April
Rodado na Geórgia, ex-República
Soviética, a coprodução Geórgia, Itália e França ganhadora do prêmio especial
do Júri no Festival de Veneza de 2024 trata deum tema delicado, o aborto. Escrito
e dirigido pela cineasta russa de nome comprido e de difícil pronúncia, Dea
Kulumbegashvili, é seu segundo longa, cinco anos depois de ‘Dasatskisi’ (2020)’,
que tratava de ataques terroristas. Agora ela se debruça sobre questões em
torno da ética médica. Uma ginecologista obstetra competente chamada Nina (Ia
Sukhitashvili), que atua no único hospital de uma província na Geórgia, faz um
parto de risco, e o bebê acaba morrendo. A moral dela é abalada quando recebe
acusação de negligência, e enfrenta um julgamento; acredita-se que ela fazia abortos
ilegais, e a questão vem à tona. Nina tem a vida vasculhada, sua intimidade
exposta, enquanto tenta se defender. Essa história de luta e dor é contada sob uma
narrativa incomum, com cenas estáticas, lentas e contemplativas, como numa das
cenas que é a capa do filme, de a médica refletindo num campo de flores
vermelhas – boa parte das sequências sem som por minutos e minutos. Tudo feito
em enxutas 70 tomadas. A diretora e a atriz Ia Sukhitashvili – aliás, num trabalho
de enorme competência, que reflete humanidade e dignidade, visitaram por um ano
uma clínica de bebês na Geórgia observando médicos e entrevistando pessoas,
para criar o clima do filme. O drama segue sempre o ponto de vista dessa
profissional da saúde que tem sua rotina alterada por acusações de aborto
ilegal. É um drama pesado que se desenrola como um suspense angustiante – o filme
enfrentou problemas na gravação, por tratar de um tema proibido na Georgia, que
é o aborto. Gostei, mas indico para público inserido em cinema de arte. Além de
Venza, foi exibido também nos festivais de Toronto, Londres, San Sebastián e
Hamburgo e na Mostra Internacional de São Paul. Produção da Mubi, que entrou
recentemente no streaming da provedora.
Dorivando Saravá, o
preto que virou mar
Documentário musical
interessantíssimo que retrata a essência musical de Dorival Caymmi (1914-2008)
a partir de memórias de amigos e familiares, e que faz uma análise de algumas
músicas compostas por ele, como ‘A lenda do Abaeté’, ‘É doce morrer no mar’,
‘Noite de temporal’, ‘Retirantes (Vida de negro)’ e ‘Sargaço mar’. Uma ode à
Bahia pelo ponto de vista de Caymmi, de Salvador e suas crenças, dos orixás, dos
pretos, do mar, do candomblé – tudo isso são inspirações de Caymmi para seu
universo musical, aliás, ele seguia o candomblé e recebeu o título de Obá de
Xangô no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, um dos mais importantes e antigos
terreiros do Brasil. Músicos como Gilberto Gil e Adriana Calcanhoto, além de
Paloma Amado, filha de Jorge Amado, amigo pessoal dele, trazem lembranças em
depoimentos. Doc independente com boa amarração entre depoimentos atuais e
imagens de arquivo de Caymmi, ele foi lançado em 2019, no mesmo ano de outro
bom documentário sobre o artista, ‘Dorival Caymmi – Um homem de afetos’. Teve
exibição nos festivais de Brasília e no In-edit Brasil. Disponível
gratuitamente no Sesc Digital até hoje, dia 03.
Dorival Caymmi – Um homem
de afetos
Em 2019, dois
documentários sobre o cantor e compositor baiano Dorival Caymmi foram lançados nos
cinemas e podem ser vistos como um díptico – ‘Dorivando Saravá, o preto que
virou mar’, de Henrique Dantas, e este, dirigido por Daniela Broitman. No
anterior, amigos falam sobre Dorival e o enfoque é no candomblé como
força-motriz de suas composições; aqui, os filhos de Dorival contam histórias
sobre o pai, como Nana, Danilo e Dori, além de Caetano Veloso e Gilberto Gil –
já que o tema essencial desta obra agora é como o universo musical do artista
abriu caminho para a Bossa Nova e a Tropicália. Imagens sensoriais são captadas
enquanto os depoimentos rolam na tela, realçando os ambientes e personagens das
músicas de Dorival, como praia e pescadores. Há um vasto material de arquivo,
que vão de entrevistas na TV antigas e recentes de Dorival, a gravações
caseiras da família. Dorival nos brinda em diversos momentos do filme cantando grandes
composições suas, como ‘Saudade da Bahia’, ‘Das Rosas’, ‘Marina’, ‘Sábado em
Copacabana’ e ‘Suíte do pescador’ – em que canta com Tom Jobim no piano. O título
do doc diz tudo – ele era um homem afetuoso, tinha uma história de amor com a
música, recebia bem as pessoas, amava a Bahia e a esposa com quem foi casado por
68 anos e o inspirou nas canções de amor, Stella Maris – ela faleceu 11 dias
após a morte de Dorival, em 2008. Num dos momentos curiosos do documentário, o
filho Danilo lembra quando o pai fez participação como ator no filme ‘Capitães
de areia’, a versão americana de 1971 do cineasta Hall Bartlett adaptada do
livro de Jorge Amado, filmado na Bahia - por causa da Ditadura Militar o longa
foi censurado no Brasil. Gostei muito da beleza e da delicadeza do filme e
recomendo, principalmente aos fãs de MPB e para quem curte, como eu, esse gênio
da raça, Dorival Caymmi. Disponível gratuitamente no Sesc Digital até hoje, dia
03.
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