domingo, 28 de abril de 2024

Estreias nos cinemas


Vidro fumê (2024)

 

Estreou nesse fim de semana nos cinemas essa regular fita de sequestro, coprodução Brasil/EUA, inspirada em um fato real, com atores brasileiros, ingleses e australianos e direção do português Pedro Varela, de ‘A canção de Lisboa’. No filme, tenso e cheio de cenas enérgicas, a jovem Mary (Ellie Bamber, de ‘Animais noturnos’) é uma estrangeira que chega para morar no RJ. Ela sofre um sequestro relâmpago ao lado do namorado, Gabriel (James Frecheville, de ‘Reino Animal’). Durante uma noite de pesadelo, eles ficam sob a mira do revólver dos bandidos dentro de uma van que perambula pela cidade, enquanto a polícia tenta encontrá-los. Outras duas histórias de violência surgem paralelamente para completar a trama central. Bem realizado, é um drama com toque de policial refinado. Gostei e recomendo. Nos cinemas pela Vinny Filmes.

 

 

Plano 75 (2022)

 

Um filme japonês de drama com ficção científica que chegou nos cinemas para mexer com nossos sentidos. Quem dirige é a estreante Chie Hayakawa, que procurou aqui fazer uma reflexão sobre o etarismo. A trama se passa num futuro distópico; para conter o envelhecimento da população o governo lança o Plano 75, em que os idosos com 75 anos devem entrar num programa de eutanásia. Uma mulher prestes a completar tal idade, um negociante do Plano e uma garota filipina se dividem entre viver ou morrer, aceitar aquela condição ou lutar contra a imposição do sacrifício final. Complexo, com diálogos fortes, o filme ganhou Menção Especial no Caméra D’Or do Festival de Cannes 2022, na seção Um Certo Olhar, e foi submetido para representar o Japão no Oscar em 2023, como Melhor Filme Estrangeiro, mas ficou fora da lista dos finalistas. Está nos cinemas, com distribuição da Sato Company.

 

 

Clube zero (2023)

 

Particularmente, achei um dos filmes mais especiais que vi nos últimos meses, e já está na lista das melhores estreias do ano no Brasil. Indicado a Palma de Ouro no Festival de Cannes, tem uma história estranha e conturbada, com direção potente da cineasta austríaca Jessica Hausner, de ‘Little Joe: A flor da felicidade’. Um grupo de estudantes de uma escola de elite participa de um programa de nutrição liderado pela professora Novak (Mia Wasikowska, de ‘Segredos de sangue’), cujo objetivo é a reeducação alimentar. Porém os métodos dela não são ortodoxos, ela revoluciona os hábitos alimentares dos estudantes ao extremo, a ponto de emagrecerem muito e passarem mal. O programa se fortalece como uma seita, cujos princípios levam todo o grupo a um desfecho trágico. Os planos e enquadramentos inusitados se aliam a uma fotografia de cores vibrantes e a uma trilha sonora de arrepiar, tornando o filme especial. Sem falar na ótima intepretação de Mia, uma das minhas atrizes favoritas. Um filme sobre os perigos das dietas rigorosas e descontroladas que são vendidas por aí. Está nos cinemas das principais capitais, distribuído pela Pandora Filmes. Classificação indicativa de 18 anos.

 


 

sábado, 27 de abril de 2024

Resenhas Especiais



Grey Gardens

Mãe e filha, Edith Bouvier Beale e Edith ‘Little Edie’ Beale, abrem as portas de sua mansão decadente e tomada pela sujeira em East Hampton, próximo de Nova York, para os irmãos documentaristas Albert e David Maysles registrarem o cotidiano das duas. Elas cantam, recitam poemas, lembram do passado da era de ouro de Nova York e vivem intensos conflitos a ponto de discutirem na frente das câmeras. Big Edie e Litlle Edie eram, respectivamente, tia e prima da ex-primeira-dama Jacqueline Kennedy, e, na época, estavam prestes a ser despejadas do antigo casarão.

Uma obra-prima do documentário contemporâneo, que explora a conflitante relação de mãe e filha, presas às memórias do passado. Um vínculo de amor e ódio frente às câmeras. Edith Ewing Bouvier Beale (1895-1977) e Edith Bouvier Beale (1917-2002) eram, respectivamente, tia e prima de Jacqueline Kennedy, a ex-primeira-dama dos Estados Unidos, e voltaram à mídia dois anos antes, em 1973, quando ilustraram manchetes de jornais americanos sobre suas dificuldades financeiras. Esse escândalo repercutiu quando autoridades policiais e a vigilância sanitária interditaram a mansão Grey Gardens onde lá viviam na pobreza as duas ‘Edies’ – a mãe, conhecida como Big Edie, e a filha, Little Edie. No casarão decadente à beira-mar num balneário de luxo, East Hampton, a 160 quilômetros de Nova York, moravam no meio de ratos, gatos e guaxinins, em precárias condições de higiene. Janelas quebradas, portas tomadas por mofo, paredes com enormes rachaduras e infiltração é o cenário de decadência que vemos no documentário. Por muito pouco não foram despejadas – quando o caso estourou na mídia, as duas tiveram auxílio de Jackie Kennedy por um curto período, que mandou equipes de limpeza organizarem a casa; no entanto o local voltou a ser como era, meses depois. Dois anos mais tarde, elas abriram as portas do decrépito casarão para mostrar seus dias aos documentaristas, os irmãos Albert e David Maysles. Entre lixo e memórias do passado glamouroso, elas relatam como era a vida trinta anos atrás; Big Edie era uma socialite e cantora, e a filha, era modelo e procurava trabalho em Hollywood. Por ironia do destino, entraram em profunda crise financeira, isolando-se de tudo e de todos. À frente das câmeras, recitam poemas, cantam velhas canções e brigam muito. Tudo é captado, sem interferência dos diretores – o filme foi um marco do ‘cinema direto’, aquele em que os documentaristas usam câmera móvel e o som direto, captam tudo o que acontece sem manipular a cena, sendo que a realidade aparece em estado puro, mostrando o mundo real, como ele é. Big Edie, com 80 anos, está sempre deitada na cama, doente, com fotografias no colo (ela morreria dois anos depois), e a filha, divorciada, anda eufórica de lá para cá, vestindo maiôs e roupas coladas em cores extravagantes, lembrando das histórias de suas vidas, sempre com ar melancólico e desalentado. Numa cena famosa, ela dança sorridente com uma bandeira dos Estados Unidos, agitando-a.
É um documentário emblemático, muito conhecido. Os irmãos Maysles fizeram diversos doc juntos e pelo menos dois outros entraram para a história do documentário – ‘Caixeiro-viajante’ (1969), sobre vendedores de Bíblia que batem de porta em porta, num filme que reflete a América profunda e virou símbolo do ‘cinema direto’ e do ‘filme etnográfico’, e ‘Gimme shelter’ (1970), sobre a turnê dos Rolling Stones em que se discute o fim da geração ‘paz e amor’ da Woodstock.




‘Grey Gardens’ saiu em duas versões em DVD – em 2016 pela Obras-primas do Cinema, com quase uma hora de extras, e em 2020 pelo IMS numa edição em disco duplo, contendo um segundo filme, ‘As Beales de Grey Gardens’ (2006), em que os diretores, os irmãos Maysles, trinta anos depois, fizeram um novo longa-metragem com cenas não usadas do filme de 1975 – o que se assiste é um complemento de ‘Grey Gardens’, com momentos inéditos daquela gravação, que ficaram guardados.
Em 2009 a HBO lançou ‘Grey Gardens: Do luxo à decadência’, um telefilme de drama em que as atrizes Jessica Lange e Drew Barrymore interpretam, respectivamente, Edith mãe e Edith filha. A série ficcional, que ganhou seis prêmios Emmy e dois Globos de Ouro, reproduz os principais momentos do documentário – as atrizes estão brilhantes, e traz flashbacks dos anos dourados das Beales.

Grey Gardens (Idem). EUA, 1975, 94 minutos. Documentário. Colorido. Dirigido por Albert Maysles e David Maysles. Distribuição: Obras-primas do Cinema (DVD de 2016) e IMS (DVD de 2020)



As Beales de Grey Gardens

Na mansão decadente de Grey Gardens, num balneário de luxo próximo a Nova York, mãe e filha vivem no meio do lixo e do abandono, cercadas por memórias dos anos dourados, de quando integravam a alta sociedade dos Estados Unidos. As Beales eram tia e prima de Jaqueline Kennedy Onassis, a ex-primeira-dama dos Estados Unidos.

Trinta anos depois do fabuloso documentário ‘Grey Gardens’ (1975), obra máxima do ‘cinema direto’ contemporâneo, os irmãos documentaristas Albert e David Maysles lançaram um segundo filme sobre Edith Ewing Beale e Edith Beale, mãe e filha que eram tia e prima da ex-primeira-dama Jacqueline Kennedy Onassis e que viveram reclusas numa mansão chamada Grey Gardens, tomada por mato, sujeira e bichos selvagens. O filme ‘As Beales de Grey Gardens’ (2006) traz novas e nunca exibidas imagens daquele documentário passado, que ficaram guardadas nos arquivos dos Maysles. Em 1975, eles captaram mais de quatro horas, em vídeo, da relação de amor e ódio entre as Beales, e utilizaram parte do material audiovisual, cerca de 1h35, para o filme original. Na nova obra, cortaram mais 1h30 para retomar a história de vida de Big Edie e Little Edie, do luxo à decadência. O protagonismo desse segundo documentário é com a filha, que volta a falar sobre a quase carreira de atriz – ela era modelo nos anos 50, e por pouco não foi chamada para fazer filmes em Hollywood. Tomada por um misto de raiva e desilusão, ela revela novos fatos de seu passado, enquanto perambula pela casa e por fora – os jardins ao redor do casarão Grey Gardens aparecem pouco no primeiro documentário, e agora temos a noção da dimensão do lugar, que ficava à beira-mar, isolado da cidade – lá, Jackie Kennedy passava a infância com seus pais. Já Big Edie, na cama, traz outras lembranças dos anos dourados, quando integrava a alta sociedade, era cantora e se sentava à mesa de celebridades artísticas e políticos.
Os gatos, guaxinins, álbuns de fotografia e restos de lixo continuam aparecendo nas gravações – dois anos antes do lançamento do original ‘Grey Gardens’, mãe e filha estamparam as manchetes dos noticiários, em 1973, pois a mansão não tinha condições de higiene para moradia, estava tomada pelo abandono e por animais. Essa desorganização do ambiente reflete o estado mental das personagens, presas ao passado, que contam as mesmas histórias, usam roupas de antigamente e guardam ressentimentos.



O filme é um ótimo complemento do anterior, e está disponível em DVD pelo IMS, numa edição lançada em 2020, em dois discos – no primeiro, o original ‘Grey Gardens’ (1975), e no segundo disco, ‘As Beales de Grey Gardens’ (2006), além de 30 minutos de extra e um livreto de 44 páginas com textos de Albert Maysles e outros. Num dos trechos de seu texto, que está no livreto, Maysles diz assim sobre os dias que conviveu com as Beales para fazer os dois documentários: “Elas passavam seus dias não a perseguir o sucesso ou o reconhecimento social, mas, sim, cultivando as próprias relações amorosas conflituosas, entretendo uma à outra (e a nós) com tiradas espirituosas, trocadilhos, canções, poesia, dança e a recitação de memórias de seu passado. Elas encontram beleza até no inevitável envelhecimento da carne, que a maioria de nós tem pavor de enfrentar”.

As Beales de Grey Gardens (The Beales de Grey Gardens). EUA, 2006, 91 minutos. Documentário. Colorido/Preto-e-branco. Dirigido por Albert Maysles e David Maysles. Distribuição: IMS

sexta-feira, 26 de abril de 2024

Nota do Blogueiro


Cine Debate exibe amanhã documentário sobre questão indígena

O Cine Debate do Imes Catanduva exibe amanhã, dia 27/04, o documentário brasileiro “A nação que não esperou por Deus” (2015, 89 minutos), da premiada diretora Lucia Murat, que o fez ao lado do cineasta Rodrigo Hinrichsen. Sessão e debate será no Espaço de Tecnologia e Artes (ETA) do SESC Catanduva, às 14h, gratuito e aberto a todos os públicos. A mediação do debate será pelo idealizador do Cine Debate, o jornalista, professor do IMES e do SENAC e crítico de cinema Felipe Brida.

Sinopse do filme: 15 anos após realizar o drama ‘Brava gente brasileira’ (2000), a diretora Lucia Murat retorna à reserva dos Kadiwéus, no Mato Grosso do Sul. Agora os indígenas enfrentam os pecuaristas que nos últimos anos invadem e destroem as terras indígenas, demarcada naquela região há quase quarenta anos. Nesse documentário, Murat entrevista os indígenas que falam sobre a ocupação de suas terras e os conflitos, além da chegada da eletricidade e das tecnologias nas aldeias.



Cine Debate

O Cine Debate é um projeto de extensão do curso de Psicologia do IMES Catanduva em parceria o SESC e o SENAC Catanduva. Completou 12 anos em 2024 trazendo filmes cult de maneira gratuita a toda a população. Conheça mais sobre o projeto em https://www.facebook.com/cinedebateimes 


sábado, 20 de abril de 2024

Especial de cinema


O mal, o terrificante, o profano: uma análise de ‘A sentinela dos malditos’ a partir da Estética do Feio

Por Felipe Brida *

Em junho de 1968, um filme de terror estreava nas salas de cinema e mudaria para sempre a maneira de se fazer horror movies. ‘O bebê de Rosemary’, de Roman Polanski, era uma navalha no olho do público. Mexeu com os nervos das plateias num período em que a indústria de cinema norte-americana se reorganizava em torno da Nova Hollywood, um jeito diferente de se fazer cinema, rompendo com padrões estéticos/estilísticos, abrindo caminho para as produções autorais e trazendo para a telona temas infinitos e nunca explorados. ‘O bebê de Rosemary’ foi um marco expressivo desse momento, um terror psicológico moderno, com clima de mistério permanente e profundamente assustador com suas imagens delirantes. Deu margem para uma fila de cineastas rodarem obras semelhantes, com o mal encarnado em pessoas comuns, de lugares corriqueiros com manifestações demoníacas, e grupos de indivíduos performarem rituais satanistas. ‘A sentinela dos malditos’ (‘The sentinel’, de 1977) é um filho bastardo de ‘O bebê de Rosemary’, com personagens e ambientação semelhantes.


A protagonista é uma modelo chamada Alison Parker (Cristina Raines, de ‘Nashville’, de 1975, e ‘Os duelistas’, de 1977), que, mesmo contra sua vontade, irá se casar com o charmosão Michael Lerman (Chris Sarandon, de ‘Um dia de cão’, de 1975, e ‘Brinquedo assassino’, de 1988). Antes do matrimônio, ela quer passar uma pequena temporada sozinha. Procura então um apartamento em Nova York para residir. Anda por alguns bairros e chega ao Brooklyn. Alison vai até a um edifício antigo, de estilo londrino, cujo aluguel é bem barato. Ela não desconfia do local, faz a mudança e começa a se adaptar ali. Solitária no apartamento, relembra o trágico passado que a fez tentar suicídio: na adolescência, o pai, mulherengo, fazia orgias em sua casa com meia dúzia de mulheres, e ela observava tudo escondida. Uma vez, surpreendida pelo pai nu, num dos bacanais, apanhou bastante dele. Quando flashbacks dessa época vêm à mente, ela se petrifica e desmaia. Atualmente, o pai está hospitalizado, agonizando na cama, e ela não o visita. O passado se mistura ao presente, parece que Alison volta na casa da adolescência e vê aquela garota indefesa e traumatizada perambulando pelo atual apartamento. Ela recebe todo dia a visita de um vizinho, Sr. Chazen (Burgess Meredith, de ‘Rocky, um lutador’, de 1976, e ‘Fúria de titãs’, de 1981), um idoso alegre, que mora com um gato e um passarinho. Parece se acostumar ao lugar. Quando explora o prédio, dá de cara com Gerde (Sylvia Miles, de ‘Perdidos na noite’, de 1969, e ‘Pague para entrar, reze para sair’, de 1981), uma professora de balé, cuja pupila fica grudada a ela no sofá. Percebe, com o passar dos dias, que todos os moradores são idosos, alguns receptivos, outros arredios. Alison passa a presenciar fatos estranhos, como o gato de Sr. Chazen trucidando o passarinho amarelo dele, e situações incômodas, como a pupila da professora de balé que tem tremores numa espécie de frisson sexual. O espectro do pai doente vem visitá-la no apartamento. E tudo evolui para algo mais complexo, diabólico e aterrador. Paralelamente, um cardeal, Franchino (Arthur Kennedy, de ‘A caldeira do diabo’, de 1957, e ‘Lawrence da Arábia’, de 1962), recebe um sinal para ajudar aquela garota.
Nesse terror satanista, claustrofóbico e nauseante, nunca a Estética do Feio esteve tão bem representada. Umberto Eco, no notório livro ‘História da Feiura’ (2007), faz um passeio pela História da Arte, pela música e pelo cinema ao estudar o ‘feio’ como estilo. Eco diz que o feio é “aquilo que é repelente, horrendo, asqueroso, desagradável, grotesco, abominável, vomitante, odioso, indecente, imundo, sujo, obsceno, repugnante, assustador, abjeto, monstruoso, horrível, hórrido, horripilante, nojento, terrível, terrificante, tremendo, monstruoso, revoltante, repulsivo, desgostante, aflitivo, nausebundo, fétido, apavorante, ignóbil, desgracioso, desprezível, pesado, indecente, deformado, disforme, desfigurado (para não falar das formas como o horror pode se manifestar em territórios designados tradicionalmente para o belo, como o legendário, o fantástico, o mágico, o sublime”. (ECO, 2007, p.18 e 19).
Ainda em ‘História da Feiura’, na introdução, Eco cita uma passagem de ‘Crepúsculo dos ídolos - ou Como filosofar com o martelo’, penúltimo livro de Nietzsche, publicado em 1888. Nietzsche diferencia assim a Estética do belo e do feio: “No belo, o ser humano se coloca como medida da perfeição; [...] adora nele a si mesmo. [...] No fundo, o homem se espelha nas coisas, considera belo tudo que lhe devolve a sua imagem. [...] O feio é entendido como sinal e sintoma de degenerescência [...] Cada indício de esgotamento, de peso, de senilidade, de cansaço, toda espécie de falta de liberdade, como a convulsão, como a paralisia, sobretudo o cheiro, a cor, a forma da dissolução, da decomposição [...] tudo provoca a mesma reação: o juízo de valor ‘feio’. [...] O que odeia aí o ser humano? Não há dúvida: o declínio de seu tipo”. (ECO, 2007, p.15, apud NIETZSCHE, 1888, p.33).




Em ‘A sentinela dos malditos’, o feio reside no clima constante de agouro e morte, nas criaturas apodrecidas e deformadas como se fossem mortos-vivos que vão surgindo na tela, na explosão de choque e horror de algumas sequências de violência. A protagonista, diante do horror imanente que toma conta daquele prédio, confunde realidade com tormento. Cenas impressionam com a qualidade do feio - o pai doente, que aparece de repente com bolhas nojentas no rosto, quase em estado de putrefação, demarca o feio na condição do grotesco, do repelente e do fétido (segundo Eco e também de acordo com Wolfgang Kayser em seu livro ‘O grotesco’); um padre decrépito, misterioso e cego, que não fala, que mora no último andar do prédio e fica na janela como um guardião olhando para fora, está no território do feio menos pungente, do feio mais normalizado, que é o do aflitivo e do assustador; mulheres canibais nuas que comem um morto e se esbaldam nas vísceras entra na aura do feio vomitante, indecente, imundo e obsceno; e no desfecho, no desfile de monstruosidades, a horda de gente amórfica, com deformações, que sai do inferno para atacar (um deles tem um saco escrotal nas bochechas), transita, pelo que Eco destaca, no ambiente do feio monstruoso, nauseabundo, desprezível, disforme e desfigurado.
Ainda se pensarmos na estética do Feio, discute-se no filme o ‘mal moral’, conceito do filósofo alemão Karl Rosenkranz, que também estudou o feio nas culturas e na religião, e publicou em 1853 uma obra visionária, didática e precursora, ‘Estética do Feio’. O feio, para Rosenkranz, é o “Inferno do belo”, e características como ‘demoníaco’, o ‘satânico’, o ‘espectral’ e o ‘feiticeiresco’, temas que circulam no filme, fixam-se como qualidades do feio, que são todas opostas ao ‘belo clássico’ e ao ‘belo natural’. O pecado e o profano, presentes no filme, integram o ‘mal moral’, portanto, feio.






Devido a essas cenas fortes, de impacto visual, e pelo filme trazer símbolos religiosos profanados, recebeu classificação ‘R-Rated’, ou seja, para maiores de 18 anos.
O diretor inglês Michael Winner, profícuo nos anos de 1970 e 1980, que chegou a rodar três filmes por ano, realizou muitos de ação, como ‘Assassino a preço fixo’ (1972), ‘Scorpio’ (1973), ‘Jogo sujo’ (1973) e o mais famoso deles, que teve continuações e remake, ‘Desejo de matar’ (1974), todas fitas policiais violentas. Havia experimentado o terror antes com ‘Os que chegam com a noite’ (1971), uma prequela de ‘Os inocentes’ (1961), com personagens extraídos do romance ‘A volta do parafuso’, de Henry James. Winner produziu ‘A sentinela dos malditos’ ao lado de Jeffrey Konvitz, o escritor do livro que originou o filme, e ambos fizeram o roteiro adaptado. Winner escalou para o filme um time de primeira, de atores e atrizes famosos e indicados a Oscar, em participações especiais. Ava Gardner é a dona do apartamento que a aluga para a modelo, Arthur Kennedy é o cardeal, John Carradine é o padre senil e cego, Burgess Meredith e Sylvia Miles são os vizinhos da modelo, Eli Wallach é um detetive, José Ferrer é um padre, Jerry Orbach como o diretor de fotos da modelo, e Martin Balsam, um professor. Vemos pontinhas de novatos, como Jeff Goldblum na pele de um fotógrafo de moda, Beverly D’Angelo como a aluna de balé que tem um caso com a professora, Christopher Walken como um jovem detetive, e Tom Berenger como um inquilino. Cristina Raines e Chris Sarandon viviam o auge de suas carreiras e protagonizam o filme.
A sinistra atmosfera de ‘O bebê de Rosemary’ é presente nesse filme, assim como outros dois filmes de Roman Polanski, que andam juntos com ‘O bebê’ e podem ser entendidos como uma trilogia – ‘Repulsa ao sexo’ (1965) e ‘O inquilino’ (1976). Os três tratam de confinamento, alienação, tormento e loucura, com personagens face a face com estranhas manifestações, e a história dos três se desenrola num apartamento fechado, como ocorre em ‘A sentinela dos malditos’.
Originalmente da Universal Pictures, o filme foi rodado no Brooklyn novaiorquino, durante dois meses.


* Resenha escrita especialmente para o livro " Obras-Primas do terror - Pérolas da coleção" - foto acima, lançado pela Versátil Home Video em março desse ano. Livro disponível para venda no site da Versátil, diretamente no link https://www.versatilhv.com.br/produto/livro-obras-primas-do-terror-perolas-da-colecao/5543515

Estreias nos cinemas

 

José Aparecido de Oliveira – O maior mineiro do mundo (2019)

 

Documentário brasileiro sobre a trajetória do jornalista, deputado federal por Minas Gerais – depois cassado na Ditadura militar, Governador do Distrito Federal, Ministro da Cultura no Governo Sarney e Embaixador José Aparecido de Oliveira (1929-2007), que trabalhou em prol a cultura e conviveu com autoridades do meio político, empresarial e cultural do Brasil e do mundo. Imagens de arquivo e vídeos dele compõem o filme, juntamente com depoimentos de amigos como Fernanda Montenegro, Ziraldo, José Sarney, Luiz Carlos Barreto, Vladimir Carvalho, Jaguar e Celso Amorim. Exibido no Festival de Brasília de 2019, o filme entra somente agora nos cinemas, depois de cinco anos, em salas do RJ, SP, Brasília e BH. Distribuição da Bretz Filmes.

 


 

Névoa prateada (2023)

 

Coprodução Holanda e Reino Unido, esse contundente e dramático filme independente conta a história de uma jovem enfermeira que busca se vingar dos culpados pelo acidente que deixou seu corpo com graves queimaduras. Enquanto revê o passado, apaixona-se por uma paciente do hospital onde trabalha, e juntas fogem para uma cidadezinha do litoral. A ótima atriz Vicky Knight, que de verdade teve 40% do corpo queimado por causa de um incidente, ganhou o prêmio de júri no Teddy, no Festival de Berlim, e lá o filme concorreu ao Panorama. A diretora iniciante Sacha Polak conduz o elenco de maneira formidável e dá uma aula na condução da história e na fotografia. Exibido na Mostra Intl. de Cinema de SP do ano passado, acaba de estrear nos cinemas das principais capitais. Distribuição da Bitelli Films.

 


 

Zona de exclusão (2023)

 

A diretora polonesa Agnieszka Holland, de ‘Colheita amarga’ (19), ‘Filhos da guerra’ (2023) – pelo qual foi indicada ao Oscar de roteirista, e de mais de 30 longas, muitos deles premiados em festivais como Berlim, Cannes e Veneza, faz aqui um retrato dramático e contundente sobre refugiados de guerra em meio a uma crise humanitária sem fim. Uma família síria escapa da guerra civil no país e ao lado de um professor afegão, seguem até a fronteira entre a Polonia e Belarus para pedir ajuda. Lá se encontram com um guarda e uma ativista que dão apoio a refugiados na floresta. Com 153 minutos, todo feito em preto-e-branco – aliás, um capricho de fotografia, o filme dá uma dimensão humana ao tratar dos horrores da guerra. Foi aplaudido nos diversos festivais por onde passou, e em Veneza, recebeu sete prêmios especiais, um marco no festival, dentre eles o do júri, além de ser indicado ao Leão de Ouro. Está nos cinemas brasileiros, com distribuição da A2 Filmes.

 


terça-feira, 16 de abril de 2024

Resenhas Especiais


Coleção ‘Sessão dupla: Tomates assassinos’

A Obras-primas do Cinema acaba de lançar em DVD no Brasil a coleção ‘Sessão dupla: Tomates assassinos’, com os dois primeiros longas da popular franquia de filmes B de comédia com terror. Confira abaixo resenha sobre eles.



O ataque dos tomates assassinos

Cidade é atacada por tomates mutantes assassinos, que rolam e esmagam as pessoas. Quem conseguirá salvar os habitantes de lá?

Impressionante como essa franquia de filmes B atravessou o tempo e continua cultuado no mundo. Roteiros bem fuleiros e difíceis de engolir, baixíssimo orçamento e atores amadores são o ‘tchan’ desses filmes feitos para consumo imediato, que ainda causam risos e nunca devem ser levados a sério. Foi aqui que tudo começou, em ‘O ataque dos tomates assassinos’, em 1978, um longa-metragem feito a partir de um curta de mesmo nome e diretor, John De Bello, produzido dois anos antes. A ideia é simples – uma cidadezinha americana vira alvo de tomates mutantes que andam juntos, rolam e esmagam as pessoas. Alguns crescem, ficam do tamanho de um carro, e passam a ser temidos pelos moradores. Então um grupo de cientistas e policiais corre contra o tempo para caçar os frutos malditos.
Os tomates ficam mutantes por causa do uso irregular de agrotóxicos numa área controlada – está aí uma crítica contra o abuso desses insumos, mas que passa desapercebida diante de tanta maluquice.




Há uma profusão de gêneros nesse primeiro filme, como aventura, scifi, comédia e terror. É um besteirol trash que ficou lendário, tanto que ganhou várias continuações, todas bem doidas, e uma série animada para TV. há poucos efeitos especiais, e os tomates são todos de verdade, exceto os tomatões de espuma e isopor que rolam – perceba que eles não têm rosto, são os frutos que voam sobre as pessoas, e somente no terceiro filme eles teriam olhos e dentes afiados. Segundo os produtores, foram apenas U$ 90 mil de orçamento para produzir o filme, na época exibido em poucos cinemas alternativos – no Brasil estreou em dezembro daquele mesmo ano, 1978, dois meses depois de passar nos EUA, mas o filme foi percorrendo os cinemas ao longo dos anos seguintes – por exemplo, na Alemanha o longa entrou apenas em 1983.
Na época existia uma premiação dos piores do ano, o ‘The Stinkers Bad Movie Awards’, parecido com o Razzie Awards; ‘O ataque dos tomates assassinos’ recebeu indicação de ‘Pior senso de direção’ para John De Bello – e no título da categoria completaram assim ‘Worst sense of direction (Stop them before they direct again!)’, ou seja, ‘Parem eles antes que dirijam algo de novo’.
A distribuidora Obras-primas do Cinema acaba de lançar os dois primeiros filmes em DVD no Brasil, na coleção ‘Sessão dupla: Tomates assassinos’, restaurados em 2K. Os dois filmes vêm em edição especial de colecionador com luva e cards. A versão de ‘O ataque dos tomates assassinos’ é a de cinema, com 83 minutos, e não a versão do diretor, com 90 minutos.

O ataque dos tomates assassinos (Attack of the killer tomatoes!). EUA, 1978, 83 minutos. Aventura/Comédia/Terror. Colorido. Dirigido por John De Bello. Distribuição Obras-primas do Cinema


A volta dos tomates assassinos

Dois amigos pizzaiolos, Matt (George Clooney) e Chad (Anthony Starke), encontram um problemão pela frente - um cientista maluco que promete devastar o mundo com seus tomates letais criados em laboratório.

Também conhecido como ‘O retorno dos tomates assassinos’, essa foi a primeira continuação maluca e tresloucada do original, ‘O ataque dos tomates assassinos’ (1978), porém com mais orçamento. Realizado dez anos depois, traz na trama dois amigos pizzaiolos (George Clooney e Anthony Starke, ambos em início de carreira), que tentam parar um cientista maluco, Dr. Gangreen - papel insano do comediante John Astin, o Gomez da série clássica ‘A família Addams’ (1964-1966), de produzir tomates assassinos para atacar o mundo. Eles correm contra o tempo, encontram garotas bonitas pelo caminho e ficam amigos de tomate brincalhão, um híbrido peludo e fofinho.
Com poucas cenas de ação e até menos aparição de tomates assassinos, o filme, um B por natureza, é muito cultuado pelos fãs da franquia que foi se popularizando com os anos e atravessando as décadas – depois desse vieram mais duas continuações, todas do mesmo diretor, John De Bello, ‘Os tomates assassinos atacam novamente’ (1991) e ‘Os tomates assassinos atacam a França’ (1992), sem contar a série de TV animada, com duas temporadas, ‘O ataque dos tomates assassinos’ (1990-1991).



Os dois protagonistas se divertem nessa brincadeira e estão à vontade nos papeis dos amigos dispostos a acabar com os tomates assassinos, Anthony Starke – que no ano seguinte faria ’007 – Permissão para matar’ (1989), e George Clooney – na época tinha 26 anos, só havia aparecido em algumas séries dos anos 80, até fazer filmes B de terror, como ‘De volta à escola dos horrores’ (1987), e somente oito anos depois se consagraria, em ‘Um drink no inferno’ e ‘Um dia especial’, ambos em 1996. O vilão, Dr. Gangreen, volta nas continuações, com o mesmo ator, John Astin.
Disponível em DVD na Coleção ‘Sessão dupla: Tomates assassinos’, disco único com os dois primeiros filmes, e 30 minutos de extras, com entrevistas com diretor e elenco. A versão de ‘A volta dos tomates assassinos’ é a de cinema, com 98 minutos – isso porque houve uma versão editada, lançada no Reino Unido e outros países, com 94 minutos.

A volta dos tomates assassinos (Return of the killer tomatoes!). EUA, 1988, 98 minutos. Aventura/Comédia. Colorido. Dirigido por John De Bello. Distribuição Obras-primas do Cinema

domingo, 14 de abril de 2024

Especial de Cinema


‘É Tudo Verdade’ anuncia vencedores; confira novos filmes que vi no festival

O ‘É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários’ divulgou na noite de ontem os vencedores da sua 29ª edição. Os filmes premiados nas categorias Melhor Longa-Metragem Internacional e Melhor Longa-Metragem Brasileiro terão novas exibições ao público hoje, dia 14, às 16h e 18h, respectivamente, no Espaço Itaú Augusta, em São Paulo e, nos mesmos horários, no Estação NET Botafogo, no Rio de Janeiro.


‘Tesouro Natterer’ foi o vencedor da Competição Brasileira de Longas ou Médias-Metragens e recebe como prêmio R$ 20.000,00 e Troféu É Tudo Verdade. ‘Cento e quatro’ venceu na Competição Internacional de Longas ou Médias-Metragens e recebe, portanto, R$ 12.000 e o Troféu É Tudo Verdade.
O júri concedeu Menção Honrosa a ‘Diários da Caixa Preta’ e Menção Especial à ‘Zinzindurrunkarratz’.
O melhor curta-metragem brasileiro, eleito pelo mesmo júri, foi ‘As placas são invisíveis’, que recebe como prêmio R$ 6.000,00 e o Troféu É Tudo Verdade. Também foi outorgada menção honrosa para o curta ‘Aguyjevete Avaxi’i’.
'Só a lua entenderá’ foi eleito o melhor curta-metragem internacional, e recebe R$ 6.000,00 e o Troféu É Tudo Verdade. Segundo o júri oficial.
Hoje é o último dia do ‘É Tudo Verdade’, que segue em São Paulo e no Rio de Janeiro, gratuito ao público.
Confira mais quatro bons docs que assisti no festival.

 

 

O mundo é família (Índia, 2023, 96 minutos, de Anand Patwardhan)

 

Rodado na Índia, esse bom documentário passou em importantes festivais como Toronto, Mumbai e Amsterdã. Trata sobre a política das castas no país, a partir da visão do diretor Anand Patwardhan e de parte de sua família, com foco nos seus pais velhos e doentes. Enquanto Patwardhan colhe os depoimentos, a História da Independência da Índia mostra que o conceito milenar de castas foi abolido, no entanto a discriminação permanece contra os mais pobres.

Sessões: 14/04, 14h30, no IMS Paulista - SP. Gratuito.

 


 

Luiz Melodia: No coração do Brasil (Brasil, 2024, 75 minutos, de Alessandra Dorgan)

 

O doc estreia hoje à noite no festival como filme de encerramento da edição desse ano, exibido em SP e no RJ no mesmo horário, 20h30. Narrado em primeira pessoa pelo próprio cantor e compositor Luiz Melodia (1951-2017), é uma imersão em seu vasto processo criativo, desde a infância no Estácio junto ao Morro de São Carlos, no RJ, a influência do pai na música, as dificuldades na incursão musical, a chegada aos palcos e as parcerias com grandes nomes da MPB. Não é um doc linear, conta com imagens e vídeos inéditos de arquivo pessoal do cantor, e como resultado é um presente para lembrarmos da vida e obra de Melodia.

Sessões: dia 14/04, 20h30, no Espaço Itaú de Cinema Augusta – SP; e dia 14/04, 20h30, no Estação Net de Cinema Botafogo - RJ. Gratuito.

 


 

Primárias (EUA, 1960, 53 minutos, de Robert Drew)

 

‘Primárias’ é um filme memorável do universo dos documentários, selecionado para a programação do ‘Clássicos É Tudo Verdade’, e agora disponível numa cópia restaurada da The Criterion Collection. O doc traz as primárias do Partido Democrata de 1960, quando dois nomes fortes concorriam: John F. Kennedy e Hubert Humphrey, dois senadores. O filme, em preto-e-branco e com apenas 53 minutos, flagra o lado dos dois adversários, buscando apoio popular, em reuniões e dando depoimentos para a câmera. Logicamente as imagens prestam mais atenção em Kennedy, um líder político nato e carismático que era ovacionado por onde passava. Vale muito assistir ao filme, ainda mais nessa cópia com alta qualidade de som e imagem.

Sessões: 14/04, 13h30, no Estação Net de Cinema Botafogo - RJ. Gratuito.

 


 

Fernanda Young: Foge-me ao controle (Brasil, 2024, 87 minutos, de Susanna Lira)

 

Um documentário forte e estiloso que tem traços de ensaio sobre a escritora, roteirista de cinema e apresentadora Fernanda Young (1970-2019), que morreu precocemente aos 49 anos deixando uma vasta obra literária que, acredito eu, não tem o devido reconhecimento. A premiada diretora Susanna Lira, de ‘Torre das donzelas’ (2018), ‘Mussum, um filme do cacildis’ (2019) e ‘A mãe de todas as lutas’ (2022), opta por uma narrativa nada convencional de documentários biográficos – não há preocupação com cronologias nem linearidade, o filme é invadido por momentos de puro êxtase de Fernanda da juventude aos momentos finais, com narrações dela mesma e de narradores convidados lendo seus textos - ela era uma fera com sua escrita nua e crua, e o doc capta a essência da escritora/roteirista.

O filme não está mais em exibição no festival - foram quatro sessões entre os dias 07 e 12/04, em SP e no RJ.

 

Para mais informações sobre o festival, acesse o site https://etudoverdade.com.br/

sábado, 13 de abril de 2024

Especial de Cinema


Mais quatro filmes conferidos do 'É tudo verdade'; festival segue até amanhã

O Festival Internacional de Documentários ‘É Tudo Verdade’ segue em São Paulo e no Rio de Janeiro até amanhã, dia 14, gratuito ao público. Confira mais quatro bons docs que conferi no festival desse ano.

 

Copa de 71 (Reino Unido, 2023, 89 minutos, de Rachel Ramsay e James Erskine)

 

Um grupo de ex-jogadoras de futebol contam casos curiosos sobre a Copa do Mundo Feminina de 1971 (um torneio não-oficial), quando as seleções da Inglaterra, Argentina, México, França, Dinamarca e Itália se confrontaram no Estádio Azteca, na Cidade do México, jogando para uma multidão de mais de 100 mil torcedores. O torneio foi amplamente televisionado e virou alvo de inúmeras discussões e especulações. Essas mulheres enfrentaram preconceito e ajudaram a consolidar torneios femininos de futebol pelo mundo afora. Muito legal e bem editado, é um dos bons trabalhos do diretor James Erskine, que fez o doc sobre Billie Holiday, ‘Billie’ (2019), outros sobre esportes, como ‘A batalha dos sexos’ (2013) e ‘Sachin’ (2017), e ainda a o drama ‘Driblando a guerra (2014) – aqui ele dirige junto da produtora de seus filmes, Rachel Ramsay. Exibido nos festivais de Toronto, Londres, Cleveland, Miami e CPH DOX.

Sessões: Dia 13/04, 17h, no IMS Paulista - SP. Gratuito.

 


 

Retomada (Brasil, 2024, 72 minutos, de Ricardo Martensen)

 

Um brilhante documentário brasileiro que adensa a questão indígena, disponível na programação ‘O estado das coisas’ do Festival É Tudo Verdade. O filme acompanha três indígenas, das comunidades tupinambá, munduruku e tapajós, com a mesma luta – manter sua identidade viva, preservar a floresta e denunciar desmatadores e o garimpo ilegal em órgãos nacionais e internacionais. ‘Retomada’ é um filme-denúncia correto e que nos abre ainda mais os olhos sobre a luta contínua dos indígenas no Brasil.

Sessões: Dia 13/04, 16h, no Estação Net de Cinema Botafogo – RJ; dia 14/04, 14h, no Estação Net de Cinema Rio; e dia 14/04, 19h, no Centro Cultural São Paulo – Sala Lima Barreto. Gratuito.

 


 

O cinema por dentro (EUA/Turquia/Japão, 2023, 93 minutos, de Chad Freidrichs)

 

Um doc metalinguístico e repleto de análises de filmes, da era muda ao cinema contemporâneo. Um pesquisador atua numa tese sobre a relação do ‘piscar’ dos olhos e dos cortes de cinema, procurando responder como se dá a percepção humana diante de um filme. A partir daí, ele percorre montanhas remotas da Turquia para exibir trechos de filmes aos moradores e conversar sobre suas impressões em torno da montagem cinematográfica.

Um aulão de cinema da melhor qualidade, sobre um tema que nunca paramos para questionar.

Sessões: 13/04, 16h, no Espaço Itaú de Cinema Augusta – SP; e dia 14/04, 14h30, na Cinemateca Brasileira – SP. Gratuito.

 


 

Mixtape La Pampa (Argentina/Chile, 2023, 104 minutos, de Andrés Di Tella)

 

Indicado ao prêmio de melhor documentário nos Festivais de San Sebastián e Mar del Plata, a coprodução Argentina/Chile vasculha a biografia de William Henry Hudson, um cidadão misterioso nascido na Argentina, que se tornou escritor na Inglaterra e trabalhou como naturalista e ornitólogo. Andando pelos pampas, a equipe de filmagem cruza as trilhas por onde Hudson esteve, e enquanto nos é revelada a dúbia personalidade do escritor-tema do filme, a História da Argentina é relembrada. ‘Mixtape La Pampa’ é um dos fortes destaques da edição desse ano do É Tudo Verdade.

Sessões: 13/04, 19h30, no IMS Paulista - SP. Gratuito.



quinta-feira, 11 de abril de 2024

Especial de Cinema


Mais cinco bons filmes do 'É tudo verdade'; festival segue até dia 14

O Festival Internacional de Documentários ‘É Tudo Verdade’ segue em São Paulo e no Rio de Janeiro até o dia 14 de abril, com mais de 70 filmes gratuitos ao público. Confira mais cinco bons docs que conferi no festival.

 

‘O cinema tem sido o meu amor: O trabalho e a vida de Lynda Myles’ (Reino Unido, 2023, 75 minutos, de Mark Cousins)

 

O documentarista irlandês Mark Cousins está no Brasil para ser homenageado no ‘É Tudo Verdade’. O festival faz, nesse ano, uma retrospectiva da carreira do diretor, com oito filmes dele na programação – seis antigos e duas estreias. ‘O cinema tem sido o meu amor: O trabalho e a vida de Lynda Myles’ (2023) é um de seus novos trabalhos, um doc que acompanha o olhar da produtora de cinema Lynda Myles em torno de filmes que a marcaram. Produtora de longas-metragens de Alan Parker e Stephen Frears e uma das fundadoras do Edinburgh Film Festival, Lynda, em pé, em frente a um telão com fragmentos dessas obras, ela discute clássicos como ‘Depois do vendaval’, ‘Rio vermelho’, ‘O beijo amargo’, ‘Cadáveres ilustres’ e ‘Paris, Texas’, e comenta alguns que produziu, como ‘The commitments – Loucos pela fama’ e ‘A van’. E também defende cineastas esquecidos, como Douglas Sirk e Samuel Fuller. Um doc primoroso, uma aula de cinema e um deleite aos fãs de filmes clássicos.

Sessões: Dia 11/04, 17h, no Estação Net de Cinema Botafogo – RJ; e dia 12/04, 19h, no Estação Net de Cinema Rio – RJ. Gratuito.

 


‘Lampião, governador do sertão’ (Brasil, 2024, 90 minutos, de Wolney Oliveira)

 

Lampião: herói ou bandido? Essa é a pergunta que tentam responder nesse bom documentário do diretor cearense Wolney Oliveira, de ‘A ilha da morte’ e ‘Os últimos cangaceiros’. A trajetória de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, de Maria Bonita e de seu bando é mostrada a partir de uma série de depoimentos de historiadores, escritores (como Ariano Suassuna), do próprio povo e até de familiares de Lampião, como netos e uma irmã dele; uns o apontam como uma figura heroica, um protetor, outros dizem que foi o maior bandido que houve no Brasil, que aterrorizou o Nordeste e responsável por dezenas de mortes violentas. O perfil de Lampião é aqui traçado nos pormenores, e o doc trata de seu legado e da formação de um mito moderno.

Sessões: Dia 11/04, 20h30, no Espaço Itaú de Cinema Augusta - SP; e dia 12/04, 19h30, na Cinemateca Brasileira - SP. Gratuito.

 


‘Uma estória americana’ (França/Itália, 2023, 65 minutos, de Jean-Claude Taki e Alexandre Gouzou)

 

Doc metalinguístico e que diz muito aos fãs do cinema autoral, sobre um roteiro inacabado do cineasta italiano Michelangelo Antonioni. A história mostra um produtor de cinema português, Paulo Branco, que tentou mobilizar, nos anos 80, uma equipe de cinema para fazer o filme de Antonioni acontecer.  No meio do processo, Antonioni sofreu um AVC, que paralisaria seu corpo e o impediria de falar. O roteiro é interrompido por 10 anos, até que em 1995, Antonioni recupera partes da fala e dos movimentos do corpo. O roteiro é retomado, mas surgem outras dificuldades técnicas e financeiras para dar seguimento ao trabalho. Branco e parte da equipe envolvida fala sobre o complexo processo desse filme abandonado, uma obra perdida que discutiria uma nova visão sobre a América entrelaçando temas existenciais. Já que o de Antonioni não existiu, há esse doc que conta como tudo começou e como (quase) terminou.

Sessões: Dia 12/04, 17h, no IMS Paulista - SP. Gratuito.

 


‘E assim começa’ (Filipinas/EUA, 2024, 99 minutos, de Ramona S. Diaz)

 

Segundo filme de Ramona S. Diaz exibido no ‘É Tudo Verdade’ sobre as eleições nas Filipinas. É como uma continuação/complemento do anterior, o impactante ‘Mil cortes’ (2020), e ambos tratam da crise política no país a partir da eleição de Duterte, um ditador ultraconservador que atacava adversários, mulheres e minorias, e usou as redes sociais para pregar discurso de ódio. Em ‘E assim começa’, o foco é a disputa eleitoral em 2022 nas Filipinas, num acirramento entre dois candidatos, a vice-presidente no governo Duterte, Leni Robredo, e o filho do ex-ditador Ferdinand Marcos, de mesmo nome. Enquanto as ruas são tomadas por campanhas e protestos, a jornalista Nobel da Paz Maria Ressa luta incansavelmente pela liberdade de imprensa. Um baita filme, um dos grandes destaques do ‘É Tudo Verdade’ desse ano – foi exibido nos festivais de Sundance e no CPH DOX.

Sessões: Dia 12/04, 16h, no Estação Net de Cinema Botafogo - RJ. Gratuito.

 


‘Celluloid underground’ (Irã/Reino Unido, 2023, 80 minutos, de Ehsan Khoshbakht)

 

A história desse bom documentário é especial e corajosa: um colecionador de filmes de Teerã tem a dura missão de guardar e proteger milhares de filmes em película e em VHS do novo regime autoritário que se ergue no país. Como é sabido, ditadores do Irã ficaram conhecidos por queimarem filmes e livros, praticando abertamente a censura. Ameaçado de morte no Irã e agora exilado em Londres, ele vira símbolo de resistência. Esse é Ehsan Khoshbakht, que além de ser colecionador e ativista, é o roteirista, diretor e narrador do documentário – antes ele fez o doc ‘Filmfarsi’ (2019). Exibido no festival de Londres, foi aplaudido por onde passou. Adorei e recomendo a todos.

Sessões: Dia 13/04, 14h30, no IMS Paulista - SP. Gratuito.

 


Para mais informações sobre o festival, acesse o site https://etudoverdade.com.br/