Memórias
de um verão
Adaptação
de um livro dos anos 70 da escritora finlandesa Tove Jansson, o drama sobre
amadurecimento e relações afetivas de uma avó com sua neta traz uma
interpretação formidável de Glenn Close, veterana atriz que admiro muito pela
sua versatilidade. Sophia (Emily Matthews), uma garota de nove anos, viaja para
passar uma temporada com a avó (Glenn Close, oito vezes indicada ao Oscar) em
uma ilha na Finlândia. É verão, e a região é pouco habitada, o que fortalece os
vínculos das duas. Diariamente elas exploram os cantos da ilha e a natureza ali
presente. A mãe de Sophia faleceu há pouco tempo, assunto que a garota evita
falar, até que aquela ferida ‘aparece’ na conversa da avó com a neta. As belas
paisagens do litoral finlandês ajudam a compor a essência deste filme
sensorial, cheio de cenas em close-up – que favorecem as emoções e a relação de
alma daquela neta com sua carinhosa avó, numa família atravessada por um luto
recente. O filme foi todo rodado com luz natural, em pleno verão, em cidades
banhadas pelo Golfo da Finlândia, no Mar Báltico. O diretor norte-americano Charlie
McDowell, de ‘Complicações do amor’ (2014) e ‘A descoberta’ (2017), conduz com
sensibilidade o elenco e um tema tão profundo. A estreante atriz mirim Emily
Matthews é perfeita para o papel, e o filme conta com participação do ator
norueguês Anders Danielsen Lie, de ‘A pior pessoa do mundo’ (2021). Exibido nos
festivais de Miami, Munique e BFI London, teve estreia em cinemas brasileiros
na semana passada, com distribuição da Synapse Distribution.
Guarde
o coração na palma da mão e caminhe
Diretora
iraniana radicada na Europa, também roteirista de documentários premiados, Sepideh
Farsi realizou um dos filmes mais impactantes da temporada, um doc profundo
cujo pano de fundo é a Guerra de Gaza – iniciada em 2023 e que se arrasta até
hoje. O filme acompanha uma série de conversas entre Sepideh e a fotojornalista
palestina Fatma Hassona,
que também era poetisa - a primeira em sua residência na Europa, e a outra em
sua casa, em Gaza, sob ataques a bomba. As duas se comunicam via celular, em
chamadas de vídeo – uuma estética inovadora, ao mesmo tempo corajosa e delicada
pelos registros ao vivo, com longas sequências sem cortes em que as
interrupções se naturalizam, sejam por causa de uma bomba que explode nas
proximidades onde Fatma está ou pela queda de conexão da internet que distorcem
a imagem. As duas ficaram próximas, mesmo com a distância, e conversam sobre
temas que envolvem tanto o massacre dos palestinos pelas forças israelenses
quanto questões acerca do trabalho da fotojornalista, da mulher na sociedade
palestina, da relação dela com a família, da vida em Gaza, do medo do amanhã
etc. Gaza estava cercada e sob ataque, com bombardeios diários, que põe a vida
de Fatma e da família dela em risco constante. O filme é a compilação de
conversas que duraram 200 dias entre as duas, de 2024 e 2025, só terminando por
causa de uma tragédia que se tornou fato notório – como alguns podem não saber,
vou deixar em aberto espaço, sem revelar o ocorrido. Sepideh disse uma frase
marcante sobre a relação dela com Fatma: “Ela se tornou meus olhos em Gaza, e
eu, sua janela para o mundo”. Coprodução da França, Palestina e Irã, o filme
foi para Cannes, onde concorreu ao Golden Eye, depois exibido em festivais como
Edimburgo, Chicago, Montreal e Rio, e agora está nos cinemas com distribuição
da Filmes do Estação (distribuidora do Grupo Estação, fundada em 1990). Um dos
bons documentários do ano.
Sorry,
baby
A
Mares Filmes em parceria com a Alpha Filmes lançou nos cinemas na última semana
este bom longa independente premiado em dezenas de festivais como Sundance,
exibido nos festivais de Cannes e Toronto e recém-indicado ao Globo de Ouro de
melhor atriz de drama para Eva Victor, que também é a diretora e roteirista. Eva
fez uma pequena façanha cinematográfica: um filme cult curto, com elenco enxuto
e de tema provocador, sobre abuso sexual e masculinidade tóxica, sem ser
explícito, contando-o de maneira ao mesmo tempo simbólica e sensível. Ela
interpreta Agnes, uma estudante madura e dedicada, que um dia é convidada pelo professor
e orientador da faculdade para uma conversa particular em casa. No dia
seguinte, relata para a melhor amiga que foi abusada por ele – o que a deixa
despedaçada. Agnes só tem a amiga com quem contar, Lydie (Naomi Ackie), e aos
poucos se vê sozinha, enfrentando crises de pânico. O filme é inspirado no
verdadeiro abuso sofrido por Eva, e com destreza expôs as dolorosas feridas na
tela. Sem cair em clichê ou ser melodramática, Eva dosa o lado pesado da trama
com um certo humor, típico de seus trabalhos anteriores – ela era comediante em
programas de internet - mas com cautela, já que o tema do abuso é delicado e
não pode cair no deboche. A diretora/atriz/roteirista demonstra técnica e
seriedade com seu trabalho de estreia, que se tornou um fenômeno no circuito
independente de cinema e disputa vaga no Oscar de 2026, nas categorias de atriz
e roteiro. Fiquei maravilhado com o trabalho dela de atriz e de diretora, um
filme que merece ser descoberto.
Assassinato
em Mônaco
Documentário
da Netflix sobre a investigação em torno do assassinato de um dos homens mais
ricos do mundo, Edmond Safra (1932-1999), um banqueiro bilionário morto de
forma misteriosa em Mônaco. Produção britânica, o filme entrevista pessoas
ligadas a Safra, como amigos, enfermeiros que cuidaram dele e familiares, além
de investigadores, recorrendo a pouco material pessoal arquivo, já que Safra
era um homem reservado – o que mais se destaca são reportagens de TV da época.
Nascido em Beirute, Safra tornou-se um magnata, e logo naturalizou-se no
Brasil, onde casou com a brasileira Lily Safra, uma filantropa. Safra morreu
aos 67 anos em um incêndio em seu apartamento de luxo em Monte Carlo, Mônaco. O
principal suspeito foi o enfermeiro particular, Ted Maher, ex-Boina Verde, que
foi preso e confessou ter colocado fogo no apartamento de Safra – segundo ele,
era uma forma de resgatar o paciente e receber dele uma recompensa. Mas Ted
sempre negou ter matado Safra, apenas ter incendiado o apartamento. Diante
dessa dúvida, o filme procura responder perguntas que ainda pairam no ar –
Safra já estava morto quando o incêndio ocorreu? Se não, quem o matou, já que os
guarda-costas dele estavam de folga no dia do crime? No filme relata-se que a esposa
havia herdado boa parte da herança em vida, o que colocou Lily como suspeita. É
um documentário que destrincha o fato, acompanhando bastidores da investigação
e tentando colocar um ponto final nesta trama de crime e cobiça.
O
mistério da Família Carman
Documentário
investigativo da Netflix que se debruça em um caso complexo envolvendo
assassinato em família e uma herança milionária. Os fatos na Família Carman se
sucederam entre 2013 e 2016, com ampla repercussão nos Estados Unidos. Um jovem
chamado Nathan tornou-se o principal suspeito da morte do avô, John Chakalos,
um senhor com muito dinheiro em conta e aplicado em propriedades. John foi assassinado
a tiros enquanto dormia, em 2013. Três anos depois, em 2016, Linda, a filha
dele e mãe de Nathan, desapareceu em um acidente de barco durante uma pescaria;
ela estava com Nathan, que foi resgatado das águas pela Guarda Costeira. Uma apuração
interligando os dois casos deu-se pela polícia, e os crimes foram empurrados
para o colo do rapaz, que sempre negou ter cometido qualquer assassinato. O
filme recupera imagens do interrogatório de Nathan e dos depoimentos de Linda antes
de morrer, juntando-os com relatos atuais de pessoas ligadas à família, bem
como policiais e investigadores do caso. É uma teia complexa, de um caso que
demorou para ser concluído. A herança deixada por Chakalos girava em torno de
U$ 45 milhões. As reviravoltas são surpreendentes em mais um bom filme de caso
policial em formato de documentário da Netflix – que investe pesado no tema, seja
em filmes ou séries. Está no catálogo do streaming desde 20 de novembro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário