quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming – Parte 2


April
 
Rodado na Geórgia, ex-República Soviética, a coprodução Geórgia, Itália e França ganhadora do prêmio especial do Júri no Festival de Veneza de 2024 trata deum tema delicado, o aborto. Escrito e dirigido pela cineasta russa de nome comprido e de difícil pronúncia, Dea Kulumbegashvili, é seu segundo longa, cinco anos depois de ‘Dasatskisi’ (2020)’, que tratava de ataques terroristas. Agora ela se debruça sobre questões em torno da ética médica. Uma ginecologista obstetra competente chamada Nina (Ia Sukhitashvili), que atua no único hospital de uma província na Geórgia, faz um parto de risco, e o bebê acaba morrendo. A moral dela é abalada quando recebe acusação de negligência, e enfrenta um julgamento; acredita-se que ela fazia abortos ilegais, e a questão vem à tona. Nina tem a vida vasculhada, sua intimidade exposta, enquanto tenta se defender. Essa história de luta e dor é contada sob uma narrativa incomum, com cenas estáticas, lentas e contemplativas, como numa das cenas que é a capa do filme, de a médica refletindo num campo de flores vermelhas – boa parte das sequências sem som por minutos e minutos. Tudo feito em enxutas 70 tomadas. A diretora e a atriz Ia Sukhitashvili – aliás, num trabalho de enorme competência, que reflete humanidade e dignidade, visitaram por um ano uma clínica de bebês na Geórgia observando médicos e entrevistando pessoas, para criar o clima do filme. O drama segue sempre o ponto de vista dessa profissional da saúde que tem sua rotina alterada por acusações de aborto ilegal. É um drama pesado que se desenrola como um suspense angustiante – o filme enfrentou problemas na gravação, por tratar de um tema proibido na Georgia, que é o aborto. Gostei, mas indico para público inserido em cinema de arte. Além de Venza, foi exibido também nos festivais de Toronto, Londres, San Sebastián e Hamburgo e na Mostra Internacional de São Paul. Produção da Mubi, que entrou recentemente no streaming da provedora.
 

 
Dorivando Saravá, o preto que virou mar
 
Documentário musical interessantíssimo que retrata a essência musical de Dorival Caymmi (1914-2008) a partir de memórias de amigos e familiares, e que faz uma análise de algumas músicas compostas por ele, como ‘A lenda do Abaeté’, ‘É doce morrer no mar’, ‘Noite de temporal’, ‘Retirantes (Vida de negro)’ e ‘Sargaço mar’. Uma ode à Bahia pelo ponto de vista de Caymmi, de Salvador e suas crenças, dos orixás, dos pretos, do mar, do candomblé – tudo isso são inspirações de Caymmi para seu universo musical, aliás, ele seguia o candomblé e recebeu o título de Obá de Xangô no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, um dos mais importantes e antigos terreiros do Brasil. Músicos como Gilberto Gil e Adriana Calcanhoto, além de Paloma Amado, filha de Jorge Amado, amigo pessoal dele, trazem lembranças em depoimentos. Doc independente com boa amarração entre depoimentos atuais e imagens de arquivo de Caymmi, ele foi lançado em 2019, no mesmo ano de outro bom documentário sobre o artista, ‘Dorival Caymmi – Um homem de afetos’. Teve exibição nos festivais de Brasília e no In-edit Brasil. Disponível gratuitamente no Sesc Digital até hoje, dia 03.
 

 
Dorival Caymmi – Um homem de afetos
 
Em 2019, dois documentários sobre o cantor e compositor baiano Dorival Caymmi foram lançados nos cinemas e podem ser vistos como um díptico – ‘Dorivando Saravá, o preto que virou mar’, de Henrique Dantas, e este, dirigido por Daniela Broitman. No anterior, amigos falam sobre Dorival e o enfoque é no candomblé como força-motriz de suas composições; aqui, os filhos de Dorival contam histórias sobre o pai, como Nana, Danilo e Dori, além de Caetano Veloso e Gilberto Gil – já que o tema essencial desta obra agora é como o universo musical do artista abriu caminho para a Bossa Nova e a Tropicália. Imagens sensoriais são captadas enquanto os depoimentos rolam na tela, realçando os ambientes e personagens das músicas de Dorival, como praia e pescadores. Há um vasto material de arquivo, que vão de entrevistas na TV antigas e recentes de Dorival, a gravações caseiras da família. Dorival nos brinda em diversos momentos do filme cantando grandes composições suas, como ‘Saudade da Bahia’, ‘Das Rosas’, ‘Marina’, ‘Sábado em Copacabana’ e ‘Suíte do pescador’ – em que canta com Tom Jobim no piano. O título do doc diz tudo – ele era um homem afetuoso, tinha uma história de amor com a música, recebia bem as pessoas, amava a Bahia e a esposa com quem foi casado por 68 anos e o inspirou nas canções de amor, Stella Maris – ela faleceu 11 dias após a morte de Dorival, em 2008. Num dos momentos curiosos do documentário, o filho Danilo lembra quando o pai fez participação como ator no filme ‘Capitães de areia’, a versão americana de 1971 do cineasta Hall Bartlett adaptada do livro de Jorge Amado, filmado na Bahia - por causa da Ditadura Militar o longa foi censurado no Brasil. Gostei muito da beleza e da delicadeza do filme e recomendo, principalmente aos fãs de MPB e para quem curte, como eu, esse gênio da raça, Dorival Caymmi. Disponível gratuitamente no Sesc Digital até hoje, dia 03.

Nenhum comentário:

Resenhas especiais

  O presente   O casal Simon (Jason Bateman) e Robyn (Rebecca Hall) muda-se para uma nova casa. A rotina tranquila dos dois é ameaçada quand...