Especial ‘Sementes do Nazismo’
O ovo da serpente
Em 1923, durante a
República de Weimar, na Alemanha, o trapezista judeu Abel Rosenberg (David
Carradine) procura desesperadamente um emprego. Quando fica sabendo do suicídio
do irmão, suspeita de algo estranho e resolver investigar o caso ao lado da esposa
dele, Manuela (Liv Ullmann), uma dançarina de cabaré. As pistas levam os dois a
uma terrível conspiração em Berlim, num período de crise moral, fome e recessão
econômica.
O cineasta sueco Ingmar
Bergman (1918-2007) rodou todos seus filmes em seu país natal, quase sempre
utilizando sua residência na Ilha de Fårö como locação. Suas obras densas, de
conflitos intempestivos entre casais em crise, marcaram a História do cinema.
Diretor e roteirista longevo, trabalhou até a morte, aos 89 anos, deixando 70
longas feitos durante 60 anos de carreira. Recebeu nove indicações ao Oscar e ganhou
prêmios a perder de vista – são dele, por exemplo, ‘O sétimo selo’ (1957), ‘Persona’
(1966), ‘Gritos e sussurros’ (1972) e ‘Fanny e Alexander’ (1982). Nos anos 70
enfrentou sérios problemas financeiros, perseguido inclusive pelo governo sueco
por questões do fisco. Então o notório produtor italiano Dino de Laurentiis ofereceu
trabalho para ele, no caso ‘O ovo da serpente’. Escrito e dirigido por Bergman,
foi feito fora de sua terra, o primeiro em língua inglesa, todo rodado na
Alemanha e mais uma vez com seu diretor de fotografia, Sven Nykvist, e com a
atriz e esposa Liv Ullmann. É uma obra densa, pesada, suja, que retrata uma
Berlim destruída econômica e socialmente no ápice da República de Weimar, logo
após o Tratado de Versalhes que depenou o país. O clima é de instabilidade,
medo e angústia, e a morte paira no ar. Um trapezista procura respostas do
suicídio do irmão, e ao lado da cunhada, investiga o caso, chegando a uma teia
de conspiração aterradora envolvendo experiências humanas. Com traços do filme
‘Cabaret’ (1972), conta com uma fotografia escura, de uma cidade noturna,
repleta de bêbados, desempregados, prostitutas e assassinos, que traz uma
incerteza, uma preparação do mal que viria menos de dez anos depois: a ascensão
do Nazismo. O amargor da trama, a sujeira da cidade, as mortes macabras que
ocorrem e as figuras que perambulam pelo submundo são símbolos da semente do
totalitarismo. É uma obra difícil, indigesta, política e metafórica, até com
traços de horror, diferente de tudo que Bergman fez – e, portanto, um filme
genuíno, peculiar em todos os aspectos.
Vindo da famosa série ‘Kung
Fu’, David Carradine dá vida ao protagonista desalentado - papel que seria de
Dustin Hoffman; Liv Ullmann é a dançarina de maquiagem carregada, que tem
poucos, mas precisos momentos em cena, e Gert Fröbe, o inspetor que auxilia na
investigação. Na época do lançamento dividiu público e crítica e nem foi
exibido em festivais ou tampouco concorreu a prêmios, o que acho uma desonra
com essa obra original e visceral. Disponível em DVD pela Versátil.
O ovo da serpente (The serpent’s egg). EUA/Alemanha, 1977,
119 minutos. Suspense/Drama. Colorido/Preto-e-branco. Dirigido por Ingmar
Bergman. Distribuição: Versátil Home Video
A fita branca
Meses antes da Primeira
Guerra Mundial, estranhos acontecimentos abalam uma pequena comunidade rural da
Alemanha.
Provocador e simbólico,
a premiada obra-prima do diretor austríaco Michael Haneke é um torpor de
direção, roteiro e fotografia. Um mal estar toma conta de um vilarejo rural no norte
da Alemanha nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial. A história se passa
entre 1913 e 1914, mostrando um leque de personagens diferentes que vivem nessa
pacata comuna. Um professor de música (Christian Friedel) narra fatos
inusitados. Tudo começa com um médico da vila que cai do cavalo e fica ferido
no hospital – descobrem que no caminho havia uma armadilha com arames para
derrubar o cavalo. Dias depois, uma mulher morre nos campos de trabalho de
maneira misteriosa. O filho dela se revolta e ataca as plantações de repolho
dos patrões. Em seguida, um grupo de crianças começa a desafiar os pais – um
deles, um religioso, amarra fitas brancas no braço dos dois filhos, para
trazer-lhes de volta a pureza e a ingenuidade, segundo a tradição. Esse mesmo
pároco dá golpes de chibata nos filhos, para controlar suas emoções, e como ele
é professor, ameaça também os alunos, alegando que estão agitados demais e se
desgarrando de Deus. Um celeiro é incendiado, um garoto deficiente é brutalmente
torturado, uma aluna desmaia e fica fraca no hospital, um alvoroço toma conta
da população... Todos esses pequenos flagras do cotidiano apontam um mal que
está por vir na Alemanha pré-nazista. Algo mórbido, estranho, violento espreita
aquele pequeno povoado que vive do plantio e da colheita. Parte deles mesmos uma
série de punições violentas, como um ritual sinistro para expurgar os demônios
– e que deixam todos em pânico.
Aplaudido nos festivais
por onde passou, o drama de forte tensão psicológica ganhou a Palma de Ouro e o
prêmio da crítica em Cannes, além do Globo de Ouro de filme estrangeiro. Recebeu
duas indicações ao Oscar: de fotografia, um trabalho realmente estonteante e
chocante, de Christian Berger, que trabalhou com Haneke várias vezes, como em
‘O vídeo de Benny’ (1992), ‘A professora de piano’ (2001) e ‘Caché’ (2005); e filme
estrangeiro – representando a Alemanha, pois foi rodado lá e é praticamente todo
falado em alemão.
Argumento e roteiro de Haneke,
um cineasta inconfundível com suas obras densas e cheia de alegorias – ele é formado
em Psicologia, filosofia e teatro e traz em suas obras reflexões profundas
sobre perversões humanas e os diferentes graus de violência nos tempos
contemporâneos. Em DVD pela Imovision, também disponível na plataforma Reserva
Imovision.
A fita branca (Das weiße band - Eine deutsche
Kindergeschichte). Alemanha/Áustria/França/Itália/Canadá, 2009, 144 minutos.
Drama. Preto-e-branco. Dirigido por Michael Haneke. Distribuição: Imovision
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