Os malditos
Ganhador do prêmio de
melhor direção na seção ‘Um Certo Olhar’ do Festival de Cannes, ‘Os malditos’ chega
aos cinemas brasileiros, com distribuição da Zeta Filmes. É o sexto
longa-metragem do cineasta italiano Roberto Minervini, conhecido por obras que traçam
os dias de cidadãos comuns, fortemente influenciado por um olhar documental. Seu
novo trabalho se passa no inverno gelado do interior dos Estados Unidos, em
1862, auge da Guerra Civil Americana. Um grupo de jovens idealistas se
voluntaria no exército americano e ruma para o oeste com a missão de patrulhar lugares
inóspitos, aparentemente sem interferência humana. No percurso, o grupo é
forçado a mudar de rota. Nesse filme com poucos diálogos e atores e uma grande
fotografia de uma natureza intocada, que também é ameaçadora, o enfoque é na
solidão humana, na relação do homem com esse ambiente silencioso, que da secura
do chão é tomado pela neve – as mudanças nas estações do ano refletem o estado
de espírito dos personagens, soldados que vão mudando de temperamento ao passo que
crescem as situações desafiadores, principalmente crises entre eles. A câmera do
diretor tem um movimento peculiar, que acompanha as costas dos personagens e as
laterais, com planos abertos mostrando os soldados abandonados ao relento. Além
de Cannes, foi exibido nos festivais de Toronto e de Nova York.
Sr. Blake ao seu
dispor
Indicado a dois Oscars e
prestes a completar 72 anos, o ator americano John Malkovich costuma aparecer
em filmes europeus independentes, desde dramas a comédias, como é o caso deste
charmoso e agradável filme com uma história humana, ‘Sr. Blake ao seu dispor’ –
o filme é de 2023, na época ele estava com 70 anos, e só agora chega em cartaz
nos principais cinemas brasileiros, pela distribuidora Mares Filmes. Malkovich,
de clássicos como ‘Ligações perigosas’ (1988), interpreta nesta comédia romântica
francesa o papel-título, Andrew Blake, um viúvo que anda desanimado após a morte
da esposa. Ele quer voltar para a França, onde conheceu a falecida, e assim se reencontrar
com as lembranças daquela feliz união. Acaba como mordomo em uma mansão em que
tudo começou. Lá se torna próximo da milionária e dona do lugar Madame
Beauvillier (papel incrível da veterana Fanny Ardant, atriz francesa de ‘8
mulheres’). Entre um serviço e outro, seu astral muda, e ele tem de volta o
prazer de estar entre as pessoas – ainda mais ao lado de figuras fortes daquele
casarão, como uma cozinheira, um caseiro e uma jovem empregada. É um filme ‘up’,
de histórias de vidas arruinadas que recomeçam e se reconectam – não só Sr. Blake
como todos os outros personagens daquela casa enfrentam duros problemas, e um
se apoia ao outro para enfrentá-los com sensatez. É inspirado no best-seller
homônimo de 2012 de Gilles Legardinier, que, vejam só, é o diretor do filme. Uma
fita bonita, espirituosa, para todos os públicos.
Apanhador de almas
Lá vem o Brasil em mais
uma aposta no cinema de horror. Nos últimos anos, vimos um aumento significativo
no número de produções nesse gênero. Um tipo de filme esperado por uma parcela
do público, mas que afasta outra metade. Não é um trabalho especialmente bom ou
memorável, mas tem lances curiosos este ‘Apanhador de almas’, que estreou nas
principais salas do país no último fim de semana. Com praticamente todo o
elenco feminino – com destaque para Klara Castanho e Angela Dippe, o filme mostra
os desdobramentos de um eclipse solar, que provoca uma série de situações
sobrenaturais. Quatro jovens adeptas da bruxaria, após o eclipse, evocam uma
criatura de outra dimensão, o que as desafia em um jogo de sobrevivência. A história
é inspirada no universo de H.P. Lovecraft, escritor americano que deu vida a monstros
macabros em histórias com culto satânico. Tudo se passa numa velha casa com as
jovens aprisionadas, uma velha bruxa e um mistério que paira no ar. Dirigido pela
dupla Fernando Alonso e Nelson Botter Jr., este filme independente, que trabalha
bem com a fotografia e consegue trazer jumpscares maneiros, é produzido pela
Iron Chest Films e tem distribuição nos cinemas pela Retrato Filmes. Quem curte terror, dê uma conferida.
Segredos do Putumayo
Revi recentemente esse documentário
brasileiro desafiador, que trata de um tema que vira e mexe nos mobiliza, a questão
dos indígenas da Amazônia. Rodado em 2020, o filme é uma longa narração dos
diários do cônsul britânico Roger Casement (1864-1916), que no fim da vida
esteve em atividade diplomática no Rio de Janeiro. Nesse período ficou incumbido
de investigar os crimes cometidos pela Peruvian Amazon Company contra os
indígenas da região do Putumayo, no Peru. A corporação, durante 50 anos, escravizou
indígenas para a extração da borracha, matando mais de 30 mil pessoas e
destruindo aquelas terras originárias – o caso foi registrado como genocídio e acobertado
pelas autoridades locais por muito tempo. Com registro de fotos e documentos da
época e cenas aéreas da bacia peruana do Putumayo, o chocante filme traça a
descoberta aterradora de Casement: um sistema cruel de extrativismo que
assassinou e escravizou milhares de indígenas na selva. Seu trabalho de
pesquisa e denúncia durou 120 dias, entre 1910 e 1911, quando escreveu os tais
manuscritos, intitulados ‘Diários da Amazônia’, que se tornaram célebres pelo
teor dramático das observações dele na região. Casement foi uma voz pioneira
dos direitos humanos indígenas, e antes de Putumayo já havia denunciado as
atrocidades no Congo, cometidas pelo rei Leopoldo II, da Bélgica. Visualmente impactante
pelas imagens potentes dos indígenas na tela, o filme foi exibido no Festival
‘É Tudo Verdade’. Quem assina é o diretor Aurélio Michiles, que décadas atrás já
havia explorado a Amazônia no cinema, em seu maior trabalho, ‘O cineasta da
selva’ (1997), filme que acompanha o fotógrafo que se tornou cineasta engajado
e deu voz aos indígenas, Silvino Santos. ‘Segredos do Putumayo’ está disponível
gratuitamente na plataforma Sesc Digital até dia 02/11, em https://sesc.digital
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