sexta-feira, 28 de junho de 2019

Resenha Especial


Um limite entre nós

Pittsburgh, década de 50. Troy Maxson (Denzel Washington), um homem difícil e amargurado, luta com toda sua força para sustentar a família num bairro de periferia. Beberrão, mora com a esposa, a compreensiva Rose (Viola Davis), ajuda a cuidar de um irmão doente, até que uma notícia abalará para sempre a relação do casal.

Um drama amargo e lírico feito em estilo teatral sobre a dura realidade dos negros nos Estados Unidos na década de 50, o filme é uma adaptação fiel da peça “Fences”, de August Wilson, publicada em 1983. Integrou uma série de dez obras de teatro do referido autor chamada de “Pittsburgh Cycle”, que rendeu a ele o Pulitzer e o Tony Award em 1987, quando da primeira encenação na Broadway - em todas as peças Wilson analisa criteriosamente a relação dos negros na sociedade americana, antes e depois da Segunda Guerra, de forma realista e vívida. Em 2010, ou seja, duas décadas depois da primeira encenação, Denzel Washington e Viola Davis subiram aos palcos para uma nova temporada de “Fences” na Broadway; a dupla ganhou o Tony, e Washington comprou os direitos para transformá-la em filme. Rapidamente assumiu a direção do projeto, lançando o longa em 2016, que recebeu quatro indicações ao Oscar – melhor filme, roteiro (póstumo, para August Wilson, que havia deixado o texto para cinema escrito), ator para Denzel e atriz coadjuvante para Viola (que finalmente ganhou pelo papel de Rose, recebendo também os principais prêmios da temporada, como Globo de Ouro, Bafta e SAG). Ambos os atores arrebentam com atuações memoráveis e emocionantes, as mais importantes de suas carreiras.


Denzel Washington dirige pela terceira vez um filme (antes vieram “Voltando a viver” e “O grande debate”), aqui se apropriando dos elementos centrais da peça original, como personagens, cenários, época e diálogos, onde manteve o estilo de teatro. São poucos ambientes, muita discussão inserida em diálogos primorosos, impactantes, para traçar a história de quatro gerações de uma família de negros operários, os Maxson, suas dificuldades, os comportamentos e suas emoções. Eles descendem de africanos marginalizados na periferia, espremidos na cidade grande, sem oportunidades. Troy é o patriarca, um cidadão simples, desiludido, hoje trabalha como coletor de lixo. Bebe para sufocar as angústias, não tem relação amigável com os filhos. Em certos momentos age com agressividade, descontando raiva e frustração nos moradores da casa. No passado tentou carreira como jogador de beisebol, mas não seguiu o caminho, pois alegava que eram poucos os negros que conseguiam espaço no esporte. Dentro da simplória residência dos Maxson, um microcosmo da sociedade americana da época, Troy convive com outros personagens, como a esposa solidária, uma mulher de fibra, Rose, a única que o suporta, além do velho amigo íntimo Bono, que o visita para discutir sobre a vida, o irmão Gabe, que teve graves ferimentos na Segunda Guerra e hoje vive desorientado, e os filhos - um é músico, e outro, mais novo, ele não aceita, por ser promissor no beisebol (Troy não suporta ver o filho melhor que ele no esporte). Quando os ânimos parecem melhorar na casa, um fato obscuro será revelado, gerando uma explosão de sentimentos no seio da família.
O cenário principal é o quintal da frente da residência da família Maxson, num bairro periférico de uma cidade grande, com uma cerca sempre presente – o título original é “Fences” (“Cercas”), e uma frase simbólica do livro permeia a história: “Você pode construir uma cerca para afastar ou unir uma família”.
Denzel e Viola estão brilhantes, como falei, um brinde de interpretações fortes num drama visceral e íntimo.
Além do filme, recomendo também a leitura da peça – eu a li numa boa tradução pela Única Editora, lançada em 2016.

Um limite entre nós (Fences). EUA/Canadá, 2016, 139 min. Drama. Colorido. Dirigido por Denzel Washington. Distribuição: Paramount Pictures

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