Máquina do tempo (2022)
Uma das estreias mais
originais dessa temporada, apesar de ser um filme de 2022, que chega somente
agora no Brasil. E que exige uma atenção redobrada do público, pelas idas e
vindas da história que não segue cronologia e mescla aspectos reais da História
mundial com ficção.
É uma ficção científica
com uma estética envelhecida, de filmes riscados e enquadramento de Super8, uma
composição estranha e desalinhavada de propósito, que não se importa com
diegese e questões de primor técnico. O filme é um found-footage, ou seja, ‘uma
fita real encontrada’ – que lógico, é uma brincadeira, igual ‘A bruxa de Blair’,
‘Cloverfield’ e outros. Na abertura nos é contado que em 1941 encontraram fitas
gravadas de um pequeno grupo de mulheres inglesas cientistas que, em meio à
Segunda Guerra Mundial, inventaram uma máquina do tempo capaz de ‘enxergar’
acontecimentos que virão. Duas irmãs, Thomasina e Martha, dentro de um
laboratório, criaram esse equipamento luminoso que capta ondas de rádio e TV
vindas de uma outra época, no caso, o futuro. Pelas imagens da máquina, elas
veem transformações culturais e políticas das décadas de 60 e 70, como a
contracultura, o movimento punk, Kennedy discursando, Muhammad Ali no ringue
etc. No entanto, durante a pesquisa, também descobrem que LOLA - nome dado ao invento
em homenagem à mãe delas, pode alterar os fatos do tempo presente, ou seja, vira
uma arma de inteligência capaz de dar um novo rumo para a devastadora guerra,
principalmente pôr um fim à ocupação nazista. Inteligente e até complexo com inúmeras
informações históricas, o filme tem uma estética de pura inventividade –
utilizaram câmeras e lentes de filmadoras dos anos 30 e 40 para capturar cenas
atuais em preto-e-branco, misturaram cenas de arquivo da Segunda Guerra na
Europa, riscaram os negativos riscados para dar um tom de arcaico, e nunca
sabemos se o que vemos é real ou não. Num dado momento ouvimos David Bowie e a
banda The Kinks cantando, depois Kennedy, Churchill e Hitler e por aí vai.
Coprodução Irlanda/Reino
Unido, tem no elenco Stefanie Martini, de ‘A casa torta’ (2017), e Emma
Appleton, de ‘A última carta de amor’ (2021). Andrew Legge estreia na direção,
com roteiro dele e de Angeli Macfarlane. Exibido no Festival de Locarno. Nos
cinemas pela Pandora Filmes.
Amizade (2023)
Novo documentário autoral
do cineasta mineiro Cao Guimarães, que volta às origens de seu ‘road cinema’
com traços biográficos e que fecha uma quadrilogia ao lado de ‘Rua de mão
dupla’ (2004), ‘Acidente’ (2007) e ‘Andarilho’ (2007). Nesses três filmes ele
percorre cidades distantes, cruza com pessoas diferentes, reflete sobre a
existência e seu lugar no mundo. Em ‘Amizade’, que acaba de chegar aos cinemas
brasileiros pela Embaúba Filmes, Cao parte da mesma proposta: dirige seu carro de
Belo Horizonte a Montevideu, percorrendo 2500 quilômetros de estrada durante
três dias. Na viagem, o velho amigo Beto Magalhaes, produtor de seus filmes, o
acompanha. Uma câmera dentro do veículo grava conversas e pensamentos dos dois
acerca de diversos assuntos, desde a rotina até política e o que esperam do
futuro. Enquanto dialogam e a viagem acontece, um vasto arquivo pessoal de Cao,
com fitas caseiras em super8 e 16mm, bem como arquivos de áudio de fita
cassete, mensagens de secretária eletrônica, lives durante a pandemia e trechos
de seus longas e curtas-metragens, costuram as conversas para pontuar a relação
dele com amigos íntimos. É uma reflexão sobre a amizade a partir de memórias e imagens
do passado. Segundo Cao, “Decidi fazer um filme com meu arquivo pessoal. E
dentre os vários temas que surgiam ao revisitar essas imagens, escolhi a
amizade. Porque, para mim, a amizade sempre foi o exercício por excelência da
alteridade e, além disso, também é, como o cinema, uma escultura no tempo”.
Realmente o diretor mudou-se de BH para a capital uruguaia, em 2023, quando
gravou o filme, que mistura real e imaginário, o que costumeiramente faz em
seus trabalhos há 30 anos. ‘Amizade’ é mais uma obra autoral e diferenciada de
Cao que abre possibilidades para novas linguagens do cinema a partir de imagens
híbridas, da fusão de passado e presente. Exibido no Festival de Amsterdã, o
filme sai agora nos cinemas.
A versão de Anita
(2023)
Docudrama italiano que
reinventa/reimagina a luta revolucionária da camponesa Anita Garibaldi (1821-1849)
durante o Risorgimento (unificação da Itália ocorrido da metade para o final do
século XIX). O filme traz duas Anitas em perspectivas diferentes – aquela da
História tradicional, a brasileira nascida em Laguna (SC), que se casou com o líder
Giuseppe Garibaldi e virou a ‘Heroína dos Dois Mundos’, e uma no tempo
presente, como se estivesse viva, dando entrevistas em podcasts, recontando sua
trajetória e tentando compreender o mundo de hoje. O longa perambula por esses
dois tempos e lugares, reunindo depoimentos de historiadores e pesquisadores
italianos e brasileiros que narram curiosidades da trajetória de Anita na
unificação italiana. Enquanto isso, uma atriz (Flaminia Cuzzoli) interpreta a
Anita nos dois momentos, a real e a imaginada – a do tempo presente reescreve sua
História de um ponto de vista feminino, sem interferência de homens narrando
por ela. Combina, portanto, ficção e documentário, como uma nova versão de seus
feitos.
Gravado em cidades
italianas como Nápoles, e brasileiras como Laguna e Porto Alegre, o filme sai
em comemoração aos 150 anos da imigração italiana no Rio Grande do Sul. Enxuto,
com 88 minutos, recebeu prêmios no Festival de Cinema de Punta del Este e foi exibido
nos Festivais de Trieste, na Itália, e Fort Lauderdale, nos EUA. Coprodução
Land Comunicazione, da Itália, com a brasileira Zapata Filmes, está em exibição
em diversos cinemas brasileiros, como Porto Alegre, em Laguna/SC, cidade natal
de Anita, e em São Paulo – em breve entrará em outras praças. Distribuição de
Latinópolis e Zapata Filmes.
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