sábado, 27 de julho de 2019

Cine Lançamento



Bem-vindos a Marwen

Uma terrível agressão em um bar deixa o fotógrafo Mark Hogancamp (Steve Carrel) em coma, sem memória e com ferimentos profundos no rosto. Aos poucos recupera-se das lesões e recebe alta. Sozinho, fecha-se em casa e lá cria um mundo paralelo com bonecos que ele colecionava, que adquirem vida própria e o ajudam a destruir os fantasmas do passado.

Outro filme de Robert Zemeckis com a técnica de motion capture, onde os atores gravam as cenas revestidos por sensores em pontos estratégicos do corpo, e depois, com computação gráfica, um personagem é inserido nele – entre 2004 e 2018 o premiado cineasta experimentou quatro vezes os recursos, em “O expresso polar” (2004), “A lenda de Beowulf” (2007), “Os fantasmas de Scrooge” (2009) e agora em “Bem-vindos a Marwen” (2018). Diferente dos anteriores, este é uma animação em CG, mas com atores contracenando juntos. Outra diferença é o teor real da história. Zemeckis traz à tona, com sensibilidade, uma biografia forte sobre violência causada por preconceito e superação diante de terríveis tragédias que estamos sujeitos. Traça assim parte da trajetória do fotógrafo Mark Hogancamp, que em 2000, num bar, foi brutalmente espancado por cinco rapazes após comentar que era cross dresser (ele gostava de se vestir de mulher). Quase morreu, ficou em coma, com uma profunda cicatriz no rosto – os agressores foram detidos, depois soltos e nunca cumpriram pena. Hogancamp saiu do hospital com sequelas, dentre elas a perda de memória, e foi para casa, trancando-se em um mundo paralelo que ele cria no quintal. Lá ele montou uma cidade de bonecos, com action figures que colecionava, projetando-se nas histórias incríveis de aventura e guerra inventadas pela sua mente ideativa. Por exemplo, os agressores que bateram nele aparecem como soldados nazistas na Segunda Guerra Mundial, enquanto ele é um fuzileiro corajoso, auxiliado por um grupo de mulheres atiradoras. A cidade em miniatura é chamada por ele de Marwen, um local onde Hogancamp abstrai as tristezas e tenta conviver num mundo sem amarguras ao lado das figuras de plástico. E lá também explorava seu lado profissional, de fotógrafo, captando com uma máquina moderna cada movimento dos bonecos (tempos depois as fotos de Hogancamp foram recuperadas, expostas e tornaram-se mundialmente famosas).
Zemeckis contou uma lentidão e poesia uma história dramática e tristonha que lembra o seu “Forrest Gump” (pelo qual ganhou o Oscar de diretor, em 1995) – ambos os personagens são cidadãos solitários que narram histórias incríveis para apagar seus fantasmas do passado. “Bem-vindos a Marwen” mantem um ritmo calmo, alternando uma cena aqui e ali de aventura e guerra, com fantasia, em que Steve Carell, que costuma ser vibrante em cena, teve de se abster para compor esse estranho personagem sem carisma, robotizado, com o objetivo de tratar com poucas expressões o amargor de sua vida. Ele é um dos poucos homens do filme, contracenando com Leslie Mann, Diane Kruger, Eiza González, a esposa do diretor Leslie Zemeckis e Gwendoline Christie (elas intercalam aparições “de carne e osso” e também como boneco).


Não só o destaque vai para a história como para a técnica, um primor, em que os bonecos conversam (como se fosse uma extensão de pensamento do protagonista), lutam, atiram, matam, fogem de carro etc.
Zemeckis também escreveu o roteiro, uma adaptação direta do premiado documentário “Marwencol” (2010), junto de Caroline Thompson, criadora de “Edward Mãos de Tesoura” (1990) – outro filme que em partes se assemelha com “Marwen”.
Fracassou nas bilheterias (acumulou U$ 13 milhões contra um custo de U$ 40 mi) e recebeu comentários negativos por boa parte da crítica, mas eu gostei e recomendo, pelo ponto de vista da técnica brilhante, pela história inusitada e pelas sérias questões tratadas sobre preconceito e violência.
Saiu esta semana em DVD pela Universal Pictures, com extras imperdíveis!

Bem-vindos a Marwen (Welcome to Marwen). EUA/Japão, 2018, 115 minutos. Drama/Animação. Colorido. Dirigido por Robert Zemeckis. Distribuição: Universal Pictures

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