quinta-feira, 3 de julho de 2025

Resenhas especiais

 
Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída
 
Christiane (Natja Brunckhorst) é uma garota alemã de 13 anos que sai da casa dos pais e vai viver na rua com os amigos. Torna-se adicta em heroína e acaba se prostituindo para manter o vício e sobreviver.
 
Em 1981, em seu lançamento nos cinemas mundiais, o drama rodado na Alemanha Ocidental causou polêmica e impacto pela amarga história real de uma garota viciada em heroína que se prostituía para manter a dependência com as drogas. Chocou o público pelas cenas de sexo e ainda mais por mostrar com detalhes os viciados se picando com seringas compartilhadas. Muitos países não exibiram o filme nos cinemas, como no caso do Brasil, cuja estreia ocorreu dois anos depois, em 1983, ainda com cenas cortadas. Em celebração aos 40 anos, o longa alemão retornou aos cinemas numa ótima cópia restaurada, em 2022, e agora o filme foi adquirido pela Imovision e está no streaming Reserva Imovision. Nesta cópia, corrigiram os enquadramentos ruins, que era de TV, ou seja, 4:3, alteraram a cor que estava desbotada – e o filme é bem escuro mesmo, ou seja, fizeram uma boa restauração do master original. No Brasil, a única versão disponível era em DVD, de uma antiga edição de banca, com cortes, totalizando 124 minutos, com essa imagem sofrível; a metragem original tinha 138 minutos, e a que entrou no catálogo do Reserva Imovision tem metragem intermediária, de 130 minutos, totalmente restaurada, valendo a pena assistir.



Ao rever agora depois de tantos anos, o filme continua perturbador, indigesto, e os comentários ainda ressoam como um filme maldito e proibido, já que é um retrato cru e degradante de uma juventude perdida, entregue a drogas e exploração sexual. Christiane existiu de verdade, era uma jovem alemã chamada Vera Christiane Felscherinow, nascida em Hamburgo, em 1962, e que aos seis mudou-se para Berlim com os pais e a irmã. Cresceu num lar abusivo, viu os pais se separarem, até que aos 12 anos aproximou-se de um grupo de jovens usuários de drogas. Entre o grupo, usava haxixe e heroína, além de LSD, calmantes e sedativos. Na famosa discoteca Sound conheceu o futuro namorado, Detlef, e meses depois, começaria a se prostituir nos arredores da principal estação de trem da capital, a Berlin Zoologischer Garten Zoo, conhecida como Estação Zoo, ao lado do zoológico. Teve overdose, foi presa duas vezes, acusada de tráfico, e sobreviveu. Presenciou todos os melhores amigos morrerem ano a ano. Ainda viciada em remédios, tentou, nos anos 80, carreira musical e de atriz, sem sucesso. Foi internada em clínicas e hoje, aos 63 anos, é escritora – publicou livros sobre sua vida, é blogueira e escreve também para sites.
O filme é inspirado no livro ‘Christiane F. – Wir Kinder vom Bahnhof Zoo’, que nasceu dos depoimentos que Christiane concedeu no julgamento de sua prisão em 1978, no tribunal da infância e juventude. Na ocasião, dois jornalistas alemães que cobriam o caso, Kai Hermann e Horst Hieck, escreveram artigos para a revista Stern e juntaram os textos desses relatos para a obra literária, que teve colaboração de Christiane. O livro foi sucesso imediato, com diversas edições pelo mundo. O longa é um marco cultural, que representa a cena underground da Alemanha antes da queda do Muro de Berlim, com um trabalho impressionante e difícil da atriz Natja Brunckhorst, na época com 14 anos – ela depois virou diretora de cinema. E um trabalho complexo do diretor Uli Edel, que estreava na direção e depois faria bons filmes reais, ainda de temas pesados, como ‘Noites violentas no Brooklyn’ (1989) e ‘O grupo Baader Meinhof’ (2008 – indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro). Num dos momentos do filme, David Bowie aparece no palco como ele mesmo, cantando ‘Hero’, que virou tema do longa; Bowie assinou a trilha. No livro e no filme, constam que Christiane usou heroína pela primeira vez num show de Bowie.
Recomendo esse filme memorável, pesado e voltado para público de estômago forte.
 
Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída (Christiane F. - Wir Kinder vom Bahnhof Zoo). Alemanha Ocidental, 1981, 130 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Uli Edel. Distribuição: Reserva Imovision
 
 
A resistência de Inga
 
Para manter em pé a propriedade onde produz laticínios, Inga (Arndís Hrönn Egilsdóttir), uma agropecuarista recém-viúva, enfrenta uma poderosa cooperativa acusada de corrupção.
 
O cinema do diretor islandês Grímur Hákonarson já é conhecido dos cinéfilos brasileiros, principalmente os que frequentam festivais de cinema. Seguindo a tradição de seus trabalhos, rodados em planícies geladas da Dinamarca e Islândia, e partindo de uma ambientação que remete ao filme anterior, ‘A ovelha negra’ (2015), esse seu último longa, que também escreveu, acompanha a luta solitária de uma mulher contra um sistema corrupto. Inga (Arndís Hrönn Egilsdóttir) acaba de ficar mantém uma pequena propriedade agrícola onde produz laticínios e sem o marido, tem de cuidar de todo o negócio. Ela vive e trabalha em um local afastado, sem vizinhos. Ao descobrir um esquema de monopólios, e também corrupção, liderado pela poderosa cooperativa da qual faz parte, rebela-se contra o grupo, colocando sua integridade e até a vida em jogo. Pouco a pouco tenta trazer para junto de sua causa agricultores e pecuaristas das cidades próximas, e por isso é constantemente ameaçada.



Um drama humano, sério, com ótima interpretação da atriz de ‘Pardais’ (2015) Arndís Hrönn Egilsdóttir, que entrega um trabalho de energia e vitalidade, de uma mulher que resiste a pressões para combater injustiças sociais, dando início a uma pequena revolução. Exibido no Festival de Toronto, tem ainda uma fotografia das mais belas. Lançado no Brasil pela Imovision, está disponível no streaming Reserva Imovision.
 
A resistência de Inga (Héraðið/ The county). Islândia/ Dinamarca/ Alemanha/ França, 2019, 92 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Grímur Hákonarson. Distribuição: Reserva Imovision

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