Magic Farm
Uma equipe de
documentaristas norte-americanos que produz reportagens jornalísticas organiza
uma viagem para uma cidade do interior da Argentina para encontrar pistas que leve
o grupo a um músico realizador de músicas diferenciadas. A rota os leva para outra
cidade argentina, ocasionando uma série de conflitos entre os membros. Esta é a
trama desse filme de arte bacana que estreou recentemente na Mubi. Um pequeno road
movie com um núcleo enérgico de personagens
fortes, envolvidos numa história inusitada, de uma viagem que se torna um
desafio para o grupo. Com momentos de puro humor e ironia, aborda temas
relevantes como conflitos culturais, o papel do jornalismo como formador de
opinião e as mídias sociais como estrutura de poder. É o segundo filme
da atriz, diretora e redatora argentina Amalia Ullman – o anterior é ‘El
planeta’ (2021), uma coprodução independente Espanha/EUA, exibida em Sundance e
indicada ao Teddy Bear no Festival de Berlim. Destaque para o elenco louvável, como
Chloë Sevigny, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante por ‘Meninos não choram’
(1999), e agora voltando em projetos independentes, a dupla que está um barato
em cena, Joe Apollonio e Alex Wolff, e participações menores de Simon Rex e da
própria diretora Amalia.
Rabia – As esposas do
Estado Islâmico
Outra grande estreia nos
cinemas da Pandora Filmes, distribuidora especializada em filmes independentes,
muitos deles europeus e asiáticos, que está há 35 anos revolucionando o mercado
audiovisual distribuindo obras ímpares. Agora é a vez de ‘Rabia – As esposas do
Estado Islâmico’ (2024), filme de arte exibido no Festival de Roma e indicado
ao prêmio de atriz revelação para Megan Northam no César, o Oscar francês. Coprodução
França/Bélgica/Alemanha, é um dos primeiros que trata da participação de
mulheres no Estado Islâmico, organização jihadista que surgiu no Oriente Médio
em 2003 após a primeira invasão ao Iraque que culminaria na Guerra do Iraque. Acompanha,
por dentro da organização, os ritos da chegada das ‘noivas do Daesh’, algumas ludibriadas,
outras por vontade própria, até a preparação dos ataques terroristas. Mostra o
aliciamento, a doutrinação e o controle das mulheres nesse braço do sistema de
governo islâmico de monarquia chamado de califado. A personagem central dessa
curiosa história é Jessica (Megan Northam), uma garota francesa de 19 anos que
sai de sua terra natal, uma cidadezinha da Síria, para uma nova vida na cidade
grande, Raqqa, capital do califado, criada pelo Estado Islâmico. Ela vai morar
em uma madafa, espaço em que mulheres solteiras e viúvas esperam o casamento com
soldados vindos da guerra. Apelidada de ‘Rabia’, Jessica é moldada com rigor por
uma mulher chamada apenas de Madame (Lubna Azabal), uma líder jihadista. Aos poucos
ela e um grupo de mulheres são recrutadas para atuar no temido Estado Islâmico,
grupo extremista que atua no Oriente Médio, controla regiões da Síria e Iraque
e chegou a ter mais de 100 mil membros. Parte do filme transcorre dentro das
madafas, também conhecidas como ‘Casa das Noivas do Daesh’, nunca antes
registrada em um filme, por ser um lugar secreto. Filmado dentro de interiores,
traz diálogos intensos, que procuram com fidelidade retratar a persuasão do
movimento e focar no adestramento dessas mulheres vulnerabilizadas, que aos
poucos perdem sua identidade e são convencidas a acreditar num modelo de
sociedade que acaba sendo inatingível. A violência retratada no drama é simbólica,
nunca há representação gráfica, e sim ela aparece nas cenas silenciosas, nos olhares
e sons – o foco do filme, muito bem planejado, é na violência psicológica das personagens
nesse ambiente hostil. O drama marca a estreia da alemã Mareike Engelhardt na
direção – e foi ela quem escreveu o roteiro, ao lado de outras três roteiristas,
a partir de relatos reais de mulheres que estiveram no movimento jihadista, recrutadas
pelo Estado Islâmico.
A noite sempre chega
Boa novidade na Netflix
é o lançamento desse filme angustiante de suspense, coprodução Estados Unidos e
Reino unido, uma fita classe A bem conduzida, sobre uma mulher à beira do colapso,
prestes a perder sua casa devido a dívidas. Ela é Lynette (papel da ótima atriz
inglesa Vanessa Kirby, cada vez mais interessante em cena, já indicada ao Oscar
pelo doloroso drama ‘Pedaços de mulher’, de 2020), uma mulher madura, que cuida
de um irmão com deficiência intelectual chamado Kenny (Zack Gottsagen, de ‘O
falcão manteiga de amendoim’, de 2019) e tem uma mãe descontrolada com gastos,
que acaba se afastando dela, Doreen – papel de Jennifer Jason Leigh, indicada
ao Oscar por ‘Os oito odiados’ (2015). Pressionada, ela tem 12 horas, até a
manhã seguinte, para obter 25 mil dólares para pagar o proprietário do imóvel
onde reside. No ápice do desespero, ela se joga de cabeça numa noite sem fim,
apelando a práticas nada ortodoxas para pagar aquela conta. Ela roda por bares,
vaga pelas ruas, reencontra pessoas que não via e conhece outras – ela se
prostitui, rouba um carro, é perseguida por bandidos e pela polícia, e o caos
escala em sua vida. Um filme de suspense, mas também bem dramático, sobre um
ciclo de autodestruição na vida de uma mulher tendo de lutar sozinha com todas
as forças para superar barreiras, dentre elas os problemas financeiros. Do diretor
do engenhoso suspense policial ‘Sharper – Uma vida de trapaças’ (2023) e de episódios
das séries ‘The Crown’ e ‘Andor’, Benjamin Caron. O roteiro é uma adaptação do
livro homônimo de Willy Vlautin, assinado por Sarah Conradt – a mesma que
adaptou ‘Instinto materno’ para o cinema em 2024.
Bambi – Uma aventura
na floresta
Todos se lembram do
clássico da Disney ‘Bambi’, não? Lançado em 1942, foi a primeira de muitas
versões para o cinema de uma história infantil publicada originalmente como livro,
do escritor húngaro Felix Salten – a primeira vez que sai em livro foi em 1923.
Agora, em homenagem aos 100 anos da obra literária, um dos roteiristas de ‘A
marcha dos pinguins’ (2005 – ganhador do Oscar de documentário), Michel Fessler,
escreveu e adaptou com um grupo de roteiristas franceses uma nova versão de Bambi,
nos moldes de ‘A marcha’, mas, infelizmente, de conteúdo bem lento e arrastado.
A história basicamente é a mesma, agora filmando animais reais na floresta e com
uma narração contando a jornada do jovem cervo e seus desafios na mata. São as
aventuras e peripécias de Bambi, após perder a mãe por caçadores violentos e ter
de se virar sozinho, perdido na floresta. Órfão, ele enfrenta os medos,
percorre os segredos da mata e aos poucos se entrosa com novos amigos, como um
corvo, um coelho e um guaxinim, até trombar com uma amiga de infância. Um filme
infanto-juvenil que é uma alegoria ao amadurecimento e ao enfrentamento dos medos,
aqui numa espécie de National Geographic para quem gosta de animais em diversos
planos e ângulos – para mim o filme é cansativo e sonolento, além de muito estático
e sem ênfases. Nos cinemas pela A2 Filmes e Alpha Filmes.
Frevo Michiles
Na série ‘Cinema em casa
com Sesc’, na plataforma Ssc Digital, mais uma legal descoberta para quem gosta
de documentários musicais brasileiros. Disponível gratuitamente lá até amanhã,
dia 03, o documentário ‘Frevo Michiles’ (2023), de Helder Lopes, biografa um compositor
pernambucano que escreveu sucessos do frevo tornando-se uma lenda em divulgar o
estilo musical, chamado Jota Michiles. Aos 82 anos, na ativa, Michiles recebe a
equipe do filme e de maneira despojada relembra fatos da cena cultural do
Recife e do Brasil, inserindo o frevo como patrimônio cultural do nosso país. As
canções de Michiles tem ritmo, liberdade poética, alegria e harmonia que
seduzem, e o filme registra a dinâmica desse seu trabalho autoral. Alceu
Valença, que cantou frevos de Michiles, fala sobre o amigo em diversos momentos
do doc, e no final se reencontram para um bate-papo. Antes do frevo, nos anos
60 Michiles músicas que foram cantadas por nomes conhecidos, como o grupo
Golden Boys e o cantor Orlando Dias. Tudo isto aparece nesse doc simpático, bem
realizado, que teve exibição dois anos atrás no Festival In-edit. Gostei e
recomendo.
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