quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Especiais sobre cinema

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Os desaparecidos na sangrenta Ditadura Argentina

Por Felipe Brida*

Premiado com o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1986, o drama “A história oficial” recria a amarga realidade da Argentina nos anos seguintes à Ditadura Militar, que assolou o país entre 1966 e 1973.
A história se passa em 1983, exatamente dez anos depois do término do governo autoritário, e acompanha o dia-a-dia da professora universitária de História Alicia Marnet de Ibáñez (Norma Aleandro). Ela vive em Buenos Aires, casada com um notório, mas durão advogado, Roberto (Héctor Alterio). Ambos têm uma garotinha adotiva de cinco anos. Certo dia, Alicia passa a suspeitar de que a menina seja filha de uma desaparecida política.
Narrado com lirismo típico do cinema argentino, o filme toca em uma ferida dolorosa frente a esse quadro trágico – o de uma mulher intelectual em busca da mãe biológica de sua filha pequena. A cada amanhecer, luta para descobrir a identidade daquela desconhecida, o que reflete a dor, o choro, o desespero de diversas mães cujos filhos sumiram sem deixar pistas durante a Ditadura Militar na Argentina, a mais sanguinária da América Latina.
Criou-se, nesse período, a figura do “desaparecido”, indivíduo que, pelos ideais subversivos, era levado para bem longe da sociedade, possivelmente assassinado em seguida. A versão oficial dada pelo governo era a mesma para todos: o cidadão sumira sem razão aparente. Desesperadas por uma solução imediata, o país mobilizou-se quando mães saíram às ruas gritando um dos hinos: “Con vida los llevaron. Con vida los queremos” (“Com vida os levaram. Com vida os queremos”), cena que pode ser vista aqui.
Corajoso ao retratar o tema, “A história oficial”, em vez de recorrer a cenas de tortura e discussões políticas, expõe-se como uma fita sensível, trazendo na personagem da professora Alicia o lado terno do ser humano, de moral indiscutível, que procura a verdade, mesmo que esta possa desconcertar por completo a vida de sua família inteira.
É um dos bons filmes sobre a Ditadura na Argentina, junto com “Desaparecido – Um grande mistério” (1982) e do também argentino “Kamchatka” (2002).

Breve panorama da Ditadura

O Regime Militar na Argentina iniciou-se em 28 de junho de 1966 com um golpe de Estado promovido por militares que destituíram o presidente Arturo Illia, que exercia o cargo legalmente. A partir desse ato, assumiram o governo do país, num comando opressor que se estendeu até 1973. Assim como no Brasil, a nova postura política era semelhante. Mas em apenas sete anos de existência da Ditadura na Argentina os casos de desaparecidos políticos e mortos mediante tortura atingiam números infinitamente maiores que nos países vizinhos onde a militarismo se apresentava por excelência.
Cientistas sociais e historiadores nunca se contradizem: na Argentina houve o regime autoritário mais cruel e truculento da América Latina do século XX.
O contexto da Guerra Fria permitia aos militares defensores da extrema direita comandar o país com o discurso de combater o Comunismo, cortando o mal na fonte, ou seja, eliminando idealistas subversivos (professores, escritores etc), já que estes ‘contaminavam’ a sociedade com pensamentos marxistas.
Ao longo da Ditadura na Argentina três generais ocuparam o poder: Juan Carlos Onganía (1966-1970), Roberto Marcelo Levingston (1970-1971) e Alejandro Agustín Lanusse (1971-1973 – o mais temido), além de uma Junta das Forças Armadas.
A Argentina da época registrou manchas sangrentas em sua História. Estima-se que 30 mil argentinos foram seqüestrados, surgindo a figura do “desaparecido”. Outros 2,5 milhões fugiram do país. Oficialmente os militares alegaram que mataram oito mil civis.
Em 1973, após o impedimento do líder populista Juan Perón de concorrer às eleições, o povo elegeu nas urnas Hector José Cámpora, e assim a Argentina iniciava nova realidade político-social. Mesmo depois do fim da Ditadura, poucos presidentes concluíram o mandato por causa da forte instabilidade econômica e social, problema que a Argentina enfrenta na atualidade.

Título original: La historia oficial
País/ Ano: Argentina/ 1985
Direção: Luis Puenzo
Gênero: Drama
Duração: 113 min.
Distribuidora: Europa Filmes

* Publicado na coluna "Cine na Intra", no site do Senac São Paulo (http://www.sp.senac.br/), em 30 de julho de 2011

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