domingo, 14 de setembro de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming

 
Número desconhecido: Catfishing na escola
 
Uma pacata cidadezinha do estado de Michigan chamada Beal City é abalada quando um casal de namorados vira alvo de catfishing (bullying cibernético). O garoto e a garota se tornam presas de um desconhecido, que utiliza o celular para mandar centenas de mensagens diárias com xingamentos, ameaças de morte e outras de cunho sexual. O caso vira investigação policial. Essa é a história do novo documentário da Netflix que trata de crimes na rede, no caso o catfishing e o stalking. Trazendo depoimentos atuais das vítimas, familiares e investigadores, o doc faz uma linha do tempo em torno desse caso assustador – entre o Halloween de 2020 e o ano inteiro de 2022, o casal de namorados enfrentou um pesadelo com a perseguição online, a ponto de não saírem mais de casa. Não só o casal como pessoas próximas receberam mensagens do misterioso número – preparem-se para o final-surpresa, digamos, inimaginável e desumano, quando se revela a identidade do agressor escondido por trás de um phone. O filme examina o uso indiscriminado do celular, a alienação nas redes, o perigo da exposição e os crimes que circundam o mundo virtual – muitos acreditam na falsa ideia de que tudo pode nas redes, já que há o anonimato e a falta de leis mais duras contra infrações na internet. Como o tema do documentário é da minha área de pesquisa e ele é bem realizado, indico ao público, em especialmente aos jovens que passam horas a fio vidrados com o celular nas mãos.
 

 
Vice is broke
 
A Mubi e seus filmes diferentões... Chegou à plataforma esse documentário norte-americano, sem título em português, realizado de maneira independente e que teve première no Festival de Toronto de 2024. Também indicado ao Grande Prêmio do Júri no DOC NYC, um dos maiores festivais de documentários dos Estados Unidos, o filme faz uma ampla análise da Vice, que nasceu como uma revista em Montreal, no Canadá, no fim dos anos 90, fundada por três amigos haitianos, que eram imigrantes. Quando o trio se mudou para Nova York, a Vice, em pouco tempo, ampliou seus negócios virando um império da mídia, com faturamento de bilhões de dólares por ano. A Vice tornou-se um empreendimento do mundo publicitário e jornalístico, depois uma revista digital com três milhões de assinantes, em seguida criadora de conteúdo com um bilhão de visualizações, e por fim agência de publicidade e site de notícias. Só que ela faliu em menos de 20 anos de existência, em 2023, deixando um rombo de milhões de dólares, incluindo o não pagamento de funcionários e custos da empresa. Quem conta essa história de ‘ascensão e queda’ é Eddie Huang, ex-funcionário da Vice – ele escreveu, produziu, dirigiu e é o protagonista do filme. De descendência taiwanesa, Huang é escritor, chef de cozinha, dono de restaurantes, produtor de eventos e apresentador de programa televisivo. Ele entrou na Vice e ajudou a revista a se consolidar no mercado como um produto jornalístico/publicitário descolado, que fugia dos padrões de linguagem da época para noticiar fatos e criar conteúdos ousados nas redes. Huang entrevista os fundadores da Vice e ex-funcionários, para entender o que foi aquele empreendimento e porque quebrou – por isso o título do filme, em tradução literal, é ‘Vice está falida’. Huang deu pitacos na edição e optou por uma montagem delirante, nos moldes do que foi a revista, misturando cortes abruptos das entrevistas, reportagens da Vice com capas notórias, cheias de zoom, matérias noticiando os altos e baixos da Vice e depoimentos atuais com ironia e palavrões. Acho um filme interessante, diferente, mas para público inserido na linguagem de filmes cult de festivais. Teve exibição no Brasil em agosto desse ano no ‘Mubi Fest’, realizado no Rio de Janeiro - festival oferecido pela Mubi em países como Brasil, Itália, França, Argentina e EUA, em que exibe filmes da provedora de catálogo e lançamento de novos títulos.
 
 
Niki
 
Após exibição nos cinemas, chega ao streaming da Reserva Imovision o filme franco-belga que biografa uma pequena parte da vida da artista plástica francesa Niki de Saint Phalle (1930-2002), uma das grandes mentes da arte moderna engajada e feminista do século XX. O drama foca nas crises íntimas e familiares de Niki, numa belíssima interpretação da atriz canadense de descendência francesa Charlotte Le Bon, de ‘A 100 passos de um sonho’ (2014), que tem traços que lembram a verdadeira pintora. Infelizmente não trata de Niki dedicando-se a sua arte, que foi revolucionária na forma e nos temas – numa de suas fases, ela usava uma espingarda para atirar nos quadros, cujas balas estouravam bexigas de tinta, que iam escorrendo cores sobre a tela. A ideia da diretora Céline Sallette, atriz de muitos filmes e que escreveu o roteiro aqui, é mostrar como seus dilemas e sofrimentos impactaram no processo de criação da futura Niki, como a fuga dos Estados Unidos para a França durante o Macarthismo na década de 50 e a crise conjugal que a levou à solidão e ao aprisionamento. Soube-se, bem depois, e o filme apenas insinua isto, que Niki foi vítima de incesto aos 11 anos de idade, pelo pai, um rico banqueiro, o que a tornou rebelde e a distanciou da família. Niki também foi escultura e cineasta, teve um segundo casamento, com o artista plástico e escultor suíço Jean Tinguely e assinou uma série de esculturas femininas coloridas de braços abertos, intitulada de ‘Nanas’. Indicado ao Golden Camera e ao Um certo olhar em Cannes, teve exibição no Festival do Rio do ano passado.


 
No céu da pátria nesse instante
 
Estreou em 14 de agosto, mas ainda está em cartaz em cinemas brasileiros, esse certeiro documentário político que assisti em sessão de imprensa na Mostra Intl. de Cinema de SP do ano passado, há quase um ano. A assinatura do doc é da consagrada diretora e roteirista Sandra Kogut, de ‘Mutum’ (2007), que retorna aqui para as origens da carreira, quando se lançou, no final dos anos 90, ao mundo dos docs. O enfoque, que é pesquisa de trabalho dela, é o atual panorama da política brasileira, num país dividido e tensionado; ela trata do acirramento das discussões políticas e dos discursos de ódio nas redes durante as eleições de 2022, que deu vitória ao presidente Lula, até culminar com o quebra-quebra na sede dos Três Poderes, em Brasília, um dia infame conhecido como ‘8 de Janeiro’, ocorrido em 2023 - o fato, mundialmente noticiado, envolveu milhares de apoiadores de Jair Bolsonaro que invadiram, na segunda semana do governo Lula, os prédios do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e ao Supremo Tribunal Federal, destruindo tudo pela frente. Esse foi o ápice de uma tentativa de Golpe de Estado que começou a ser desenhada em 2022, antes das eleições, pelo então presidente Bolsonaro, em seguida reuniu apoiadores em frente a quartéis militares pedindo intervenção militar até chegar o ‘8 de Janeiro’. O motivo: o grupo perdedor não aceitar a derrota nas urnas.
Sandra Kogut entrevista brasileiros de cinco estados e dos dois espectros políticos – no caso a esquerda e a extrema-direita, desde eleitores a pessoas que trabalham para os partidos panfletando nas ruas durante eleição. Ela, com fidelidade aos fatos, compõe o painel de um país mergulhado em tensões violentas, fake News e ataques diários à democracia, mostrando o que essas pessoas pensam para o futuro e como definem as atuais figuras de destaque do mundo político – com enfoque, logicamente, em Lula e Bolsonaro.
Gosto da forma como Sandra conduz o filme e nos leva a pensar, trazendo imagens inéditas dos bastidores da eleição de 2022 e das manifestações massificadas nas ruas.
Pode ser visto e entendido junto de ‘Apocalipse nos trópicos’ (2024), de Petra Costa, que também passou na Mostra de SP e trata de tema parecido – este trata do crescente movimento evangélico dentro da política brasileira. O filme participou de festivais importantes, como Málaga, Biarritz e Rio e ganhou os troféus de melhor montagem e o Prêmio Especial do Júri no Festival de Brasília do ano passado. Produzido pela Ocean Films, em 
coprodução com Marola Filmes, Kiwi Filmes, GloboNews, Globo Filmes e Canal Brasil, está nos cinemas pela O2 Play e Lira Filmes.


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