segunda-feira, 14 de julho de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming


Yõg Ãtak: Meu pai, kaiowá
 
Documentário brasileiro com um enfoque inédito, de como a ditadura militar separou famílias indígenas. Todo narrado pelas vítimas, conhecemos aqui uma história de vida específica, a da diretora do filme, a indígena Sueli Maxakali, e sua irmã Maisa, que estão na busca do pai, Luiz, da comunidade Kaiowá. Luiz, um guarani-kaiowá, morador de uma comunidade no sul do Mato Grosso do Sul, foi capturado na década de 60 por agentes do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e conduzido para diversos lugares, como São Paulo e Rio de Janeiro, até ser entregue a um posto indígena em Minas Gerais, onde viveu por 15 anos em outra comunidade indígena, os Maxakali. Lá casou-se e teve as filhas Sueli e Maisa, até ser novamente deslocado, agora pelos funcionários da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), órgão que substituiu o SPI, onde foi devolvido para sua tribo no MS. A retirada forçada da nova família em MG fez com que cortasse o vínculo total o grupo. A partir de entrevistas com dezenas de membros dos Maxakali e Kaiowá, Sueli tenta localizar o pai, idoso, e discutir o assunto com ele, além de pegar depoimentos de familiares e das comunidades que o conheceram. O filme origina-se dos relatórios finais da Comissão Nacional da Verdade (CNV), de 2014, que também investigou casos de separação de família de tribos, incluindo os Maxakali e os Guarani-Kaiowá. Com a câmera centrada no rosto e corpo dos personagens, com planos estáticos em que relembram a dor da separação, o doc trata também da violação das terras indígenas não só na época da ditadura, mas na atualidade – o estado do Mato Grosso do Sul ainda é foco de entraves como esbulho, disputa de terras e morte de indígenas. Filmado entre 2020 e 2024, o filme procura resgatar a luta dos povos Tikmũ’ũ, também chamados de Maxakali, de Minas Gerais, e os Kaiowá, da tribo Guarani, do Mato Grosso do Sul, pela preservação de seus espaços e de suas culturas. Dirigem junto de Sueli seu marido, Isael Maxakali, que é artista visual, o antropólogo Roberto Romero e a professora Luisa Lanna – Sueli e Isael já dirigiram curtas e longas sobre a questão da memória e a luta indígena, como ‘Yãmĩyhex: As mulheres-espírito’ (2019), e ‘Nũhũ yãg mũ yõg hãm: Essa terra é nossa!’ (2020). Está nos cinemas pela Embaúba Filmes.


 
Vermiglio - A noiva da montanha
 
Indicado ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro e vencedor de cinco prêmios no Festival de Veneza, incluindo o Leão de Prata – Grande Prêmio do Júri, a coprodução Itália/França/Bélgica acaba de estrear nas principais salas de cinema do Brasil. Escrito e dirigido pela cineasta Maura Delpero, de ‘Maternal’ (2019), é uma saga, em fragmentos, de uma família que vive numa comunidade fechada nos Alpes italianos chamada Vermiglio. É o período final da Segunda Guerra Mundial, 1944. A família Graziadei é numerosa, são tradicionais e conservadores, e controlada pelo patriarca, um professor austero. Até que aparece no vilarejo um soldado desertor, que lá está para se refugiar. O jovem se apaixona por uma das filhas do professor; pelo fato de ter desertado da guerra, ou seja, ser considerado traidor da pátria, a relação não é bem vista, gerando tensão e desafiando os limites daquela família. A fotografia é um primor de luminosidade e locações, nos alpes, que me remeteu a um clássico italiano, ‘A árvore dos tamancos’ (1978), inclusive a narrativa, em fragmentos, com cortes secos. É uma maravilha de filme, um drama sobre tensões familiares durante a guerra. Ganhou sete prêmios David di Donatello, o ‘Oscar italiano’, como melhor filme, direção e fotografia, e teve exibição na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo de 2024. Foi o filme escolhido para representar a Itália no Oscar desse ano, ficando fora da lista final. Distribuído nos cinemas pela Synapse Distribution.
 
 
Meu nome é Maria
 
Exibido no festival de Cannes de 2024, é um sólido drama biográfico dedicado à atriz retratada no filme, Maria Schneider (1952-2011). O longa não exatamente conta a vida toda de Maria e sim reconstitui um período crítico de sua carreira, as gravações do polêmico ‘Último tango em Paris’ (1972). Toca em momentos cruciais e públicos dela, como não ter sido reconhecida como filha do famoso ator francês Daniel Gélin (1921-2002), que a teve fora do casamento; a incursão nas artes aos 15 anos como atriz de teatro e modelo; a relação de altos e baixos com a mãe, com quem morava; e o pontapé na carreira, quando aos 19 anos conseguiu a chance de sua vida ao contracenar com Marlon Brando em ‘Último tango’ (Matt Dillon faz Brando, numa caracterização interessante, apesar de a maquiagem ficar por vezes over). O tratamento da obra segue a tumultuada produção que culminou numa grave crise entre Maria, Brando e o diretor italiano Bernardo Bertolucci. Na famosa cena de estupro, sugerida de última hora por Brando a Bernardo, a atriz não foi avisada; ela foi forçada em cena, com constrangimento, já que suas roupas eram arrancadas em frente à câmera. Maria, em entrevistas, diz que tal fato foi um abuso que causou para sempre trauma psicológico, e que Bernardo fazia qualquer coisa para obter fortes reações da atriz nas cenas – o que muito tempo depois o diretor confessou. O filme traz o relacionamento afetivo de Maria com a jornalista Noor – ela era bissexual, e registra um pouco do temperamento agressivo que a isolou do mundo. Maria entrou e saiu das drogas várias vezes, teve overdose, tentou suicídio, abandonou gravações de filmes no meio e morreu deprimida, em 2011, durante tratamento de um câncer de mama. Apesar de não ser nada parecida com a atriz, a romena radicada na França Anamaria Vartolomei, de ‘O acontecimento’ (2021), está muito bem no papel central. Após passar nos cinemas brasileiros esse ano, chega ao streaming da Reserva Imovision.
 


Improvisação perigosa
 
Comédia policial divertida, produzida e lançada pelo Prime Video em parceria com a MGM, com uma envolvente fotografia nas reais ruas de Londres. A produção britânica narra a jornada fustigante de três atores (Bryce Dallas Howard, Orlando Bloom e Nick Mohammed) contratados pela polícia para se infiltrar no submundo do crime na capital da Inglaterra. Dois deles trabalham com improviso e standup e outro é um artista de rua. Por alguns dias fingirão ser bandidos, tendo de mudar o estilo de roupa e linguagem corporal, para percorrer becos escuros que são territórios de traficantes e matadores. A ideia é que colham informações sobre uma perigosa quadrilha e repasse tudo para os agentes policiais. Mas, como é de se supor, o trio cairá em armadilhas. O elenco principal tem afinidade em cena, sabe dosar humor, com momentos engraçados, e entram de cabeça nas sequências realistas de perseguição e tiroteio. Dos criadores de ‘Sem segurança nenhuma’ (2012), tem argumento original de Colin Trevorrow, de ‘Jurassic World – O mundo dos dinossauros’ (2015). Dos produtores de ‘Homens de preto’, o filme conta com participação de Sean Bean, Ian McShane e Paddy Considine. Exibido nos festivais de Tribeca e SXSW, está no Prime Video.


 
Echo Valley
 
Produção original da AppleTV, que vem colocando bons filmes nos cinemas, como ‘Assassino da Lua das Flores’ (2023) e ‘F1 – O filme’ (2025), o drama com suspense crescente conta com um roteiro preciso do criador da série ‘Mare of Easttown’ (2021), Brad Ingelsby, e direção de Michael Pearce, de ‘A fera’ (2017 – premiado no Bafta). Duas atrizes que admiro entregam grande performance, com forma e conteúdo: Julianne Moore e Sydney Sweeney. Elas interpretam, respectivamente, mãe e filha num ciclo de reconciliação e destruição. Moore é uma mãe que não tem contato com a filha rebelde, que faz uso de drogas; ela mora sozinha numa fazenda isolada chamada Echo Valley (‘Vale do Eco’) onde cuida de cavalos e treina com eles. A filha reaparece em sua porta numa noite, assustada, com manchas de sangue pelo corpo. A mãe descobre que a jovem assassinou um ex-namorado, que era abusivo. As duas, então, armam um plano para sumir com o corpo e enganar a polícia. No entanto, o jogo muda com a chegada, na fazenda, de um conhecido do rapaz assassinado (papel de Domhnall Gleeson). É uma fita classe A, bem realizada, com boa entrega dos atores, que não só deve ser vista como um passatempo de suspense, mas um drama pesado sobre o amor de uma mãe levada até a última consequência para proteger um filho. Tem ainda participação menor de dois conhecidos do público, a atriz irlandesa Fiona Shaw e o americano Kyle MacLachlan. Está na AppleTV.


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