Bem-vindos a Marwen
Uma terrível
agressão em um bar deixa o fotógrafo Mark Hogancamp (Steve Carrel) em coma, sem
memória e com ferimentos profundos no rosto. Aos poucos recupera-se das lesões e
recebe alta. Sozinho, fecha-se em casa e lá cria um mundo paralelo com bonecos
que ele colecionava, que adquirem vida própria e o ajudam a destruir os
fantasmas do passado.
Outro
filme de Robert Zemeckis com a técnica de motion capture, onde os atores gravam
as cenas revestidos por sensores em pontos estratégicos do corpo, e depois, com
computação gráfica, um personagem é inserido nele – entre 2004 e 2018 o premiado
cineasta experimentou quatro vezes os recursos, em “O expresso polar” (2004),
“A lenda de Beowulf” (2007), “Os fantasmas de Scrooge” (2009) e agora em “Bem-vindos
a Marwen” (2018). Diferente dos anteriores, este é uma animação em CG, mas com
atores contracenando juntos. Outra diferença é o teor real da história.
Zemeckis traz à tona, com sensibilidade, uma biografia forte sobre violência causada
por preconceito e superação diante de terríveis tragédias que estamos sujeitos.
Traça assim parte da trajetória do fotógrafo Mark Hogancamp, que em 2000, num bar,
foi brutalmente espancado por cinco rapazes após comentar que era cross dresser
(ele gostava de se vestir de mulher). Quase morreu, ficou em coma, com uma
profunda cicatriz no rosto – os agressores foram detidos, depois soltos e nunca
cumpriram pena. Hogancamp saiu do hospital com sequelas, dentre elas a perda de
memória, e foi para casa, trancando-se em um mundo paralelo que ele cria no
quintal. Lá ele montou uma cidade de bonecos, com action figures que
colecionava, projetando-se nas histórias incríveis de aventura e guerra inventadas
pela sua mente ideativa. Por exemplo, os agressores que bateram nele aparecem como
soldados nazistas na Segunda Guerra Mundial, enquanto ele é um fuzileiro corajoso,
auxiliado por um grupo de mulheres atiradoras. A cidade em miniatura é chamada por
ele de Marwen, um local onde Hogancamp abstrai as tristezas e tenta conviver num
mundo sem amarguras ao lado das figuras de plástico. E lá também explorava seu lado
profissional, de fotógrafo, captando com uma máquina moderna cada movimento dos
bonecos (tempos depois as fotos de Hogancamp foram recuperadas, expostas e
tornaram-se mundialmente famosas).
Zemeckis
contou uma lentidão e poesia uma história dramática e tristonha que lembra o
seu “Forrest Gump” (pelo qual ganhou o Oscar de diretor, em 1995) – ambos os personagens
são cidadãos solitários que narram histórias incríveis para apagar seus
fantasmas do passado. “Bem-vindos a Marwen” mantem um ritmo calmo, alternando
uma cena aqui e ali de aventura e guerra, com fantasia, em que Steve Carell, que
costuma ser vibrante em cena, teve de se abster para compor esse estranho personagem
sem carisma, robotizado, com o objetivo de tratar com poucas expressões o
amargor de sua vida. Ele é um dos poucos homens do filme, contracenando com
Leslie Mann, Diane Kruger,
Eiza González, a esposa do diretor Leslie Zemeckis e Gwendoline Christie (elas
intercalam aparições “de carne e osso” e também como boneco).
Não
só o destaque vai para a história como para a técnica, um primor, em que os bonecos
conversam (como se fosse uma extensão de pensamento do protagonista), lutam,
atiram, matam, fogem de carro etc.
Zemeckis
também escreveu o roteiro, uma adaptação direta do premiado documentário
“Marwencol” (2010), junto de Caroline Thompson, criadora de “Edward Mãos de
Tesoura” (1990) – outro filme que em partes se assemelha com “Marwen”.
Fracassou
nas bilheterias (acumulou U$ 13 milhões contra um custo de U$ 40 mi) e recebeu comentários
negativos por boa parte da crítica, mas eu gostei e recomendo, pelo ponto de
vista da técnica brilhante, pela história inusitada e pelas sérias questões tratadas
sobre preconceito e violência.
Saiu
esta semana em DVD pela Universal Pictures, com extras imperdíveis!
Bem-vindos a Marwen (Welcome to Marwen). EUA/Japão, 2018,
115 minutos. Drama/Animação. Colorido. Dirigido por Robert Zemeckis.
Distribuição: Universal Pictures
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