domingo, 20 de julho de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming

 
 
Filhos do mangue
 
A diretora Eliane Caffé ganhou o Kikito de melhor direção no Festival de Gramado por este seu novo trabalho, que acaba de chegar aos cinemas. É um drama com nuances de suspense psicológico que se passa numa comunidade ribeirinha do nordeste brasileiro. Ali se encontra um homem com amnésia, Pedro Chão (Felipe Camargo), acusado pela ex-mulher de roubar um alto valor em dinheiro. Ele está perdido, com ferimentos pelo corpo. Naquele local tomado por manguezais, os próprios moradores fazem as leis, e o levam para um julgamento popular. Sob ameaças, Pedro não se recorda de nada, então flashes de seu passado constroem sua trajetória até ali. Com uma trama envolvente, focado num personagem que busca fios da memória para lembrar quem é e entender os motivos de estar num lugar desconhecido, o filme toca em temas de discussão atual, como violência doméstica, trabalho escravo e tráfico de pessoas. É o quinto filme da versátil diretora paulistana de 64 anos, que costuma registrar histórias de pessoas em constante movimento para mudar seu estado, como fez em ‘Kenoma’ (1998), ‘Narradores de Javé’ (2003) e ‘Era o hotel Cambridge’ (2016). Aqui, ela realiza um trabalho sério, de solidez, com resoluções nada fáceis. Rodado e produzido em Barra do Cunhaú, uma baía na cidade de Canguaretama, no Rio Grande do Norte, carrega uma fotografia peculiar, que reforça a relação do humano com a terra, no caso o mangue, um lugar instável e misterioso, que dá outro sentido ao filme, reforçando a ideia de exploração dos indivíduos e da natureza. O mangue é o ambiente por onde o protagonista irá andarilhar enquanto busca sentido para sua existência. Destaque para o bom trabalho de Felipe Camargo, que faz pouco cinema – ele está com 65 anos.
Inspirado no livro ‘Capitão’, de Sérgio Prado (que auxiliou no roteiro), o filme foi exibido em 2024 no Festival do Rio e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e no Festival de Gramado também levou o Kikito de melhor atriz coadjuvante (Genilda Maria). Está nos cinemas, com distribuição da Bretz Filmes.
 


 
Cazuza: Boas novas
 
Trinta e cinco anos depois de sua morte, o cantor e compositor Cazuza (1958-1990) ganha um novo documentário que traz outros contornos de sua intensa trajetória. Exibido este ano no Festival In-edit Brasil, ‘Cazuza: Boas novas’ (2025) chega aos cinemas brasileiros, uma produção original do canal Curta!, lançado nas salas pela Curta Cine-Distribuidora, braço de distribuição do Grupo Curta!, em parceria com a 5e60 Filmes e a Kajá Filmes. Com depoimentos de amigos e familiares e trechos de seus últimos shows, o filme acompanha a fase final do ex-integrante do Barão Vermelho, entre 1987, quando recebeu o diagnóstico de soropositivo, até sua morte três anos depois. Foi exatamente nesse período que Cazuza mais produziu, mesmo doente. Lançou o álbum ‘Ideologia’ – em que trata da Aids e da morte, com músicas como a canção-título do disco, ‘Brasil’, ‘Blues da piedade’, ‘Faz parte do meu show’ e ‘Boas novas’; em seguida ‘O tempo não para’, disco ao vivo, durante uma cansativa turnê de três dias no Canecão, no RJ, em 1988, com show dirigido pelo ex-parceiro Ney Matogrosso (nele cantou músicas de sucesso da carreira solo e do Barão vermelho); e por fim o último álbum, ‘Burguesia’, já com a saúde muito debilitada, contendo músicas compostas por ele em parceria com Rita Lee, Lobão, Frejat, Leoni e Angela Ro Ro. O doc reúne depoimentos inéditos, gravados para o longa, de amigos músicos que lembram a trajetória de Cazuza, como Leo Jaime, George Israel (ex-Kid Abelha), Ney Matogrosso, Gilberto Gil e Frejat, além da mãe, que sempre cuidou dele e levou o nome do filho para os quatro cantos do Brasil, Lucinha Araújo. Há muitas cenas de shows, boa parte deles com imagens sem nitidez, como as do Canecão, além de bastidores, fotos pessoais de festas e eventos em que Cazuza esteve, perfazendo um retrato único de um compositor além de seu tempo, que faleceu cedo, aos 32 anos, marcando seu nome na História do rock nacional e da MPB. Com direção de Nilo Romero (baixista, compositor, produtor musical, amigo pessoal de Cazuza, com quem trabalhou) e codireção de Roberto Moret, é uma justa e bela lembrança a Cazuza.
 


 
Jayne Mansfield, minha mãe
 
Indicado ao Golden Eye e ao Golden Camera no Festival de Cannes de 2025, este é um documentário revelador sobre a atriz que teve fama, mesmo não tendo talento, e depois esquecida, Jayne Mansfield (1933-1967), apontada como rival de Marilyn Monroe. Jayne fez filmes nos anos 50 e 60, como ‘Sabes o que quero’ e ‘O grande sucesso de Rock Hunter’, teve muitos romances e faleceu jovem, aos 34 anos, vítima de acidente de carro. Quem dirige é a filha de Jayne, a também atriz Mariska Hargitay, premiada com o Emmy pela série policial ‘Lei & ordem’. Nascida Maria, ganhou o apelido Mariska por influência húngara do pai, o fisioculturista, ator e modelo Mickey Hargitay, que foi Mr. Universo. O filme traz um enfoque inédito e em tom de revelação exatamente quando Mariska busca o passado da mãe entrelaçando com a sua própria paternidade - ela quer desvendar quem realmente é seu pai, pois havia dúvidas sobre Mickey Hargitay. O que assistimos é uma angustiante onda de revelações, com conclusões impressionantes, difíceis para Mariska. Gostei da narrativa do filme, me surpreendi, e não conhecia esse desfecho na vida da atriz, que mudaria para sempre a relação com os pais. Produção original da HBO Max, está no catálogo do streaming. É um dos grandes documentários internacionais do ano, cotado para o Oscar de 2026.
 


 
Revista Ms. – Uma revolução editorial
 
Outro bom documentário produzido pela HBO Max, que neste ano teve a première no Festival de Tribeca. Três cineastas (Cecilia Aldarondo, Alice Gu e Salima Koroma) se debruçam numa extensa pesquisa para analisar edições da icônica revista liberal e feminista ‘Ms. Magazine’. Fundada em 1971 durante a segunda onda dos movimentos feministas por Gloria Steinem e Dorothy Pitman Hughes, a revista chegou a 500 mil exemplares depois de muita luta para entrar no mercado. Voltada para as mulheres, abordava questões sobre emancipação feminina, racismo, formas de combate à violência doméstica etc. Gloria Steinem grava depoimentos atuais, analisa o contexto da criação da revista e lê cartas que recebia das leitoras – a Ms. Magazine foi apelidada por um tempo de ‘A amiga portátil’, já que era uma revista do universo feminino que falava diretamente sobre intimidade. O periódico ajudou a mulher a refletir sobre sua natureza e existência, a quebrar tabus e permiti-las fazer suas próprias escolhas, abrindo assim diálogo com a sociedade. Enfrentou ataques, resistiu e teve apoio de homens notórios, como o ator Alan Alda, que escrevia como colaborador – ele é entrevistado para o filme e lembra o quanto foi rejeitado por ter entrado na luta ao lado das mulheres. São entrevistadas para o documentário ex-colaboradoras, como a jornalista e ativista Letty Cottin Pogrebin, e as escritoras Patricia Carbine, Jane O’Reilly e Marcia Ann Gillespie. A Ms. resiste ao tempo e continua no mercado norte-americano. Grande filme do ano, também cotado para o Oscar de 2026, está disponível na HBO Max.

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