terça-feira, 10 de junho de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming – Parte 3

 
Teleférico do amor
 
Com uma carreira de 35 anos no cinema, onde realizou 16 curtas e oito longas-metragens, o diretor alemão Veit Helmer, do bem humorado ‘De quem é o sutiã’ (2018), lança uma nova comédia espirituosa, que tem um estilo próprio. ‘Teleférico do amor’ (2023) chega aos cinemas brasileiros, com distribuição da Pandora Filmes, uma fita sem diálogos, contendo uma trilhazinha leve de fundo e uma história literalmente de idas e vindas, de duas mulheres que trabalham como operadoras de teleférico e se encontram, de longe, a cada meia hora, enquanto uma cabine sobe e a outra desce. Os veículos pegam passageiros de um vilarejo no alto da montanha e os leva para uma cidadezinha no vale, e vice-versa, e enquanto os equipamentos fazem a viagem, elas trocam olhares, fazem caretas e brincadeiras. Algo ali nasce entre as duas, até que se encontram rapidamente na troca de turno. Amizade? Romance? Entre elas surge algo que extrapola os limites do trabalho. Helmer é um diretor que realiza filmes com enquadramentos estilosos e sabe usar bem a cor no cinema. Mais uma vez faz um bom filme experimental, com cortes repletos de criatividade e pitadas de excentricidade, com uma fotografia primorosa, da georgiana Goga Devdariani, cheio de paletas de cores e um registro preciso de paisagens deslumbrantes. Um filme amoroso, feminino e com graça, produção rodada no verão da Alemanha e nas montanhas da Georgia, numa região próxima ao Azerbaijão.
 

 
A procura de Martina
 
Estreia nos cinemas essa emocionante produção brasileira rodada no Rio de Janeiro e em Buenos Aires, com parte do elenco argentino, como a protagonista, a grande atriz veterana Mercedes Morán, de ‘O pântano’ (2001) e ‘Neruda’ (2016), e participação das ótimas atrizes brasileiras Carla Ribas e Luciana Paes. E dirigida por uma brasileira que aqui faz sua estreia em longa-metragem, Márcia Faria, realizadora de curtas e seriados, já indicada em Cannes. A ambientação do drama recorre a velhos fantasmas da Argentina, o período cruel da Ditadura Militar, e foca na luta das ‘Avós da Praça de Maio’, associação de direitos humanos argentina, fundada em 1977, que busca crianças e jovens sequestrados durante a horror daquele período de exceção. O filme acompanha uma dessas avós, Martina (Mercedes Morán), viúva que está com Alzheimer e há 30 anos busca resposta sobre o desaparecimento do neto, nascido em cativeiro durante a ditadura militar. Com crises de angústia, lembrando do passado e com momentos de devaneios e alucinação por causa da doença, encontra-se com um grupo de mulheres que estão na mesma luta – até que chega uma pista de que o neto possa estar vivo no Brasil, o que a faz seguir uma nova jornada ao país vizinho. Morán nos entrega uma performance arrebatadora, que representa bem a luta por justiça de mulheres que tiveram filhos, maridos e netos mortos pelo terrorismo de Estado cometido na pior das ditaduras da América do Sul – tanto as associações ‘Mães da Praça de Maio’ quanto ‘Avós da Praça de Maio’ calculam 30 mil desaparecidos entre na ditadura ocorrida entre 1976 e 1983. Um drama emocionante, bonito, corajoso e representativo, escrito por Márcia Faria ao lado de outra cineasta importante do atual panorama do cinema brasileiro, Gabriela Amaral, de ‘O animal cordial’ (2017) e ‘A sombra do pai’ (2018). Vencedor dos prêmios de melhor filme no Festival Mar de Plata (Argentina) e no Festival de Cinema do Uruguai, por voto popular. Produzido pela Kromaki e Ipanema Filmes, está nos cinemas brasileiros, distribuído pela Bretz Filmes.


 
Oh, Canadá
 
Para um público bem específico, indico o novo trabalho do roteirista e diretor Paul Schrader, cineasta autoral que gosto muito, mesmo em seus filmes menos lembrados, como da safra de 2017 até aqui, por exemplo, com a trilogia de drama/thriller ‘Fé corrompida’ (2017), indicado ao Oscar de melhor roteiro, ‘O contador de cartas’ (2021), indicado ao Leão de Ouro em Veneza, e ‘O jardim dos desejos’ (2022), exibido no Festival de Veneza. ‘Oh, Canadá’ (2024) é um drama com fundo de guerra, adaptado do livro do premiadíssimo escritor Russell Banks (1940-2023), a quem Schrader dedica a obra – Banks escreveu dois livros que viraram cinema, ‘O doce amanhã’ (1997), de Atom Egoyan, e ‘Temporada de caça’ (1997), que Schrader dirigiu. Indicado à Palma de Ouro em Cannes, o diretor volta a trabalhar com o astro Richard Gere depois de 45 anos de ‘Gigolô americano’ (1980). No novo projeto, Gere, envelhecido, com ar decadente, interpreta Leonard Fife, um documentarista norte-americano com doença terminal, fechado em sua cadeira de rodas, que planeja uma última entrevista antes de morrer. A esposa, Emma (Uma Thurman), telefona para um ex-aluno de Fife, que trabalha com cinema, Malcolm (Michael Imperioli), e o leva até a mansão onde moram, em Montreal, no Canadá. Preparam uma sala escura para a gravação; diante das câmeras, Fife relembra a juventude e passagens obscuras de quando fugiu para o Canadá para não ser convocado para a Guerra do Vietnã. A esposa desconhece parte dessa trajetória, que atinge o ápice quando conta como traiu amigos e familiares, seja na universidade, onde foi um professor progressista, ou em casa. Jacob Elordi, ator do momento, de ‘Priscilla’ (2023), interpreta Fife na juventude, e Imperioli e Uma aparecem pouco como coadjuvantes. Nesse filme de longuíssimos diálogos e memórias tortuosas, um jogo controverso é entrelaçado entre passado e presente, todo narrado pelo ponto de vista de um único personagem, Fife – por isso não sabemos se são verdades, devaneios ou invenções, enquanto o protagonista morre aos poucos frente às câmeras. Fife se mostra um personagem de seu próprio mundo, um mundo de mentiras e enganações, um traidor da pátria que tenta um mea culpa no fim da vida. Schrader é uma lenda viva do cinema, roteirista de filmes emblemáticos como ‘Taxi driver’ (1976) e ‘Touro indomável’ (1980), ambos dirigidos por Martin Scorsese, e nessa nova safra adentra um ciclo de fitas pessoais, com sabor amargo, específicas para cinéfilos que cultuam um bom cinema alternativo. Gostei e recomendo. Está nos cinemas pela California Filmes.



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