Levados pelas marés
Profícuo, o chinês Jia
Zhang-ke é figura central da chamada ‘Sexta Geração’ de cineastas do seu país e
já produziu, dirigiu e escreveu mais de 30 filmes, entre curtas e longas,
premiados em inúmeros festivais. Gosto especialmente de ‘Um toque de pecado’
(2013), ‘As montanhas se separam’ (2015) e ‘Amor até as cinzas’ (2018), e menos
de ‘Levados pelas marés’ (2024), mas que ainda é um exercício estético e
autoral do diretor. Traz uma história de amor de 20 anos em uma China em
constante transformação política/social/ cultural, entre 2002 e 2022,
terminando no sombrio tempo da pandemia. É um olhar épico e grandioso de um
romance perdido no tempo, sem a brutalidade do seu cinema violento, como vimos
em ‘Amor até as cinzas’, que tem algumas semelhanças com esse novo longa. Vemos
uma outra China, a China dos rios e das metrópoles, e as imagens exploradas
pelo diretor alternam entre filmes caseiros e aqueles de maior qualidade.
Lento, contemplativo, ainda é um filme do diretor que deve ser considerado,
mesmo sem o impacto visual das obras anteriores. Exibido nos festivais de
Cannes, Toronto e Londres, teve sessões na Mostra Internacional de Cinema de SP
em outubro de 2024, onde recebeu o prêmio da crítica de melhor longa
estrangeiro. Entrou em cartaz nesse fim de semana nos principais cinemas com
distribuição do Filmes da Mostra – juntamente com o documentário de Walter
Salles ‘Jia Zhang-ke: Um homem de Fenyang’ (2014), que retorna para as salas.
Jia Zhang-ke: Um
homem de Fenyang
Uma viagem do cineasta
brasileiro Walter Salles para a China, para um encontro com o diretor, produtor
e roteirista Jia Zhang-ke, é a essência desse documentário exibido nos
festivais de Berlim, Londres e Roma, além da Mostra Internacional de Cinema de
São Paulo. Os dois caminham e conversam pelas ruas de cidades da China, como
Pequim, locações dos filmes de Zhang-ke – Salles nunca aparece, e a câmera se
centra no diretor chinês. Eles se encontram com atores e amigos do diretor, que
relembra como foram realizadas obras importantes de sua carreira, como ‘Plataforma’
(2000), ‘O mundo’ (2004), ‘Em busca da vida’ (2006) e ‘Um toque de pecado’ (2013).
É um registro das memórias de um cineasta inquieto, seu processo criativo longo
e detalhista, como escreve histórias de coisas reais, vividas por ele. Também é
uma reflexão sobre uma China em permanente transformação nesse novo século. Cortes
de cenas de filmes de Zhang-ke aparecem para destacar suas lembranças. Salles é
um fã do diretor nascido em Fenynang e ganhador de prêmios em Cannes e Veneza, prestando
uma sincera homenagem ao seu cinema - as entrevistas são conduzidas por ele e pelo
crítico francês Jean-Michel Frodon, ex-editor da Cahiers du Cinéma. Lançado em
2014, o documentário volta a ser exibido nos cinemas, com distribuição da
Filmes da Mostra, juntamente com o novo trabalho de Jia Zhang-ke, ‘Levados
pelas marés’ (2024). PS - Anos atrás saiu em DVD pela Bretz Filmes/VideoFilmes.
Andy Warhol – Um
sonho americano
Doc de 2023 rodado na
Eslováquia, sobre as origens do multiartista fundador da Pop Art Andy Warhol. Warhol
tinha sangue eslovaco - seus pais eram descendentes de rutenos, ucranianos e
eslovacos, e emigraram, na década de 10, para os Estados Unidos, onde se
instalaram na Pensilvânia, estado de nascimento de Andy. O filme percorre os
lugares em que a família dele, os Warhola, viveu, o vilarejo de Miková, na Eslováquia
- na época território da Áustria-Hungria, no final do século XIX. O diretor tcheco,
de origem eslovaca, L'ubomír Ján Slivka, e sua equipe entrevistam primos,
sobrinhos e outros familiares que ainda vivem na localidade, que falam de Andy
e da relação dele com a religião e as artes. É uma nova perspectiva da
biografia de um dos artistas mais autorais do século XX, expoente da Pop Art
nos anos 60 e 70, idolatrado e ao mesmo tempo odiado e criticado. Warhol virou
um ícone cultural, um crítico da sociedade de consumo e inovador com sua obra
satírica e ainda hoje malcompreendida. Criou as serigrafias do sabão Brillo e das
latas de Sopa Campbell e as imagens em série com cores destoantes de Marilyn
Monroe, Mao Tsé-Tung e Mickey Mouse, realizou filmes experimentais nos anos 60
e teve uma vida conturbada. Misterioso, introspectivo, com uma obra enigmática,
morreu no auge da carreira, aos 58 anos, em 1987. Com um material inédito de
fotos de arquivo de família, principalmente do artista quando criança, o doc foge
das convenções e narrativa de outros tantos documentários que existem sobre
Warhol. Está nos principais cinemas brasileiros, com distribuição da Autoral
Filmes.
Torre Grenfell: A
verdade por trás do desastre
Doc britânico da Netflix
que estreou anteontem, mais um bom exemplar dos documentários de investigação
do maior streaming do mundo. O filme narra as investigações em torno do incêndio
na Torre Grenfell, edifício residencial de 24 andares em North Kensington, no
oeste de Londres, Inglaterra, ocorrido em 2017 e que matou 72 pessoas. O fogo
começou repentinamente em um dos andares e se alastrou de forma impressionante,
tomando conta de todo a lateral do edifício e depois no prédio inteiro; moradores
morreram queimados, outros sufocados pela fumaça na tentativa de escapar pelas
escadas. Passados oito anos da tragédia, o filme colhe depoimentos de
sobreviventes, amigos e familiares de vítimas, dos bombeiros e da polícia que
atuou no caso, e ainda de investigadores, que revelam dados chocantes: o prédio
tinha revestimento de polietileno, proibido em muitos países por ser inflamável
– só que na Inglaterra era liberado seu uso. Relatório final do ‘Caso Grenfell’,
de setembro de 2024, informa que houve uma série de falhas desde a construção
do prédio, no início dos anos 70, passando por problemas de manutenção e negligência
do governo e dos setores de engenharia e construção civil. O edifício era uma verdadeira
‘armadilha mortal’. Tudo isso é contado nesse bom filme da Netflix, com muitas
imagens de arquivo - parte delas feitas por celulares de moradores que capturaram
o fogo por diversos ângulos. A tragédia abriu espaço para uma discussão na
sociedade quanto à segurança na construção civil.
Vladivostok
Estreia do fim de semana
na programação gratuita do projeto ‘Cinema soviético e russo em casa’, mantido
pela CPC-Umes em seu canal do Youtube. Lançado em 2021, dirigido por Anton
Bormatov, o filme é um drama romântico que ganha ares de thriller, gravado
durante a pandemia da covid-19, cuja história se desenrola nesse contexto. Um
jovem soldado, Viktor (Andrey Gryzlov), comete um crime acidentalmente – ele mata
um oficial da corporação, e acaba fugindo para não ser preso. Abriga-se na
cidade portuária de Vladivostok, do outro lado da Rússia, divisa com a China.
Lá se encontra com um amigo, Rinat (Ivan Shakhnazarov), que poderá ajudá-lo a
sair ilegalmente do país. Naquela cidade de arquitetura moderna com traços
arcaicos, cortada pelo Oceano Pacífico, Viktor acabará se apaixonando por uma
mulher misteriosa, Nika (Anastasiya Talyzina), que guarda segredos de uma vida
desregrada. Enquanto aguarda para sair da Rússia, envolve-se com Nika e inicia
um trabalho temporário, para substituir um conhecido de Rinat, como condutor de
um pequeno barco que busca e traz cargas nada convencionais. Aos poucos a trama
de romance vira policial, girando ao redor desse personagem anti-herói, que não
revela sua identidade devido a um crime cometido e tenta a todo tempo fugir de
uma cidade que o aprisiona. O desfecho amargo reforça o clima de ameaça e morte
que pairam sempre no ar. O roteiro é de Karen Shakhnazarov, diretor dos
estúdios Mosfilm, que produz o filme – ele é cineasta, fez obras fundamentais
da Rússia contemporânea, como ‘Cidade zero’ e ‘Tigre branco’, e é pai do ator
que faz Rinat, Ivan; escreveu o roteiro ao lado de Aleksei Buzin. O filme tem exibição
gratuita até amanhã à noite, dia 23/06.
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