Ainda não é amanhã
Produção independente, o
drama brasileiro que estreou nos cinemas no último final de semana é um duro retrato
da criminalização do aborto. No filme, a jovem Janaína, de 18 anos, estudante bolsista
do primeiro ano de Direito, é a única pessoa da sua humilde família a entrar na
universidade. Moradora da periferia de Recife, no Pernambuco, é abalada com a
notícia de que está grávida, o que colocará seus sonhos e estudos à prova. Toca
em um assunto delicado ao universo feminino, a gravidez não desejada, e os desdobramentos
desse tema, como a tentativa de aborto, a criminalização, o julgamento e a
falta de políticas públicas sobretudo para mães solo e periféricas. Hoje o
aborto é proibido no Brasil – somente aceito em casos de estupro, risco de vida
da gestante ou má-formação encefálica do feto, e o debate reacende vez ou outra
no país, sem nunca obter avanços significativos. Nos últimos anos foram
registrados mais de 500 mil abortos clandestinos, sendo que muitas dessas
mulheres morrem ou adquirem doenças graves. ‘Ainda não é amanhã’ fala disso de
maneira humana e jovial, numa linguagem para todos os públicos. É o primeiro
longa da diretora Milena Times, que faz uma estreia firme e brilhante, sabendo manusear
o elenco de nomes pouco conhecidos, mas que prezam os papeis, como a
protagonista Mayara Santos – que mergulha numa personagem difícil e angustiante,
Clau Barros, Cláudia Conceição, Bárbara Vitória, Mário Victor, Guta Menelau e
Lalá Vieira. Vencedor do prêmio de melhor atriz no Festival do Rio, o drama tem
produção assinada pela Espreita Filmes, Ponte Produtoras e Ventana Filmes, com
distribuição nas salas pela Embaúba Filmes.
Os três reis
Outro filme independente
brasileiro, mas aqui uma tentativa fracassada de se fazer um road movie no
interior de São Paulo. É uma comédia com toques de ação, dirigida por Steven
Phil, rodada na pequena Santa Branca, cidade paulista no Vale do Paraíba, com
14 mil habitantes. O elenco é desconhecido, de jovens atores como Giovani
Venturini, Murilo Meola e Rodrigo Dorado, participações dos veteranos Lucélia
Machiavelli e Vicentini Gomez e da dupla sertaneja Maurício & Mauri e aparição,
no finalzinho, do cantor e compositor Eduardo Araújo, ex-Jovem Guarda. É a
história de uma busca sem fim: três irmãos - um ex-presidiário, um mecânico e
um enfermeiro saem, de carro, para procurar pelo pai, desaparecido há 20 anos.
O objetivo é entregar a ele uma carta da mãe, que fez tal pedido antes de
morrer. Tem a metáfora dos três reis magos – inclusive os irmãos se chamam
Baltazar, Belchior e Gaspar, um humor imperceptível, tenta tocar em temas sérios
como homofobia e abandono familiar, mas sem profundidade em uma trama que pouco
se sustenta. Rodado em 2023, produzido pela Operahaus Features, tem distribuição
da Pixys Produções e codistribuição da Lira Filmes e SPcine. Está em cartaz em
35 salas de cinema, incluindo cinemas do interior, como Ribeirão Preto, São
Carlos, Sorocaba e São José do Rio Preto.
Entre dois mundos
Adoro demais a atriz
Juliette Binoche, que aparece em tudo quanto é filme ultimamente, já vencedora do
Oscar, Bafta, Berlim, Cannes e Veneza. ‘Entre dois mundos’, de 2021, estreia
com certo atraso nos cinemas brasileiros, mas não deixem de ver, pois a estrela
francesa irradia em cada aparição em cena – ela aqui foi indicada como melhor
atriz ao César, o Oscar francês, e o drama foi exibido em Cannes e premiado em
San Sebastián. É uma livre adaptação do livro autobiográfico da jornalista
francesa Florence Aubenas, ‘Le quai de Ouistreham’ (literalmente ‘Os cais de Ouistreham’,
comuna francesa onde se passa a história, mas publicado no Brasil como ‘A faxineira’),
em que a autora se infiltrou no mundo das faxineiras para narrar a dura e
humilhante jornada delas. No filme Juliette interpreta a jornalista parisiense que,
para escrever um ensaio sobre essas mulheres, disfarça-se como empregada e busca
trabalho de limpeza nas luxuosas balsas da Normandia. Ela é contratada e passar
a encenar uma vida dupla, sem ninguém saber da ‘clandestinidade’ adotada. Ela trabalha
dia e noite como faxineira, recebendo parco salário, e nos momentos de folga ou
no descanso em casa faz anotações em cadernos e no laptop para o livro. Aos
poucos, ela fica próxima de duas colegas de trabalho, faxineiras que enfrentam
sérios problemas familiares, e juntas compartilham suas angústias - mas nunca ela
revela a verdadeira identidade. Juliette está desglamourizada, sem maquiagem,
num papel duplo convincente, digno de aplausos, que abre discussões em torno da
uberização/precarização dos trabalhos, a exploração do trabalho feminino e o
alto índice de desemprego na França desde 2010, período em que transcorre a
trama. O filme marcou o retorno do diretor Emmanuel Carrère, 13 anos depois do
único longa feito até então, ‘Amor suspeito’ (2008) – ele escreveu o roteiro, adaptando-o
do livro de Florence, e é mais visto trabalhando como escritor e roteirista do
que como diretor. Em exibição nos cinemas pela Pandora Filmes.
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