terça-feira, 20 de maio de 2008

Entrevista Especial

Versatilidade
Paulo Hesse leva vida aos excêntricos (*)


Felipe Boso Brida*

Um ator versátil, especialista em personagens excêntricos. Em 34 anos de carreira, esteve em novelas e minisséries das principais redes de televisão, como TV Tupi, Rede Globo, Record, SBT, Cultura e Bandeirantes. No cinema, inúmeras pornochanchadas e dramas no currículo. Peças teatrais então... foram mais de 30. Paulo Hesse é o nome do criador de tantos trabalhos memoráveis na televisão brasileira.
Pôs a cara pela primeira vez no cinema em 1973, em uma pornochanchada protagonizada por Vera Fischer, “A Super Fêmea”. Um ano depois recebeu o prêmio da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Artes) de ator revelação pela novela “O Machão”, na Tupi, sua estréia em novelas. E daí para frente não parou mais, chegando hoje à marca dos 90 trabalhos nos diversos segmentos artísticos, inclusive comerciais televisivos.
Hoje, aos 66 anos, Hesse reside em São Paulo e pode ser visto na nova novela da Bandeirantes, “Água na Boca”, que estreou no último dia 12. Continua atuante com o mesmo ideal de antes. “Faço poucos trabalhos, mas em todos eles procuro ser uma figura marcante”. Confira abaixo a entrevista especial que o ator concedeu ao jornal Notícia da Manhã.

NM – Paulo, em sua estréia na TV, em “O Machão”, um fato inusitado foi crucial para determinar sua carreira. E o mesmo voltaria a se repetir décadas depois, na refilmagem da novela. Como classifica este imprevisto?

Hesse – Foi muito engraçado. Eu era recém-formado em artes dramáticas e esperava um papel para trabalhar na TV. Surgiu o convite para a estréia de “O Machão”. Eu não queria fazer a novela, pois iria aparecer em apenas três capítulos. Carlos Zara era da TV Tupi, e convenceu-me ao trabalho, um personagem estranho chamado Doutor Valcourt. Acontece que gostaram tanto da participação que o roteirista Sérgio Jockyman pediu para que me segurassem mais alguns dias na novela. Acabei fazendo mais de 200 capítulos, ou seja, quase a novela toda! A trama se passava na cidade de Limãozinho e era uma adaptação de “A Megera Domada”, de Shakespeare; ficou mais de um ano no ar, era inovadora, não tinha intervalos e um elenco magistral (Antônio Fagundes, Irene Ravache, Etty Fraser etc). Pois então, passados 25 anos, o saudoso amigo Walter Avancini me chamou para o remake, agora pela Globo, de nome “O Cravo e a Rosa”, com muitos personagens preservados do original. No Rio de Janeiro iria fazer três capítulos, o do personagem Sansão Farias. Disse a ele que isto já havia me acontecido no passado, porém acabei topando. Gravei três capítulos. Um mês depois, a produção me chamou e disse que o personagem voltaria com força total até o fim da novela. E lá fiz mais uma porrada de capítulos!

NM – Dentre seus papéis, muitos excêntricos e grande parte deles cômico. O gênero comédia também integra seu gosto pessoal?

Hesse – Sempre curti comédia. Adoro papéis que provocam risada. A partir de “O Machão” e o prêmio de ator, abriram-se as portas para mim, e passei a fazer uma novela por ano na Tupi. Minha última na Tupi foi em “Gaivotas” (1979). Meu personagem chamava-se Fernando, era um ator indisciplinado e integrante do clã de 10 amigos chamado “As Gaivotas”. O elenco contava com Rubens de Falco, Altair Lima, Yoná Magalhães, Cleide Yaconis e outros. Em comédia fiz o protagonista de uma das histórias do filme “O Ibrahim do Subúrbio”, chamado “Roy – O Gargalhador Profissional”. Adoro fazer comédia, um gênero que capacita o ator em todos os aspectos. Também interpretei, com comicidade, o poeta Mário de Andrade no filme “O Homem do Pau-Brasil” (1982). Foi fantástico.

NM – E no espetáculo teatral como utiliza a versatilidade?

Hesse – Vejam quantos personagens diferentes interpretei. Todo bom ator é versátil. É necessário saber dosar, equilibrar. Estive em 35 espetáculos teatrais. Minha estréia foi em “Antígona”, clássico de Sófocles. Fiz “Peer Gynt”, do Ibsen, com Stênio Garcia e mais de 117 personagens, além de João Grilo no “Auto da Compadecida”. Em “Viva o Demiurgo”, de Paulo Pélico, fiz o demiurgo, personagem que me baseei para fazer o médico Rafidjian no filme “Bellini e a Esfinge”. Em “O Inimigo do Povo”, com texto de Ibsen, fazia o prefeito, um de meus melhores papéis. A peça deveria ser remontada todo ano para que as pessoas analisem seus políticos! No elenco estava uma criatura maravilhosa, que no começo do ano faleceu jovem, Olayr Coan.

NM – É daqueles que acredita que os papéis na TV vão se restringindo com a avanço da idade dos artistas?

Hesse – Conforme a Bíblia, “muitos serão chamados, mas poucos os escolhidos”. Eu tenho certeza de que fui chamado, mas não escolhido. Sempre penso: “Será que vou morrer sem fazer nada da Maria Adelaide Amaral?”. Vi sua estréia no teatro e na TV, gosto de seu talento e da eficiência da portuguesinha. Nunca tive a sorte de fazer uma minissérie ou novela dela. Estou fora, em São Paulo, a Globo no Rio, aquela história toda. Os conceitos de idade e faixa etária se transformam. Hoje o jovem é dominante. O patrocinador quer colocar gente bonita, com cintura perfeita e peitos empinados para vender tudo. O conceito mudou. No teatro não há nada disto. Há papel para tudo. Posso fazer um cara no teatro de 40 ou 90 anos. Na TV complica. 80% das novelas têm-se adolescentes, e o restante são pessoas maduras, dentre elas um velho de cá, outro de lá. Como o aumento na estimativa de vida, os velhos não morrem. Eu não morro, mas também não tenho chance. Ficará aquele bando de idoso com poucas chances. Por isso que faço trabalhos eventuais. Por outro lado, tenho prestígio. Não faço sucesso, mas sou respeitado, o que me deixa satisfeito.

NM – O cinema brasileiro ainda sofre com a falta de telespectador?

Hesse – Sofre e muito! O cinema brasileiro sempre esteve à procura de seu espaço. Para atrair o público, nos anos 70, as comédias românticas passaram a ser pornochanchadas. O gênero degringolou, ficou abusado e terminou de vez nos anos 80. Faltava distribuidor e mercado para o cinema nacional. Enquanto isso, o cinema de fora, importado, dominava e ainda reina. Não temos ainda uma identidade cultural autêntica, e estamos condicionados pelo que vem de fora. Mesmo com a remodelação pelo movimento da Retomada, o cinema brasileiro ainda é rejeitado dentro do país. Mudou bastante, concorremos a prêmios internacionais, mas ainda não temos espaço.

Outros trabalhos:

Cinema:


“O Signo do Escorpião” (1974)
“A Casa das Tentações” (1975)
“Pintando o Sexo” (1977)
“A Árvore dos Sexos” (1977)
“Damas do Prazer” (1978)
“Império das Taras” (1980)
“O Baiano Fantasma” (1984)
“Sonhos Tropicais” (2001)

Novelas:

“Cinderela 77” (1977)
“Salário Mínimo” (1978)
“Dulcinéia Vai à Guerra” (1980)
“As Cinco Panelas de Ouro” (1982) - foto acima, menor
“Meus Filhos, Minha Vida” (1984)
“Rabo de Saia” (1984)
“Jerônimo” (1984)
“Anarquistas, Graças a Deus” (1984 - minissérie)
“Selva de Pedra” (1986)
“Éramos Seis” (1994)
“Razão de Viver” (1996)
“Mandacaru” (1997)
“Desejos de Mulher” (2002)
“Paraíso Tropical” (2007)

(*) Entrevista publicada no jornal Notícia da Manhã, periódico de Catanduva, na edição do dia 20/05/2008. Créditos para foto: Felipe Brida

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