quarta-feira, 8 de julho de 2020

Resenha Especial



Santiago

* Reedição, de uma resenha publicada em 2007

Documentário sobre as memórias do mordomo Santiago, que por 30 anos trabalhou para a família Moreira Salles, na mansão deles na Gávea, Rio de Janeiro.

O novo documentário do cineasta João Moreira Salles, “Santiago”, exibido na abertura da edição desse ano do Festival “É tudo verdade”, retrata momentos do dia a dia de um mordomo. Não um mordomo qualquer, mas um homem que trabalhou por três décadas na residência dos pais do próprio diretor da película de não-ficção em questão. Ou seja, uma pessoa extremamente vinculada àquele que captou as imagens para serem transformadas em documentário.
Para montar o filme, que demorou 15 anos para ser concluído, Moreira Salles usou-se da técnica de manipulação do personagem central. Ele faz o que quer com seu mordomo, e como é o diretor da fita, corta bruscamente as falas de seu objeto de análise e edita as imagens de maneira individualista. Mostra uma forte relação, porém ao mesmo tempo distanciada, entre Santiago (que era nascido na Argentina, sabia falar cinco línguas e lia muito) e ele mesmo, que fica sempre atrás das câmeras, sem nunca aparecer. Tudo numa magnífica fotografia em preto-e-branco (do mestre Walter Carvalho).

A figura do mordomo lembra outro personagem, que, coincidentemente, tem o mesmo nome. Refiro-me ao pescador do livro “O velho e o mar”, best seller de Ernest Hemingway. Os dois carregam um imenso vazio. O pescador de Hemingway, já velho e sem oportunidades na vida que lhe resta, busca um sonho: pescar um peixe grande, ou melhor, um peixe jamais pescado antes. O Santiago de Moreira Salles é igualmente solitário, vive alimentando velhos sonhos, cercado de livros e manuscritos raros. E ambos, no fim, tornam-se esquecidos, abandonados, sem oportunidade de expressar quem realmente são.
Moreira Salles fez um filme-ensaio único sobre solidão e memória, e antes havia dirigido pelo menos dois grandes doc, “Notícias de uma guerra particular” (1999) e “Nelson Freire” (2003). “Santiago” (2007) é considerado sua obra-prima, e um dos grandes filmes brasileiros dos últimos anos. Merecidamente recebeu indicação a prêmios nacionais e internacionais, como no famoso Tribeca Film Festival, em 2007.

Santiago (Idem). Brasil, 2007, 78 minutos. Documentário. Preto-e-branco. Dirigido por João Moreira Salles. Distribuição: Bretz Filmes


* Reeditado a partir de uma resenha originalmente publicada em 20/10/2007, no boletim informativo “Voz dos Jardins” (São José do Rio Preto/SP)

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