e constante desinteresse pelas pessoas que cruzam seu
caminho. Sessão na repescagem do Festival do Rio no dia 14/10.
Madre
Saí de queixo caído da
sessão esvaziada de ‘Madre’ ontem à noite no Estação Net Rio, pra mim um dos
melhores filmes do Festival do Rio deste ano. Que atuação grandiosa de Noomi
Rapace, atriz sueca que ainda não recebeu o devido reconhecimento pela
carreira. Exibido na seção Horizons do Festival de Veneza deste ano, o drama se
inspira na vida de Madre Teresa antes de se tornar ‘de Calcutá’. São sete dias
decisivos na vida da religiosa, trancada numa comunidade que fundou, de ajuda
aos pobres na Índia, enquanto aguarda a liberação do Papa para froamlizar sua
congregação de irmãs missionárias. Serão sete dias onde conheceremos Teresa e
suas complexidades – o trabalho árduo nas ruas levando comida aos esfomeados,
curando feridas dos andarilhos e um conflito com uma noviça em que questionará a
fé e a moral da igreja. Nascida na Macedônia do Norte e de família albanesa, Madre
Teresa tornou-se símbolo da Igreja Católica e da justiça social. Rapace entrega
um trabalho perfeito com os altos e baixos da madre, com humanidade e sensatez.
Não é uma cinebiografia tradicional, os lances originais estão na estética criada
pela diretora, natural da terra de Madre Teresa, a macedônia Teona Strugar
Mitevska, de ‘Deus é mulher e seu nome é Petúnia’ – ela escreve e dirige com
uma linguagem peculiar, captando ângulos imperfeitos, por baixo e por cima,
colocando a atriz fora do quadro, cortando o rosto dela, algumas cenas em
stop-motion com trilha de rock e por aí vai. Um filmão que merece exibição nos
cinemas. Ainda em exibição no Festival do Rio no dia 12/10.
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