Teleférico do amor
Com uma carreira de 35
anos no cinema, onde realizou 16 curtas e oito longas-metragens, o diretor alemão
Veit Helmer, do bem humorado ‘De quem é o sutiã’ (2018), lança uma nova comédia
espirituosa, que tem um estilo próprio. ‘Teleférico do amor’ (2023) chega aos
cinemas brasileiros, com distribuição da Pandora Filmes, uma fita sem diálogos,
contendo uma trilhazinha leve de fundo e uma história literalmente de idas e
vindas, de duas mulheres que trabalham como operadoras de teleférico e se
encontram, de longe, a cada meia hora, enquanto uma cabine sobe e a outra
desce. Os veículos pegam passageiros de um vilarejo no alto da montanha e os
leva para uma cidadezinha no vale, e vice-versa, e enquanto os equipamentos
fazem a viagem, elas trocam olhares, fazem caretas e brincadeiras. Algo ali
nasce entre as duas, até que se encontram rapidamente na troca de turno. Amizade?
Romance? Entre elas surge algo que extrapola os limites do trabalho. Helmer é
um diretor que realiza filmes com enquadramentos estilosos e sabe usar bem a
cor no cinema. Mais uma vez faz um bom filme experimental, com cortes repletos
de criatividade e pitadas de excentricidade, com uma fotografia primorosa, da
georgiana Goga Devdariani, cheio de paletas de cores e um registro preciso de
paisagens deslumbrantes. Um filme amoroso, feminino e com graça, produção rodada
no verão da Alemanha e nas montanhas da Georgia, numa região próxima ao Azerbaijão.
A procura de Martina
Estreia nos cinemas essa
emocionante produção brasileira rodada no Rio de Janeiro e em Buenos Aires, com
parte do elenco argentino, como a protagonista, a grande atriz veterana Mercedes
Morán, de ‘O pântano’ (2001) e ‘Neruda’ (2016), e participação das ótimas
atrizes brasileiras Carla Ribas e Luciana Paes. E dirigida por uma brasileira
que aqui faz sua estreia em longa-metragem, Márcia Faria, realizadora de curtas
e seriados, já indicada em Cannes. A ambientação do drama recorre a velhos fantasmas
da Argentina, o período cruel da Ditadura Militar, e foca na luta das ‘Avós da
Praça de Maio’, associação de direitos humanos argentina, fundada em 1977, que
busca crianças e jovens sequestrados durante a horror daquele período de
exceção. O filme acompanha uma dessas avós, Martina (Mercedes Morán), viúva que
está com Alzheimer e há 30 anos busca resposta sobre o desaparecimento do neto,
nascido em cativeiro durante a ditadura militar. Com crises de angústia,
lembrando do passado e com momentos de devaneios e alucinação por causa da
doença, encontra-se com um grupo de mulheres que estão na mesma luta – até que
chega uma pista de que o neto possa estar vivo no Brasil, o que a faz seguir
uma nova jornada ao país vizinho. Morán nos entrega uma performance
arrebatadora, que representa bem a luta por justiça de mulheres que tiveram
filhos, maridos e netos mortos pelo terrorismo de Estado cometido na pior das
ditaduras da América do Sul – tanto as associações ‘Mães da Praça de Maio’ quanto
‘Avós da Praça de Maio’ calculam 30 mil desaparecidos entre na ditadura
ocorrida entre 1976 e 1983. Um drama emocionante, bonito, corajoso e
representativo, escrito por Márcia Faria ao lado de outra cineasta importante do
atual panorama do cinema brasileiro, Gabriela Amaral, de ‘O animal cordial’ (2017)
e ‘A sombra do pai’ (2018). Vencedor dos prêmios de melhor filme no Festival
Mar de Plata (Argentina) e no Festival de Cinema do Uruguai, por voto popular. Produzido
pela Kromaki e Ipanema Filmes, está nos cinemas brasileiros, distribuído pela
Bretz Filmes.

Oh, Canadá
Para um público bem específico,
indico o novo trabalho do roteirista e diretor Paul Schrader, cineasta autoral que
gosto muito, mesmo em seus filmes menos lembrados, como da safra de 2017 até
aqui, por exemplo, com a trilogia de drama/thriller ‘Fé corrompida’ (2017),
indicado ao Oscar de melhor roteiro, ‘O contador de cartas’ (2021), indicado ao
Leão de Ouro em Veneza, e ‘O jardim dos desejos’ (2022), exibido no Festival de
Veneza. ‘Oh, Canadá’ (2024) é um drama com fundo de guerra, adaptado do livro do
premiadíssimo escritor Russell Banks (1940-2023), a quem Schrader dedica a obra
– Banks escreveu dois livros que viraram cinema, ‘O doce amanhã’ (1997), de
Atom Egoyan, e ‘Temporada de caça’ (1997), que Schrader dirigiu. Indicado à Palma
de Ouro em Cannes, o diretor volta a trabalhar com o astro Richard Gere depois
de 45 anos de ‘Gigolô americano’ (1980). No novo projeto, Gere, envelhecido, com
ar decadente, interpreta Leonard Fife, um documentarista norte-americano com
doença terminal, fechado em sua cadeira de rodas, que planeja uma última
entrevista antes de morrer. A esposa, Emma (Uma Thurman), telefona para um
ex-aluno de Fife, que trabalha com cinema, Malcolm (Michael Imperioli), e o
leva até a mansão onde moram, em Montreal, no Canadá. Preparam uma sala escura
para a gravação; diante das câmeras, Fife relembra a juventude e passagens
obscuras de quando fugiu para o Canadá para não ser convocado para a Guerra do
Vietnã. A esposa desconhece parte dessa trajetória, que atinge o ápice quando conta
como traiu amigos e familiares, seja na universidade, onde foi um professor
progressista, ou em casa. Jacob Elordi, ator do momento, de ‘Priscilla’ (2023),
interpreta Fife na juventude, e Imperioli e Uma aparecem pouco como
coadjuvantes. Nesse filme de longuíssimos diálogos e memórias tortuosas, um
jogo controverso é entrelaçado entre passado e presente, todo narrado pelo
ponto de vista de um único personagem, Fife – por isso não sabemos se são
verdades, devaneios ou invenções, enquanto o protagonista morre aos poucos
frente às câmeras. Fife se mostra um personagem de seu próprio mundo, um mundo
de mentiras e enganações, um traidor da pátria que tenta um mea culpa no fim da
vida. Schrader é uma lenda viva do cinema, roteirista de filmes emblemáticos
como ‘Taxi driver’ (1976) e ‘Touro indomável’ (1980), ambos dirigidos por
Martin Scorsese, e nessa nova safra adentra um ciclo de fitas pessoais, com
sabor amargo, específicas para cinéfilos que cultuam um bom cinema alternativo.
Gostei e recomendo. Está nos cinemas pela California Filmes.
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