Milonga
Com dois prêmios no Cine
Ceará de 2024, a coprodução Uruguai/Argentina da estreante cineasta uruguaia Laura
González chegou ao circuito de cinema brasileiro com pouca repercussão do
público, infelizmente. É um bom filme, um delicado drama bem construído e bem
interpretado, que passou despercebido aos olhos das pessoas – e incluo aqui a
crítica. Os dois países sul-americanos produtores sabem contar histórias de traumas,
superação e memória, e ‘Milonga’ segue nesse escopo. O drama acompanha Rosa (Paulina
García, chilena premiada como melhor atriz no Festival de Berlim por ‘Glória’,
a versão original de 2013), uma senhora que ficou viúva há poucos meses, após
longa dedicação ao marido. Ela sofreu nas mãos dele, um cidadão violento. Sozinha,
afasta-se da única pessoa da família, o filho. Um dia descobre na milonga, um
ritmo derivado do tango, uma forma de superação dos traumas passados. Ela passa
a frequentar um salão de dança para pessoas idosas. Lá conhece Juan (o uruguaio
Cesar Troncoso, que fez diversos filmes no Brasil), e os dois iniciam uma amizade
que extravasará para fora do salão de dança. Um filme feminino em que a
protagonista é encorajada a resolver seus problemas por meio da arte e assim
seguir a vida com outros olhares. Também toca em feridas das mulheres agredidas
e abusadas por seus companheiros, mostrando as marcas psicológicas duradoras da
violência doméstica. Um bom exemplar da nova safra do cinema latino-americano contemporâneo.
Nos cinemas pela Kajá Filmes.
Nosso natal em
família
Exibido na Quinzena dos
Diretores do Festival de Cannes e depois no Brasil pela Mostra Internacional de
Cinema de São Paulo de 2024 com o título de ‘Véspera de Natal em Miller’s Point’,
a comédia superpessoal do jovem cineasta Tyler Taormina é uma homenagem aos
natais de sua família, na época da infância do diretor. Ali observamos uma
família cheia de vícios e situações burlescas. É um ‘Parente é serpente’ menos dark,
mas tão afetivo quanto. A história se passa na véspera de natal, e uma típica
família americana se reúne para o evento de fim de ano. Na casa da matriarca
vem filhos e filhas, primos distantes, numa noite regada a comida, conversas aleatórias
e trocas de presente. Mas como em toda família haverá conflitos e desencontros.
Participam ali três gerações, e aquela noite poderá ser o último encontro natalino
no antigo lar dos avós, que estão bem idosos. O filme tem drama e um fino
humor, sem nada escrachado, com momentos humanos e piadas sutis. Há muitos
diálogos, e nós, o público, somos convidados a acompanhar os acontecimentos
pelos cômodos da casa. Há um tom envelhecido na imagem, tudo se passa dentro da
residência numa noite inteira, e, apesar de não citar, parece que o filme é na
década de 90 – ninguém tem celular e há uma TV de tubo onde as crianças jogam
videogame, particularidades daquela época. Gostei do longa porque nele recordei
dos finais de ano na casa da minha avó, e assim me transportei no tempo. O
elenco é interessante, com gente desconhecida e estreantes, mas alguns nomes curiosos,
como Sawyer Spielberg, Francesca Scorsese e Laura Robards, respectivamente
filhos de Steven Spielberg e Martin Scorsese, e neta de Jason Robards, além de participações
de Maria Dizzia, Ben Shenkman, Michael Cera e Elsie Fisher. Estreou anteontem,
no dia do Natal, com exclusividade na plataforma de streaming do Filmelier+.
Selena y Los Dinos:
Legado de família
Documentário
norte-americano da Netflix sobre a cantora nascido no Texas, mas de origem
mexicana, Selena Quintanilla (1971-1993), que virou um ícone pop nos anos 90,
mas que infelizmente teve a trajetória encerrada de forma prematura. Selena foi
assassinada com um tiro por uma ex-funcionária e presidente do fã-clube, aos 23
anos, no auge da carreira, enquanto se preparava para um show em Houston, no
Texas. Ela deixou marcas profundas na música tejana, um estilo que ela inovou,
e uma legião de adoradores ao redor do mundo, a maioria na América. O filme, premiado
no Festival de Sundance deste ano, reúne os membros da família Quintanilla, que
compunham a banda dela, Los Dinos: o irmão, a irmã, o namorado e o pai, que era
o empresário. A mãe de Selena, que acompanhava as turnês e auxiliava no
camarim, também fala no filme, bem como donos de gravadoras e músicos que
passaram pelo grupo. Los Dinos era uma banda dos anos 50 fundada pelo pai de
Selena, Abraham, que reunia amigos dele. A banda perambulou tanto no México
quanto nos Estados Unidos. Uma década e meia mais tarde, Abraham abriu no Texas
um restaurante com a família e lá, nos anos 70, reinventou Los Dinos trocando
os amigos pelos familiares – a filha mais velha na bateria, o filho da guitarra
e Selena, com seis anos, no vocal. A banda cresceu, ganhou destaque nas rádios
mexicanas e americanas, e Selena foi aos poucos vendo o sucesso se tornar realidade.
Ao longo da carreira, Selena manteve a família na banda, ganhou um Grammy, participou
do filme ‘Don Juan de Marco’ e fez centenas de shows pelo mundo levando o
dançante ritmo tejano para os quatro cantos. Quando gravou o primeiro disco com
letras em inglês, foi assassinada. No documentário, além das entrevistas atuais
com os familiares, há clipes, shows, entrevistas antigas e bastidores dos shows
de Selena. Eu gostei muito e pude conhecer mais sobre a cantora – há sobre ela
um filme biográfico com Jennifer Lopez indicada ao Globo de Ouro pelo papel, ‘Selena’
(1997), e também as duas temporadas de ‘Selena: A série’ (2020-2021), um
trabalho ficcional da Netflix. Agora vem esse bom doc em formato de filme, ‘Selena
y Los Dinos: Legado de família’, já disponível na Netflix.
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