terça-feira, 3 de junho de 2025

Estreias no streaming


A artista e o ladrão
 
O Sesc Digital, plataforma de streaming do Sesc criado no auge da pandemia da covid, em abril de 2020, traz uma curadoria peculiar, de filmes cultuados e desconhecidos, que ficam gratuitamente no ar por um ou dois meses. Toda semana lançam, pelo menos, quatro estreias. Está em ‘cartaz’ lá até amanhã esse incrível documentário que eu não tinha ouvido falar, ‘A artista e o ladrão’, vencedor do prêmio do júri no Festival de Sundance em 2020. Com direção do norueguês Benjamin Ree, essa coprodução Noruega/EUA conta uma história no mínimo estranha e bem curiosa – a amizade de uma artista plástica com o ladrão que roubou suas obras de arte. Pintora hiper-realista conceituada, nascida na República Tcheca e hoje moradora da Noruega, Barbora Kysilkova criou um forte vínculo com o criminoso que furtou dois de seus quadros de uma galeria de arte em Oslo, em 2015. Karl-Bertil Nordland e um comparsa invadiram o local e levaram suas obras, avaliadas em milhares de euros. Câmeras de vigilância flagraram o ocorrido, a dupla foi detida, então Barbora desenvolveu um fascínio em descobrir informações sobre o acusado. Eles se encontraram, a artista virou uma espécie de conselheira de Nordland, até que passa a cuidar do homem após ser ferido em um acidente de carro. Ele não tinha família e precisava de cuidados, então a pintora o ajuda, mesmo sem nunca ter recebido os quadros de volta. O diretor do filme, com sua lente precisa, acompanha os encontros de ladrão e vítima, que toparam participar de um projeto inicialmente pensado como um curta-metragem, mas que aos poucos ganhou novos contornos e virou um longa. O filme acompanha três anos na vida deles, entre 2016 e 2019, entre longas conversas, confidências, discussão do passado etc. Amigos e familiares de Barbora não entendem os motivos dessa relação, e aos poucos ela vai trabalhando isso com o espectador. Recomendo – é um filmão. Assistam em https://sesc.digital/home
 

 
Quando as luzes das marquises se apagam - A História da Cinelândia Paulistana
 
Outro bom documentário, agora brasileiro, na plataforma Sesc Digital, streaming do Sesc que completou cinco anos, e que segue disponível de forma gratuita até amanhã. Como cinéfilo e crítico, frequentador assíduo de salas de cinema, fiquei emocionado ao rever esse filme que conheci em 2018 no Festival ‘É Tudo Verdade’. Reunindo vasto material fotográfico das antigas, o filme resgata a história das salas de cinema da Cinelândia Paulistana, situadas, a maioria delas, nas avenidas Ipiranga e São João, entre o Largo do Paissandu e a Praça Júlio Mesquita. Num quadrilátero compreendido entre cinco quarteirões no centro velho de São Paulo, 15 cinemas funcionaram ali, alguns fechados, outros demolidos, como Cine Art Palácio, Cine Ipiranga, Cine Marrocos, Cine Jussara, Cine Metro e Comodoro. Por meio de depoimentos de sete frequentadores dos espaços, o filme se constrói pelas memórias deles - o escritor Ignácio de Loyola Brandão, o montador de cinema e professor Máximo Barro, os arquitetos e urbanistas Paula Freire Santoro e Nabil Bonduki, o professor de Cinema da USP Eduardo Simões dos Santos Mendes, o jornalista, diretor e pesquisador Inimá Simões e o proprietário de cinemas e distribuidor Francisco Luccas Netto. Uns depõem de suas casas lembrando do período áureo da Cinelândia, entre as décadas de 50 e 60, enquanto parte deles percorre as ruas do centro velho onde funcionavam as salas, relembrando fatos curiosos, sessões que assistiram etc. Os entrevistados falam da arquitetura dos cinemas, do público que ali vinha, da importância desses espaços na construção cultural de São Paulo. A Cinelândia Paulistana viveu seu auge nos anos 50, abraçando um público de 30 milhões de espectadores por ano, até sofrer o baque nos anos 80, com o fechamento gradual das salas por causa da concorrência com os cinemas de shopping centers – mas antes de decretar falência, algumas compunham em sua programação filmes pornográficos. Boa parte dessas salas viraram escritórios, outras igrejas, um desfecho parecido com tantas salas de cinema pelo Brasil e mundo afora – o documentário exibido em Cannes ‘Retratos fantasmas’ (2023), de Kleber Mendonça Filho, fala desse triste fenômeno. Um documentário fundamental para estudantes de cinema e cinéfilos em geral, que é uma viagem ao tempo, de um período que não volta mais. Disponível no Sesc Digital até o dia 03 de junho, em https://sesc.digital/home
 

 
Grand Theft Hamlet
 
A Mubi e seu acervo de filmes incrivelmente inusitados... Misturando documentário e ficção, ‘Grand Theft Hamlet’ (2024) é um filme de drama e ação que se passa dentro do jogo Grand Theft Auto Online, um derivado do clássico jogo de assalto a carros GTA. Em busca de trabalho, dois atores de teatro, desempregados durante a pandemia, quando os teatros foram fechados, lançaram-se num desafio tremendo: encenar a peça ‘Hamlet’ com suas skins e fazendo a narração dentro do jogo preferido deles, o GTA online. Sam Crane, ator de ‘Napoleão’ (2023), é um Hamlet da periferia, um gangster de cabelos azuis, futuro rei de uma Dinamarca que se parece o gueto americano. Mark Oosterveen, ator de ‘Guerra sem regras’ (2024), interpreta Apolonio, conselheiro do Rei Claúdio, um inimigo de Hamlet. O protagonista embarca numa jornada épica, perseguido por bandidos portando fuzis em carros e helicópteros, enquanto planeja se vingar da morte do pai e assim recuperar o território que lhe pertence, hoje tomado por uma gangue rival. Trocando a linguagem formal de William Shakespeare por gírias atuais, mudando a Dinamarca do século XVII para um subúrbio violento e anárquico do século XXI, o doc/drama se constitui 100 por cento no jogo em ação – são 89 minutos de ambiente virtual, com cenário do GTA, com todos os personagens de Hamlet numa jornada de começo, meio e fim, e a narração dos atores ajudando a compor essa intensa trama – aparecem Rei Claudio, Gertrudes, Ofélia, Laertes, o fantasma do pai de Hamlet, Horácio e a dupla Rosencrantz e Guildenstern. Um filme diferente como narrativa, um jogo inteiro filmado e vendido para cinema. Será uma experiência interessante para aqueles que se afinarem com a proposta. Vencedor do Grande Prêmio do Júri no SXSW, participou de diversos festivais conhecidos de documentário, como CPH:DOX, Visions du Réel Film Festival e Hot Docs International Film Festival. Produção da Mubi, entrou mês passado no streaming deles.

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