quarta-feira, 5 de março de 2025

Resenhas especiais



Especial ‘Sementes do Nazismo’

O ovo da serpente

Em 1923, durante a República de Weimar, na Alemanha, o trapezista judeu Abel Rosenberg (David Carradine) procura desesperadamente um emprego. Quando fica sabendo do suicídio do irmão, suspeita de algo estranho e resolver investigar o caso ao lado da esposa dele, Manuela (Liv Ullmann), uma dançarina de cabaré. As pistas levam os dois a uma terrível conspiração em Berlim, num período de crise moral, fome e recessão econômica.

O cineasta sueco Ingmar Bergman (1918-2007) rodou todos seus filmes em seu país natal, quase sempre utilizando sua residência na Ilha de Fårö como locação. Suas obras densas, de conflitos intempestivos entre casais em crise, marcaram a História do cinema. Diretor e roteirista longevo, trabalhou até a morte, aos 89 anos, deixando 70 longas feitos durante 60 anos de carreira. Recebeu nove indicações ao Oscar e ganhou prêmios a perder de vista – são dele, por exemplo, ‘O sétimo selo’ (1957), ‘Persona’ (1966), ‘Gritos e sussurros’ (1972) e ‘Fanny e Alexander’ (1982). Nos anos 70 enfrentou sérios problemas financeiros, perseguido inclusive pelo governo sueco por questões do fisco. Então o notório produtor italiano Dino de Laurentiis ofereceu trabalho para ele, no caso ‘O ovo da serpente’. Escrito e dirigido por Bergman, foi feito fora de sua terra, o primeiro em língua inglesa, todo rodado na Alemanha e mais uma vez com seu diretor de fotografia, Sven Nykvist, e com a atriz e esposa Liv Ullmann. É uma obra densa, pesada, suja, que retrata uma Berlim destruída econômica e socialmente no ápice da República de Weimar, logo após o Tratado de Versalhes que depenou o país. O clima é de instabilidade, medo e angústia, e a morte paira no ar. Um trapezista procura respostas do suicídio do irmão, e ao lado da cunhada, investiga o caso, chegando a uma teia de conspiração aterradora envolvendo experiências humanas. Com traços do filme ‘Cabaret’ (1972), conta com uma fotografia escura, de uma cidade noturna, repleta de bêbados, desempregados, prostitutas e assassinos, que traz uma incerteza, uma preparação do mal que viria menos de dez anos depois: a ascensão do Nazismo. O amargor da trama, a sujeira da cidade, as mortes macabras que ocorrem e as figuras que perambulam pelo submundo são símbolos da semente do totalitarismo. É uma obra difícil, indigesta, política e metafórica, até com traços de horror, diferente de tudo que Bergman fez – e, portanto, um filme genuíno, peculiar em todos os aspectos.





Vindo da famosa série ‘Kung Fu’, David Carradine dá vida ao protagonista desalentado - papel que seria de Dustin Hoffman; Liv Ullmann é a dançarina de maquiagem carregada, que tem poucos, mas precisos momentos em cena, e Gert Fröbe, o inspetor que auxilia na investigação. Na época do lançamento dividiu público e crítica e nem foi exibido em festivais ou tampouco concorreu a prêmios, o que acho uma desonra com essa obra original e visceral. Disponível em DVD pela Versátil.

O ovo da serpente (The serpent’s egg). EUA/Alemanha, 1977, 119 minutos. Suspense/Drama. Colorido/Preto-e-branco. Dirigido por Ingmar Bergman. Distribuição: Versátil Home Video


A fita branca

Meses antes da Primeira Guerra Mundial, estranhos acontecimentos abalam uma pequena comunidade rural da Alemanha.

Provocador e simbólico, a premiada obra-prima do diretor austríaco Michael Haneke é um torpor de direção, roteiro e fotografia. Um mal estar toma conta de um vilarejo rural no norte da Alemanha nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial. A história se passa entre 1913 e 1914, mostrando um leque de personagens diferentes que vivem nessa pacata comuna. Um professor de música (Christian Friedel) narra fatos inusitados. Tudo começa com um médico da vila que cai do cavalo e fica ferido no hospital – descobrem que no caminho havia uma armadilha com arames para derrubar o cavalo. Dias depois, uma mulher morre nos campos de trabalho de maneira misteriosa. O filho dela se revolta e ataca as plantações de repolho dos patrões. Em seguida, um grupo de crianças começa a desafiar os pais – um deles, um religioso, amarra fitas brancas no braço dos dois filhos, para trazer-lhes de volta a pureza e a ingenuidade, segundo a tradição. Esse mesmo pároco dá golpes de chibata nos filhos, para controlar suas emoções, e como ele é professor, ameaça também os alunos, alegando que estão agitados demais e se desgarrando de Deus. Um celeiro é incendiado, um garoto deficiente é brutalmente torturado, uma aluna desmaia e fica fraca no hospital, um alvoroço toma conta da população... Todos esses pequenos flagras do cotidiano apontam um mal que está por vir na Alemanha pré-nazista. Algo mórbido, estranho, violento espreita aquele pequeno povoado que vive do plantio e da colheita. Parte deles mesmos uma série de punições violentas, como um ritual sinistro para expurgar os demônios – e que deixam todos em pânico.
Aplaudido nos festivais por onde passou, o drama de forte tensão psicológica ganhou a Palma de Ouro e o prêmio da crítica em Cannes, além do Globo de Ouro de filme estrangeiro. Recebeu duas indicações ao Oscar: de fotografia, um trabalho realmente estonteante e chocante, de Christian Berger, que trabalhou com Haneke várias vezes, como em ‘O vídeo de Benny’ (1992), ‘A professora de piano’ (2001) e ‘Caché’ (2005); e filme estrangeiro – representando a Alemanha, pois foi rodado lá e é praticamente todo falado em alemão.






Argumento e roteiro de Haneke, um cineasta inconfundível com suas obras densas e cheia de alegorias – ele é formado em Psicologia, filosofia e teatro e traz em suas obras reflexões profundas sobre perversões humanas e os diferentes graus de violência nos tempos contemporâneos. Em DVD pela Imovision, também disponível na plataforma Reserva Imovision.

A fita branca (Das weiße band - Eine deutsche Kindergeschichte). Alemanha/Áustria/França/Itália/Canadá, 2009, 144 minutos. Drama. Preto-e-branco. Dirigido por Michael Haneke. Distribuição: Imovision

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