Exibido no festival ‘É
Tudo Verdade’ de 2024 com o título ‘Diários da caixa preta’ (tradução ao pé da
letra do original em inglês, ‘Black box diaries’), o documentário indicado ao
Oscar esse ano acaba de entrar no streaming brasileiro, para aluguel, com novo
nome, ‘Quatro paredes’. Nessa coprodução EUA/Reino Unido/Japão, a jovem
cineasta e jornalista japonesa Shiori Itô dirige sua própria história, resgatando,
com lucidez, memórias do estupro sofrido em 2017. O acusado: o diretor de TV
onde ela trabalhava, um homem de forte influência e com ligação com a política.
O caso ajudou a expandir o movimento #MeToo no Japão e demorou três anos para
ser concluído. O filme investiga a fundo os abusos da vítima e de como políticos
e a mídia tradicional trataram o caso - tentando a todo custo abafá-lo, já que
o acusado do crime era o biógrafo e assessor do primeiro-ministro do Japão, o
populista de direita e membro do maior partido nacionalista de lá, Shinzo Abe. É
um filme-denúncia com narrativa que mistura o clássico e o moderno, reunindo vídeos
caseiros, gravações escondidas, reportagens da época, entrevistas atuais, trechos
de um diário pessoal, imagens de câmera de vigilância da noite do estupro e partes
do julgamento no tribunal. Tem gravações de câmera em selfie, cortes de redes
sociais, tudo muito dinâmico e preciso. Foi um caso espantoso que chacoalhou o
Japão anos atrás, e o filme aproveita para criticar duramente a mídia, a política
e o judiciário daquele país, cujas falhas e imperfeições de um sistema falido são
evidentes. Também é chocante ver como as mulheres japonesas são silenciadas
quando vítimas de abusos sexuais.
Além do Oscar, foi indicado
ao Bafta de melhor documentário e ao Grande Prêmio do Júri em Sundance. Um
retrato íntimo e corajoso sobre mulheres estupradas e formas de combate – com a
repercussão do filme, o Japão vem num processo de reavaliar as leis de violência
contra mulheres. Disponível para aluguel na plataforma online Filmelier, em https://www.filmelier.com/ - o streaming
pode ser acessado pelo Prime Video e é administrado pela Sofa Dgtl.
Deu preguiça (2024)
Leve as crianças para se
divertir com a nova animação que está em cartaz nos cinemas brasileiros, ‘Deu
preguiça’, uma produção de médio-orçamento australiana que arranca risos com uma
história agitada e personagens adoráveis. Os bichos-preguiça, nativos do
Brasil, dominam a tela com graça, fofura e muita dose de sabedoria. O filme é a
jornada de sobrevivência de uma família de bichos-preguiça - após uma forte
tempestade, perdem a casa e pegam a estrada para morar na cidade grande, onde
viverão aventuras e novidades. A família preguiça, com seus traços inconfundíveis,
é um barato: tem a preguiça adolescente, protagonista da história, o pai, com
bigode, a mãe, uma senhorinha preguiça de óculos e avental, e o irmão de gorro
de lã com suas crises de adolescente, todos a bordo de um velho food truck. Um
livro de receitas centenário da família será alvo de disputa de uma empresária,
uma chita gananciosa que veste terno colorido. Cativante, tem um visual de
computação gráfica moderno e inventivo. Com vozes originais de Leslie Jones e
Remy Hii, o filme vem dublado para o Brasil, com vozes de Heloisa Périssé e de sua
filha, Tontom. Nos cinemas pela Imagem Filmes.
A lien (2023)
Curta-metragem indicado
ao Oscar na categoria de ficção, ‘A lien’ é um instigante filme sobre a
deportação de imigrantes na nova Era Trump, produzido por Adam McKay, diretor
de ‘A grande aposta’ (2015) e ‘Não olhe para cima’ (2021), e com direção de
fotografia do ítalo-brasileiro Andrea Gavazzi. Conhecemos a história de um
casal e a filha pequena em um dia comum para obter o tão sonhado Green Card –
ele é imigrante e ela, norte-americana. O processo é demorado e burocrático, e separadamente
eles passam por entrevistas. A todo tempo são observados por policiais. São momentos
cruciais, angustiantes, de uma família à espera. Até que o homem é barrado e
conduzido à força até uma viatura da polícia. Enxuto com seus 15 minutos, é um
grande trabalho sobre imigração, distanciamento, separação, num contexto de
forte tensão social que contamina os Estados Unidos hoje. O título carrega
ambiguidade – ‘Lien’ significa o direito de possuir e usufruir títulos e
propriedades, enquanto ‘A lien’, com a sonoridade ‘Alien’, pode ser
interpretado como a visão de muitos americanos sobre os imigrantes, um outro
ser, um alienígena invasor... Em breve no streaming.
Rheingold: O roubo do
sucesso (2022)
O streaming Reserva
Imovision, parceria entre o cinema Reserva Cultural e a distribuidora
Imovision, é um dos canais mais curtidos dos cinéfilos de filmes cult. Sou
assinante e recomendo, e o catálogo conta com centenas de longas distribuídos pela
Imovision, uns que passaram despercebidos nos cinemas, outros que foram parar
diretamente lá. ‘Rheingold: O roubo do sucesso’ (2022) é um desses filmes da
Imovision a não perder de vista, um drama com ação de um diretor que costuma
polemizar, o alemão de ascendência turca Fatih Akin, dos viscerais e trágicos ‘Em
pedaços’ (2017) e ‘O bar luva dourada’ (2019). ‘Rheingold’ volta-se ao mundo da
música para traçar uma história verídica complexa, explosiva, quase surreal: a
trajetória do rapper Giwar Hajabi, conhecido como ‘Xatar’, iraniano de origem
curda que se naturalizou alemão. Pobre, nascido nos guetos do Irã, em uma
região de cavernas bombardeadas, era filho de um notório professor. Ainda
criança vivenciou os horrores em uma penitenciária iraquiana, quando os pais foram
presos, torturados e quase mortos. Mudou-se para a Alemanha, e jovem envolveu-se
com pequenos delitos, depois o tráfico. Apadrinhado por um magnata das drogas, ameaçou
os negócios de carteis rivais com algo inédito – cocaína líquida. Preso aos 28
anos em 2009 pelo roubo de carga de ouro, na cadeia escreveu músicas de hip hop
e rap, e de dentro da cela gravou as músicas com equipamentos nada
profissionais. Elas foram nas rádios, atingindo paradas internacionais, transformando
Xatar em um músico consagrado. O filme, de maneira humorada, mas também
dramática, monta todo esse perfil de Xatar, figura dúbia, querida e odiada. É uma
história buliçosa de altos e baixos, e que de tão grande e incrível, parece pura
ficção. Um filme bem feito, que só podia ter saído da cabeça de Akin. Recomendo
a experiência cinematográfica – o filme é baseado na autobiografia de Xatar, ‘Tudo
ou nada’, e o ator que o interpreta é bom e se parece com ele, Emilio Sakraya. Exibido
nos festivais de Roma e Hamburgo.
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