O pior homem de
Londres
O mais recente trabalho
do português Rodrigo Areias, diretor que teve praticamente todos os filmes
lançados na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, como “Tebas” (2007),
“Estrada de palha” (2012), “1960” (2013), “Ornamento e crime” (2015), “Hálito azul”
(2018), “Surdina” (2019 – exibido em Cannes) e “Vencidos da Vida” (2020), chega
aos cinemas. Na edição de 2024 da Mostra de SP, Areias foi júri e apresentou lá
seus dois últimos longas, “A pedra sonha dar flor” (2024) e esse “O pior homem
de Londres” (2024), que conta com um elenco de nomes como Albano Jerónimo,
Edward Ashley e Victoria Guerra. Falado quase que inteiramente em inglês, com
poucos diálogos em outras línguas, como francês e português, o filme é um novo exercício
autoral que abre outra frente estética na vasta carreira de Areias – é diferente
de tudo o que fez. É um drama de época inspirado num caso real, com ambientação
na Londres da época vitoriana, onde conhecemos um homem misterioso que circula
entre a arte e a política, Charles Augustus Howell (1840-1890), apelidado de ‘O
Português’. Nascido em Porto, de mãe portuguesa e pai inglês, era um cidadão de
boa lábia, que atuava como agenciador e vendedor de obras de arte e tinha uma
identidade oculta – era um agente secreto que fazia todo tipo de chantagem. Virou
inspiração para que o escritor Arthur Conan Doyle criasse o vilão Milverton das
histórias de detetive de Sherlock Holmes e foi o mesmo Doyle quem apelidou
Howell de ‘o pior homem de Londres’. Com muitos diálogos, figurino bonito, uma
fotografia sombria (em tons azulados, em interiores de grandes salões de festas),
com enquadramentos distanciados, sem closes ou foco em rostos, o filme de arte
é um complexo mergulho na figura excêntrica desse homem enigmático, um
personagem forte, de mil camadas e muitos segredos. Para os inseridos no cinema
de Areias, vale com certeza conhecer. Distribuição pela Leopardo Filmes.
Faz de conta que é
Paris
Prazerosa comédia
italiana que acaba de estrear nos cinemas pela Pandora Filmes, distribuidora
especializada na curadoria de bons filmes europeus – neste ano lançaram, por
exemplo, ‘O brilho do diamante secreto’ (2025 – exibido no Festival Berlim), ‘Ponto
oculto’ (2021 – exibido em Berlim) e ‘Na teia da aranha’ (2023 – exibido em
Cannes). Escrito, dirigido e estrelado por Leonardo Pieraccioni, de ‘Il ciclone:
Amor e paixão’ (1996), o filme é inspirado numa emocionante história real que parece
algo do mundo da fantasia, e trata de temas como reconexão de laços familiares
e o poder da imaginação. Nos anos 80, os irmãos Michele e Gianni Bugli disseram
para o pai doente que iriam levá-lo para uma inesquecível viagem a Paris, já
que era o sonho dele. Porém, inventaram cenários e lugares, locomovendo o idoso
de um ponto a outro da cidade italiana onde viviam – e o senhor, no leito de
morte, acreditou. A comédia dramática segue essa linha, sobre três distantes que
se reúnem criar o ambiente parisiense e assim dar ao pai seu último desejo em
vida. Eles forjam tudo em um haras, na área rural da cidade onde moram, perfazendo
um trajeto do campo de Florença até Paris. No meio do caminho, paradas para
cafés e conversas íntimas. Lembra ‘Adeus, Lenin!’ (2003), só que mais leve e
passageiro. Divertido e cativante, conta com uma fotografia ensolarada e
momentos de puro ânimo. Participação vigorosa do veterano ator Nino Frassica, como
o patriarca da família. Assistam.
Tóxico
Com uma infinidade de
filmes cult no catálogo, a Mubi, que se tornou queridinha dos cinéfilos, lança
mais um filme europeu diferente no streaming. Se não fosse na Mubi, essa obra
talvez nunca chegaria ao Brasil, já que é um filme cult de festival – ganhou, ano
passado, o principal prêmio do Festival de Locarno, o Leopardo de Ouro. O drama
retrata uma juventude marcada por traumas e desafios. No filme, duas garotas de
13 anos, Marija (Vesta Matulyte) e Kristina (Ieva Rupeikaite), refletem a
possibilidade de deixar a cidade industrial onde vivem, na Lituânia, para buscar
novos rumos. As duas enfrentam problemas familiares, uma delas foi abandonada
pela mãe e é criada pela madrasta, enquanto a outra é fechada, sem amigos.
Ligadas por um forte vínculo na escola de modelos onde tentam carreira, atritam-se
com colegas da turma enquanto se entregam de corpo e alma para o corpo
perfeito, ultrapassando todos os limites de dieta e exercícios físicos. Escrito
e dirigido pela lituana Saulė Bliuvaitė, jovem cineasta em sua estreia no
cinema, que antes só fez curtas, o filme é um estudo impactante sobre as dores
da adolescência e a desgastante indústria da moda que explora crianças e jovens.
As duas atrizes, também estreantes, são ótimas e são a essência dessa juventude
desamparada. A diretora trabalha bem a paleta de cores claras, com uma inebriante
fotografia do interior da escola de moda, e há sacadas caprichadas que misturam
coreografia de dança contemporânea com ensaios de passarela onde as personagens
ficam frente a frente com a câmera e, portanto, olhando para o espectador, que
somos nós – ou seja, a proposta estética é desafiadora.
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