Cyclone
Diretora
e roteirista de ‘Deslembro’ (2018), Flávia Castro lançou nesse ano dois longas,
‘As vitrines’, que está percorrendo festivais e ainda não estreou nas salas, e
‘Cyclone’, que acaba de chegar aos cinemas brasileiros. Inspirado em história
verídica, o filme é uma reimaginação em torno de uma mulher à frente de seu
tempo que esteve ligada ao movimento modernista do Brasil da virada da década
de 10 para a 20. O contexto é uma São Paulo no auge da industrialização, e a
tal personagem é uma jovem operária e escritora nata que tenta galgar no universo
das artes. Ela é Dayse Castro, a Cyclone, que ganha uma bolsa para estudar
teatro em Paris, a cidade que emergia no cenário cultural da época, porém que
encontrará uma série de obstáculos pessoais e profissionais para entrar no
disputado mundo da literatura e das artes cênicas, dominado pelos homens. A
atriz Luiza Mariani, que interpretou Cyclone no teatro e aqui assina como uma
das produtoras e auxiliou no roteiro, até que se esforça e entrega um papel
decente, só que para um filme que infelizmente não causa emoção e fica
estacionado. Um roteiro que falta clímax e ânimo. A escolha da composição das
cores do filme é outro erro, com uma palheta desbotada, luzes estouradas e que
de repente assume um ar punk e contemporâneo demais. Há uma mistura de
linguagens que me incomoda, com teatro filmado, declamações, cinema, um tempo
histórico que vai para a década de 10 e ao mesmo tempo vira algo moderno, ou
seja, uma anarquia cinematográfica ruim. A obra é inspirada em Maria de Lourdes
Castro Pontes (1900-1919), chamada de Miss Cyclone pelos pensadores modernistas
paulistas, uma mulher operária que escrevia postais poéticos e cartas e que
subitamente faleceu aos 19 anos, sem deixar obras publicadas nem reconhecimento
– o nome dela seria estudado décadas após sua morte. Exibido no Festival do Rio
e na Mostra de Cinema de SP, tem no elenco Eduardo Moscovis, Karine Teles,
Luciana Paes, Magali Biff e Ricardo Teodoro. Produção da Mar Filmes e
Muiraquitã Filmes, em coprodução com a VideoFilmes e com a Claro, conta com a distribuição
da Bretz Films. Esforcei-me para ter gostado, mas o filme não decolou para mim.
One
to One: John & Yoko
Documentário
britânico original e com trechos inéditos e reveladores, exibido nos festivais
de Veneza, Telluride e BFI London, e no Brasil no In-edit e Festival do Rio desse
ano. A obra tem sentido pela assinatura do diretor, o britânico Kevin Macdonald,
que dedicou a maior parte da vida em filmes ficcionais inspirados em fatos
reais, como ‘O último rei da Escócia’ e ‘O mauritano’, e ultimamente se volta
ao cinema que o lançou no início dos anos 90, o documentário – ele já biografou
para o cinema e a TV uma dezena de personalidades, dentre eles os músicos Bob
Marley, Whitney Houston e Mick Jagger e os diretores de cinema Howard Hawks e
Errol Morris. Agora ele explora a relação pessoal e profissional de John Lennon
e Yoko Ono, recortando um período específico, entre 1971 e 1972, após o fim dos
Beatles e a mudança do casal de Londres para Nova York. É uma época de agitação
popular, uma quase convulsão nas ruas com a contracultura e as manifestações
pedindo o fim da Guerra do Vietnã, momento histórico que influenciar várias
músicas de Lennon e Yoko. Foi em Nova York que o casal lançou um novo tipo de
música, que marcaria a carreira de ambos e seria influência para outros. As
canções falavam do amor dos dois, do ativismo social focado na paz do mundo, na
liberdade sexual e na emancipação da mulher, além das mensagens contra a Guerra
do Vietnã. Eles produziram um show memorável, ‘One to One Concert’, único realizado
por Lennon após os Beatles com duas apresentações – uma diurna outra noturna,
em que trajando jaqueta verde do exército cantou ‘Instant karma’, ‘Power to the
people’ – que viraria símbolo da luta nas ruas, ‘Mother’, ‘Come together’ – que
era dos Beatles, e as emblemáticas ‘Give peace a chance’ e ‘Imagine’. Ele e
Yoko cantaram ao lado de amigos, como Stevie Wonder, no Madison Square Garden,
para 40 mil pessoas, em 30 de agosto de 1972. O show se tornou beneficente com
o montante de dinheiro doado para crianças com deficiência da instituição
Willowbrook State School. No filme as imagens do show foram restauradas, e o
doc é todo em cima de entrevistas e reportagens da época, sem nada de gravação
atual. Dois antes do show Lennon e Yoko lançaram um álbum histórico juntos, que
utilizaram como base para o concerto ‘One to One’, ‘Some time in New York City’.
Ao longo do filme imagens históricas raras compõe a crítica embutida no
documentário - dos protestos contra a Guerra do Vietnã pelas ruas de Nova York,
a prisão de Lennon e Yoko por porte de maconha, a luta racial, a repressão policial
e a polarização política. Um ótimo documentário para ser visto e revisitado.

Nos
seus sonhos
Daquelas animações que
emocionam e ao mesmo tempo divertem, o novo filme da Netflix é assinado por dois
ex-Disney, Erik Benson e Alexander Woo, à frente de um dos primeiros longas do
novo estúdio da produtora especializado em obras para crianças, a Netflix
Animation. Com vozes de Craig Robinson, Cristin Milioti e Omid Djalili, o filme
acaba de ser indicado ao Critics Choice na categoria de melhor animação e deve
ser finalista ao Oscar do ano que vem. É uma aventura repleta de significados,
dentro dos sonhos de criança. Stevie e o irmão Elliot são absorvidos para seus
próprios sonhos com um propósito: encontrar-se com uma figura mítica que lembra
o Papai Noel, chamado Sr. Sandman, um idoso de areia com longas barbas brancas,
que vive num enorme castelo iluminado por uma forte luz brilhante. As crianças
buscam uma família perfeita, já que a deles enfrenta problemas de
relacionamento. Misturando uma estética de cores vibrantes com tons pasteis e
minimalismo, a animação deverá agradar crianças, jovens e adultos – eu me
joguei de cabeça torcendo pelos irmãos e refletindo a mensagem humana por trás
daquela aventura mirim. A Netflix erra muito em filmes para adultos, mas acerta
quase sempre nas animações infantis, e este é um bom exemplo.
A garota artificial
Fita de drama, suspense
e ficção científica que tenta abrir uma discussão sobre Inteligência
Artificial, assunto em voga na mídia e no cinema, só que nada segue conforme o
anunciado, tornando-se um filme patético e desajustado. Dirigido e
protagonizado por Franklin Ritch, o longa acompanha uma IA de nome Cherry, cuja
forma é de uma garota bem jovenzinha, criação de um rapaz que se intitula ‘vigilante
da internet’. Ela foi criada para rastrear pedófilos. Só que Cherry foge do
controle assumindo poder próprio, que desafiará a polícia e o próprio criador. A
metade inicial do filme se passa numa sala de interrogatório com o vigilante e
os investigadores policiais, com cenas de puro diálogo, arrastado e de uma
paradeira sem fim; a segunda metade traz Cherry e os objetivos da menina que
criará uma série de desafios para os personagens, incluindo uma sequência final
que poderia ter sido reavaliada pelos produtores/roteiristas. Filme que fica no
limbo, que mais promete do que cumpre. Disponível exclusivamente na plataforma
Filmelier+.
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