A garota desconhecida
Dra.
Jenny Davin (Adèle Haenel), uma médica eficiente e muito dedicada à profissão, investiga
por conta própria um assassinato ocorrido em frente ao seu consultório. Ela sente
culpa por não ter ajudado a vítima, uma jovem negra, que havia tocado o
interfone da médica minutos antes para pedir socorro, mas Jenny não pôde atendê-la.
Indicado
à Palma de Ouro em Cannes em 2016, o filme é outro bom trabalho autoral dos irmãos
Dardenne (Jean-Pierre e Luc, nascidos na década de 50), representantes máximos
do cinema belga desde a década de 90. Eles produziram e escreveram o intrigante
roteiro (como sempre fazem), uma mescla de drama e investigação policial, com o
marcante estilo documental no tratamento do roteiro e da técnica (gravam tudo
com câmera em movimento, sem aparatos ou grandes recursos, captando uma
interpretação quase que natural dos personagens em situações comuns, cotidianas).
No
cerne da investigação da protagonista saltam temas atuais, de extrema
importância, tratados com sutilezas, como a violência contra a mulher, a trágica
realidade dos negros imigrantes na Europa e o descaso policial - nenhuma
autoridade se importa com o crime ocorrido (a morte de uma negra), então a jovem
médica procura sozinha por respostas, entrando no submundo da criminalidade que
coloca sua vida em jogo.
A
história toda circunda a rotina de apenas um personagem, a médica, interpretado
de maneira condizente pela jovem atriz francesa Adèle Haenel, de “Amor à
primeira briga” (2014) e “120 batimentos por minuto” (2017), promissora e de
beleza memorável. Essa é outra marca dos cineastas, de dar centro a somente uma
figura, com uma dúzia de pontos a serem resolvidos.
Sou
fã das obras dos irmãos Dardenne, assisti todos os filmes da dupla – “A
promessa” (1996), “Rosetta” (1999), “O filho” (2002), “A criança” (2005), “O
silêncio de Lorna” (2008), “O garoto da bicicleta” (2011) e “Dois dias, uma
noite”, anterior a “A garota desconhecida”, e um de seus melhores trabalhos (de
2014, que deu a Marion Cotillard indicação ao Oscar de melhor atriz). Os
Dardenne ganharam este ano prêmio de direção em Cannes por “Le jeune Ahmed”
(2019), exibido em maio na Bélgica, ainda sem previsão de lançamento no Brasil –
participam ano sim, ano não do referido Festival, já ganharam lá duas Palmas de
Ouro, prêmio de roteiro, do Júri e agora de direção.
A
cópia de “A garota desconhecida” disponível no Brasil, em DVD e nas plataformas
digitais, é pela California Filmes, com 105 minutos, uma reedição da versão original
exibida na Europa, que tinha 113 minutos.
A garota desconhecida (La fille inconnue). Bélgica/França,
2016, 105 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Jean-Pierre Dardenne e Luc
Dardenne. Distribuição: California Filmes
Submersão
Na costa
africana, soldados jihadistas sequestram James More (James McAvoy), que combatia
um grupo terrorista na região. Em paralelo, na Groenlândia, Danielle Flinders
(Alicia Vikander) estuda oceanografia preparando-se para uma arriscada missão nas
profundezas do mar. Longes um do outro, relembram o romance que tiveram no
Natal anterior, como forma de apaziguar seus corações diante do delicado momento
de insegurança que enfrentam agora.
O premiado
diretor alemão Wim Wenders, dos cultuadíssimos “Paris Texas” (1984) e “Asas do
desejo” (1987), realizou um filme menor de sua vasta carreira, mas adequado e que
ainda tem valor cinematográfico para quem aprecia filmes lentos, sentimentais.
É um drama romântico baseado no livro de mesmo título, do escocês J. M. Ledgard
(de 2011), narrado em dois tempos (presente e passado, por flashbacks), sobre um
casal separado pelo destino. No elenco, dois atores em alta: James McAvoy (de “Fragmentado”
e “Atômica”) interpreta um refém de combatentes da Jihad, a guerra santa
islâmica que prega a luta armada em defesa da religião, torturado e constantemente
ameaçado de morte. Ele está num cativeiro na Somália, sem contato com o mundo
exterior. Do outro lado da Terra, está a personagem de Alicia Vikander (ganhadora
do Oscar por “A garota dinamarquesa”), que investiga espécies e formas
diferentes de vida oceânica enquanto se prepara para descer em um submergível
no fundo do mar da Groenlândia. Os dois, distantes, criam sintonia em pensamentos,
recordando a rápida história de amor que viveram meses antes, no Natal. Agora, tanto
ele como ela estão em situação de risco devido ao trabalho, um aprisionado por
terroristas, outra fechada numa cápsula em direção às profundezas do mar
desconhecido. A memória torna-se o alimento para a alma inquieta deles...
Wenders
tem altos e baixos na carreira, de cinco anos para cá fez filmes menos
exigentes, rebaixados pela maior parte da crítica estrangeira (como “Tudo vai
ficar bem”, “Os belos dias de Aranjuez”, este aqui e até o documentário que já
recomendei “Papa Francisco – Um homem de palavra”). Confesso que gostei, reconheço
que não é um grandioso trabalho, mas aguça a curiosidade pelo discurso antiterrorista,
o bom trabalho do par romântico e as belas locações de lugares exóticos (foi
filmado em diversos países, como França, Espanha, Alemanha e outros da África).
Submersão (Submergence).
EUA/Alemanha/França/Espanha, 2017, 111 minutos. Drama/Romance. Colorido. Dirigido
por Wim Wenders. Distribuição: California Filmes
Demônio de neon
Jesse
(Elle Fanning), uma aspirante a modelo de beleza única, chega a Los Angeles para
tentar a vida nas passarelas. A maquiadora Ruby (Jena Malone) apaixona-se pela
garota e a apresenta para figuras importantes do acirrado mundo da moda. Quando
é contratada por uma agência de grande nome, desperta inveja e ira de das duas
melhores amigas de Ruby, dando início a um terrível jogo de disputa.
O dinamarquês
Nicolas Winding Refn já deixou bem claro que o seu cinema é um dos mais controversos,
ousados e sem concessões da atualidade. Assista a “Medo X” (2003), “Drive”
(2011), “Só Deus perdoa” (2013) e a este “Demônio de neon” que você vai comprovar
o que digo. Coloco-o ao lado do conterrâneo Lars Von Trier (ambos não se gostam
após um atrito em Cannes), outro notório diretor polêmico cujo último filme, “A
casa que Jack construiu” (2018), é de embrulhar o estômago e ficar perturbado
por semanas.
Quando
vi pela primeira vez “Demônio de neon”, três anos atrás, não havia gostado
tanto, agora numa revisão aceitei melhor o filme principalmente pelo teor
crítico dele, pelas metáforas sobre o perverso mundo das passarelas. Que chega
a ser canibal, literalmente falando...
É uma
fita cult capciosa sobre a moda de um modo que você nunca verá igual, com competição
acirrada entre modelos invejosas em busca do brilho e da fama. Não quero comprometer
a história (é um filme que não sabemos o que vem pela frente), então não
alongarei a discussão sobre a história em si. A dica é: vá com estômago forte!
Não
é para todos. Vendido como terror, tem a estranheza típica do cinema de Refn (ele
assina o filme com as inicias, NWR), lotado de violência gráfica e sangue, visual
delirante estilizado com cores neon, que gritam na tela, cenas em slow motion, trilha
com música techno e sintetizadores (semelhantes ao que ele inseriu em ‘Drive’ e
‘Só Deus perdoa’), referências ao videoclipe e ao mundo publicitário. Culmina
com um desfecho chocante, improvisado no próprio set de gravação. Em suma: filme-cabeça
e tétrico de um diretor que quebra regras, foge de qualquer convenção do
cinema, criativo ao extremo e que dá um solavanco no público!
O
elenco, afinado e corajoso, conta com Elle Fanning (miudinha, parece que uma
boneca de porcelana prestes a quebrar), Jena Malone e participações de Karl Glusman,
Keanu Reeves e Christina Hendricks.
Concorreu
à Palma de Ouro e ao Queer Palm em Cannes, ganhando lá um o prêmio especial – a
sessão foi marcada por vaias!
Demônio de neon (The neon demon).
Dinamarca/França/EUA/Reino Unido, 2016, 117 min. Drama/Terror. Colorido.
Dirigido por: Nicolas
Winding Refn. Distribuição: California Filmes
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