terça-feira, 17 de junho de 2025

Estreias da semana - Nos cinemas e no streaming - Parte 2

 
Na teia da aranha
 
Exibido no Festival de Cannes (fora da competição) e depois no Festival do Rio, chega agora aos cinemas brasileiros pela Pandora Filmes o novo trabalho do diretor sul-coreano Kim Jee-woon, que esteve em São Paulo na semana passada para acompanhar a estreia e também participar da 14ª Mostra de Cinema Coreano no Brasil (mostra em parceria entre a Pandora Filmes e o Centro Cultural Coreano no Brasil, que segue até dia 19/06, no REAG Belas Artes). Pode não soar familiar o nome de Kim Jee-woon, mas ele é um diretor de filmes formidáveis de ação e terror que fizeram a cabeça de um público cult nas duas últimas décadas; são dele o horror sobrenatural ‘Medo’ (2003 – refilmado nos EUA em 2009 com o título ‘O mistério das duas irmãs’), ‘Os invencíveis’ (2008, uma paródia incrivelmente absurda do faroeste ‘Três homens em conflito’, de Sergio Leone, com muita ação e humor), ‘Eu vi o diabo’ (2010, filme de psicopata), ‘O último desafio’ (2013, ação com Arnold Schwarzenegger) e ‘A era da escuridão’ (2016, ação que se passa na Segunda Guerra Mundial). Agora ele fz uma comédia satírica que se volta ao mundo dos bastidores do cinema, por meio de uma história metalinguística e com teor autobiográfico, cheia de divagações na mente de um cineasta em crise. O contexto é a Coreia do Sul dos anos 70, controlada pelo regime militar autoritário de Park Chung-hee. Kim (Song Kang-ho) é um diretor criativo, mas criticado recentemente pelo seu cinema considerado trash. Ele está finalizando um novo trabalho que promete dar uma guinada na carreira, um filme de suspense com crime. Certo dia, pensativo, chega ao set de filmagem disposto a refazer o desfecho, após ter um sonho com um final alternativo. Só que o roteiro com a parte nova é censurado pelo governo vigilante, uma ditadura. Ele então convence elenco e produção a gravar as partes escondido – para tanto, todos se trancam num estúdio sem ninguém saber, durante dois dias. O set se transforma num caos, com brigas, problemas técnicos e falta de compreensão da equipe. Uma sátira que se utiliza do tragicômico para mostrar como a ditadura censura a liberdade de expressão impondo os seus valores. Estrelado por Song Kang-ho, astro sul-coreano de filmes como ‘Memórias de um assassino’ (2003) e ‘Parasita’ (2019), o filme tem uma estrutura engenhosa, que mistura realidade e ficção – no final entendemos o título em português. Aliás, também no final, há uma cena marcante, um grandioso plano-sequência, em que vemos os dois lados – como aquilo tudo é gravado, nos bastidores, e depois como a cena fica pronta. Gostei muito do filme e recomendo.



Deusas em fúria
 
Escrito, produzido e dirigido por uma das personalidades mais importantes do atual cinema indiano, Pan Nalin, dos premiados dramas de aventura ‘Samsara’ (2001) e ‘Vale das flores’ (2006). ‘Deusas em fúria’ (2015) é um drama feminino envolvente, sobre a sororidade de um grupo de mulheres, amigas de longa data, que após uma confraternização abrem o jogo para relatar abusos sofridos, sejam por seus parceiros, pela sociedade ou oprimidas no trabalho. Elas inicialmente se reúnem para uma celebração, na casa de uma das amigas, que é uma fotógrafa e irá anunciar que está prestes a se casar. Durante um período de férias em uma casa de veraneio, as amigas compartilharão momentos íntimos, muitos deles por meio de memórias, numa jornada de descobertas que fortalecerá a relações do grupo. Entre rituais cotidianos, como cantar alto, dançar e jantar juntas em volta da mesa, elas revidam como podem a um mundo hostil às mulheres – na Índia, a população feminina é privada de seus direitos, desde o nascimento, forçadas ao trabalho e vítimas de machismo e estupro. Até que uma tragédia inesperada muda o curso da vida das amigas - uma reviravolta chocante ocorrerá na história, mudando o tom do drama para ação com suspense, justificando o título do filme. A fotografia do filme é marcada por passagens contrárias – é solar quando o grupo está unido em casa festejando, e escura e sombria no desfecho brutal. Exibido no Festival de Toronto, o filme está disponível no streaming Sesc Digital de forma gratuita até o dia 24/06, em https://sesc.digital
 

 
Romance de escritório
 
Pouco se conhece do cinema da antiga União Soviética, exceto os filmes dos primórdios, das décadas de 10 e 20, de Dziga Vertov e Eisenstein, pais da linguagem construtivista, e os de Tarkovski, entre os anos 70 e 80, fase do Novo Cinema Soviético. Houve muitas produções nessa transição de épocas, entre as décadas de 30 e 70, de longas nunca lançados no Brasil. Salvo agora pela CPC-Umes Filmes, que vem, há um bom tempo, resgatando esse cinema perdido. A última descoberta da CPC-Umes é ‘Romance de escritório’ (1977), que entrou no fim de semana passado no programa ‘Cinema Soviético e Russo em casa’, no streaming da CPC-Umes no Youtube, gratuito. Com uma belíssima imagem restaurada pelos estúdios da Mosfilm em sua metragem original, de 158 minutos, é uma comédia romântica que critica costumes, principalmente sobre a vida dos burocratas controlados pelo Estado Soviético. O filme segue o dia a dia de funcionários de um escritório de estatísticas de Moscou durante o rigoroso inverno. Do lado de fora do prédio, o gelo toma conta das ruas, e do lado de dentro, um romance inusitado de um tímido trabalhador, Anatoly (Andrey Myagkov), com a chefe, Lyudmilla (Alisa Freyndlikh), chamada por todos de ‘bruxa’ – tanto pela aparência feiosa quanto por ser brava. Os dias maçantes do trabalho ganham cor quando eles estão juntos. Os dois não entendem direito a paixão, aparentemente nunca tiveram um amor, e ao tentar uma aproximação íntima, envolvem-se em trapalhadas que nos arranca risos. Narrado por um observador, o filme tem momentos de cinema pastelão e um desfecho engraçadíssimo de destruição do escritório. Um bom filme russo/soviético de comédia e romance na medida certa, voltado ao público cinéfilo que cultua filmes diferentões.

domingo, 15 de junho de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas

 
Como treinar o seu dragão
 
Na vibe dos live-action, chega aos cinemas, quebrando a banca de outras estreias, o imperdível ‘Como treinar o seu dragão’, um filme muitíssimo bem realizado que recupera as histórias dos três filmes anteriores da franquia. Grata surpresa do ano, a fita de entretenimento infanto-juvenil mistura atores com animais, como dragões perigosos, em computação gráfica. Soluço (voz de Mason Thames, de ‘O telefone preto’), um adolescente viking, que mora na Ilha de Berk, resgata em um vale um jovem dragão chamado Banguela, que integra a temida raça ‘Fúria da Noite’. O animal está ferido e é arredio. Aos poucos, Soluço conquista Banguela e cuida dos seus ferimentos. Ele conta sobre o dragão ao pai, Stoick (Gerard Butler, de ‘Covil de ladrões’, que antes emprestava a voz para o mesmo personagem nos desenhos), que não aprova a ideia de andarem juntos. Porém, uma ameaça iminente ao território fará com que os vikings se aliem aos ‘Fúrias da Noite’ para sobreviver. Assisti na semana passada durante a pré-estreia, que ficou em cartaz em muitas salas de cinema, achei um barato e recomendo para todos. Nesse fim de semana oficial de estreia, o filme vem arrecadando boa bilheteria, tanto lá fora quanto no Brasil. Isso porque a franquia, que começou em 2010, com animações em CG, já havia conquistado o coração do público – os três filmes, lançados em 2010, 2014 e 2019 foram indicados ao Oscar de animação e fizeram enorme sucesso nas salas, contabilizando, juntos, U$ 1,6 bilhões de bilheteria, o que colocou a DreamWorks no páreo para competir com a Disney/Pixar. Tanto os desenhos anteriores como o live-action são uma livre adaptação da literatura infanto-juvenil da escritora inglesa Cressida Cowell, que fez uma série bestseller de 13 livros de ‘Como treinar o seu dragão’, entre 2003 e 2013. Butler é o único ator do elenco original que retorna no novo filme, junto ao diretor-criador da cinessérie, Dean DeBlois, ex-Disney, roteirista de ‘Lilo & Stitch’ (2002), que também ganhou live-action mês passado. Empolgante, com uma história formidável de vikings guerreiros e a amizade improvável do grupo com dragões bonzinhos lutando contra criaturas do mal. Os efeitos visuais são grandiosos na tela grande, nos arrebatam, e devem levar o Oscar em 2026.


O grande golpe do Leste
 
A extraordinária (e inusitada) história de um golpe real envolvendo o furto de mihões de dinheiro em espécie na Alemanha logo após a queda do Muro de Berlim, no início dos anos 90, é o teor dessa comédia que acaba de estrear nos cinemas. Uma família de comunistas, formada por Maren (Sandra Hüller, atriz alemã indicada ao Oscar por ‘Anatomia de uma queda’), Robert (Max Riemelt, de ‘Queda livre’) e Volker (Ronald Zehrfeld, de ‘Dying – A última sifonia’), é arrastada por um conhecido a um bunker abandonado que guarda milhões de marcos, dinheiro alemão da época, que em poucas semanas não terão validade – pois a Alemanha Oriental está ruindo, e as cédulas correntes daquele território dividido, da RDA (República Democrática da Alemanha), não passará mais a circular. O local é vigiado pela polícia, e mesmo assim eles conseguem passar imperceptíveis pelo longo túnel até o cofre subterrâneo. Enchem sacolas de dinheiro e voltam para suas casas para gastar as notas em poucas semanas, antes que o dinheiro seja retirado de circulação e incinerado, com a unificação da Alemanha. A família, que vive em um condominio, num prédio residencial, organiza uma reunião com os moradores contando o fato. Todos aceitam ajudá-los na compra de centenas de eletrodomésticos e dividir os bens entre si, como se ali fosse uma bolha socialista, onde tudo é compartilhado igualitariamente. Mas ninguém pode desconfiar do golpe secreto. Divertido, inteligente, é uma comédia de crítica social sobre um golpe de sorte que se desdobra numa amalucada competição, em que se discute as regras e a moral do capitalismo e do socialismo. Com um elenco formidável, é escrito e dirigido pela alemã Natja Brunckhorst, atriz que foi a protagonista do chocante e visceral ‘Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída (1981), que há anos trabalha como roteirista e diretora. Estreou na última quinta-feira em nove cidades brasileiras, como Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, pela Synapse Distribution.


sábado, 14 de junho de 2025

Especial de cinema

 
‘In-Edit Brasil 2025’ começa na capital; confira programação presencial e online

Aguardado pelo público cinéfilo, o ‘In-Edit Brasil – Festival Internacional do Documentário Musical’ teve início no último dia 11 e segue com uma extensa programação gratuita até 22 de junho, em São Paulo. A 17ª edição do evento exibe mais de 60 filmes, parte deles inéditos no Brasil, e traz ainda shows, feira de vinis, oficinas e palestras. Seis salas de cinema da capital paulista recebem a programação - CineSesc, Cine Bijou, SPCine Olido, SPCine Paulo Emílio e Cinemateca Brasileira (Salas Grande Otelo e Oscarito). A programação online de filmes já está liberada e segue até dia 26 de junho.
 
Ingressos
 
Todas as sessões de cinema e atividades são gratuitas. A distribuição de ingressos dos filmes começa uma hora antes de cada sessão, exceto as exibições no Cine Sesc, cujo ingresso é de R$ 10. Parte dos shows programados em algumas das casas participantes também cobram ingresso.
 



Filmes nos streaming
 
De 12 a 26 de junho, três plataformas de streaming exibem gratuitamente parte dos filmes que estão na programação: Sesc Digital, Itaú Cultural Play e SPCine Play. Serão 22 filmes disponíveis, dentre curtas, médias e longas-metragens, nacionais e internacionais, como ‘Leci’, ‘Nteregu’, ‘O Clube da Guitarrada’, ‘Hardcore 90’, ‘La danza de los Mirlos’, ‘Ave Sangria, a banda que não acabou’, e ‘A última banda de rock’. Confira a lista dos filmes em https://br.in-edit.org/programacao-online/
 
Realização
 
O ‘In-Edit’ conta com patrocínios como Itaú, Prefeitura de São Paulo, SPcine, Colombo Agroindústria e Caravelas, e parceria com dezenas de institutos culturais, como Goethe Institut e Cinemateca Brasileira. É uma realização do Ministério da Cultura, In Brasil Cultural, Sesc e Governo do Estado de São Paulo. Paralelamente ocorrem edições do In-Edit em cinco países - Espanha, Chile, Países Baixos, Grécia e México. Conheça mais sobre o Festival In-Edit Brasil no instagram https://www.instagram.com/ineditbrasil/ e no site oficial https://br.in-edit.org
 
 
Filmes assistidos e indicados por mim
 
 
Nteregu (Portugal/Guiné-Bissau, 2024 - 82 minutos)
 
O som de Guiné-Bissau, antiga colônia de Portugal, invade as telas nesse documentário modesto, mas bem montado. O filme acompanha a evolução da música naquele país da África Ocidental que faz fronteira com o Senegal, por meio de depoimento de músicos lá reconhecidos. Além de focar na variedade de sons e música, traça paralelos entre as gerações que foram marcadas pelo ritmo musical guineense, composto pelo gumbé e instrumentos como a cabaça e materiais de madeira que criam um sinfonia própria. Enquanto os entrevistados contam histórias relacionadas à ancestralidade e à política do país, fazendo críticas à colonização portuguesa, vemos o povo cantar e dançar com sua arte milenar. São registros raros e que reforçam a presença feminina na música e na cultura do país. Coprodução Portugal/Guiné-Bissau, dirigido por Manuel Loureiro e Roger Mor.
 


O Clube da Guitarrada (Brasil, 2024 - 56 minutos)
 
Documentário de Tania Menezes sobre a formação do ‘Clube da Guitarrada’, um clube de música que reúne, no primeiro domingo de cada mês, músicos e instrumentistas que celebram o ritmo mais influente da Amazônia brasileira, a Guitarrada, uma mistura de estilos musicais do Caribe, como o merengue e o mambo, e regionais, como o carimbó, lambada e cúmbia, juntando sonoridade do brega music, do choro, com banjo, bandolim e guitarra elétrica. A Guitarrada surgiu no Pará no final dos anos 70 e virou símbolo do Estado. Antigos membros dão depoimentos e gente da nova safra da Guitarrada também contas histórias nesse filme curto e interessante, que homenageia dois nomes fundadores do estilo, Mestre Vieira e Aldo Sena.
 

 
Hardcore 90 (Brasil, 2024 - 91 minutos)

Documentário vívido e empolgante sobre a cena punk de São Paulo, onde o estilo passou por transformações dos anos 80 para os 90. Entre o fim da década de 70 e quase todo os 80, despontava ali a primeira geração do punk, influenciado pelo punk americano e britânico, e que culminaria em desgraça, gerando uma onda de violência que amedrontava a sociedade. Com a nova geração a partir da década seguinte, foco desse filme, houve uma revigorada e até mudança de estilo, mais politizado, unida e socialmente consciente. Para contar a trajetória do punk em São Paulo dos anos 90, o filme reúne gravações feitas entre 2008 e 2018 com cerca de 100 indivíduos que estvieram presentes nos momentos mais marcantes daquela geração, como músicos, público e diretores de centros culturais que abrigavam shows. Dão depoimentos membros de bandas como Agrotóxico, No Violence, Paura, Execradores, Hinfamy, Invasores de Cérebros, Ação Direta, Discarga, Muzzarelas, White Frogs e Restos de Nada – esta, pioneira do punk no Brasil, que surgiu nos anos 70. A maioria dos entrevistados são homens, no entanto três mulheres vocalistas são entrevistadas, integrantes de bandas como TPM e No Class. No filme lembram a trajetória do hardcore music de 30 anos atrás, e de festas celebrativas nascidas nesse período, que serviam para a conscientização social do estilo musical, como a Verdurada, feita ainda hoje em São Paulo pelo coletivo de mesmo nome – o coletivo promove shows e oficinas anuais de hardcore. Há menções sobre a Galeria do Rock, que era ponto de encontros dos punk e roqueiros e virou palco de brigas, cenas antigas de shows em clubes e bares e entrevistas atuais. A rebeldia, a contestação, o ‘Faça você mesmo’ (lema inspirado no movimento anarquista) e a tentativa de chacoalhar o sistema são temas vivos do punk e que são discutidos no filme pelo ponto de vista dos músicos integrantes das diversas das bandas mencionadas acima. De Marcelo Fonseca e George Ferreira.
 

 
Music by John Williams (EUA, 2024 - 105 minutos)
 
De Laurent Bouzereau, documentarista realizador de inúmeros making of de cinema, o filme faz um retrospecto da carreira de mais de meio século do grandioso músico e compositor de trilhas sonoras John Williams, que completou recentemente 93 anos. Ganhador de cinco Oscars, e indicado a outros 49, Williams tem composições memoráveis no cinema, quase todas delas de filmes de Steven Spielberg, um velho parceiro e amigo que aqui fala bastante sobre ele. Williams eternizou seus arranjos musicais em filmes de sucesso, como ‘Tubarão’, ‘Os caçadores da arca perdida’, ‘ET – O extraterrestre’, ‘Jurassic Park’ – O parque dos dinossauros’ e ‘A lista de Schindler’, todos de Spielberg, além de ‘Star Wars’ e ‘Superman – O filme’. Outros compositores de cinema falam sobre ele, como Alan Silvestri, Thomas Newman e David Newman, e ainda diretores admiradores, como Lawrence Kasdan, George Lucas, J.J. Abrams e Frank Marshall, e atores e atrizes com quem trabalhou, como Kate Capshaw, esposa de Spielberg, e Ke Huy Quan. Fotos antigas de arquivo e vídeos dele regendo orquestras, bem como em sets de filmagem, aparecem para narrar essa bonita trajetória no mundo da música de cinema. Produzido por Ron Howard, está em circuito no In-Edit e também disponível no streaming Disney Plus, que distribuiu o filme no Brasil e no mundo.



terça-feira, 10 de junho de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming – Parte 3

 
Teleférico do amor
 
Com uma carreira de 35 anos no cinema, onde realizou 16 curtas e oito longas-metragens, o diretor alemão Veit Helmer, do bem humorado ‘De quem é o sutiã’ (2018), lança uma nova comédia espirituosa, que tem um estilo próprio. ‘Teleférico do amor’ (2023) chega aos cinemas brasileiros, com distribuição da Pandora Filmes, uma fita sem diálogos, contendo uma trilhazinha leve de fundo e uma história literalmente de idas e vindas, de duas mulheres que trabalham como operadoras de teleférico e se encontram, de longe, a cada meia hora, enquanto uma cabine sobe e a outra desce. Os veículos pegam passageiros de um vilarejo no alto da montanha e os leva para uma cidadezinha no vale, e vice-versa, e enquanto os equipamentos fazem a viagem, elas trocam olhares, fazem caretas e brincadeiras. Algo ali nasce entre as duas, até que se encontram rapidamente na troca de turno. Amizade? Romance? Entre elas surge algo que extrapola os limites do trabalho. Helmer é um diretor que realiza filmes com enquadramentos estilosos e sabe usar bem a cor no cinema. Mais uma vez faz um bom filme experimental, com cortes repletos de criatividade e pitadas de excentricidade, com uma fotografia primorosa, da georgiana Goga Devdariani, cheio de paletas de cores e um registro preciso de paisagens deslumbrantes. Um filme amoroso, feminino e com graça, produção rodada no verão da Alemanha e nas montanhas da Georgia, numa região próxima ao Azerbaijão.
 

 
A procura de Martina
 
Estreia nos cinemas essa emocionante produção brasileira rodada no Rio de Janeiro e em Buenos Aires, com parte do elenco argentino, como a protagonista, a grande atriz veterana Mercedes Morán, de ‘O pântano’ (2001) e ‘Neruda’ (2016), e participação das ótimas atrizes brasileiras Carla Ribas e Luciana Paes. E dirigida por uma brasileira que aqui faz sua estreia em longa-metragem, Márcia Faria, realizadora de curtas e seriados, já indicada em Cannes. A ambientação do drama recorre a velhos fantasmas da Argentina, o período cruel da Ditadura Militar, e foca na luta das ‘Avós da Praça de Maio’, associação de direitos humanos argentina, fundada em 1977, que busca crianças e jovens sequestrados durante a horror daquele período de exceção. O filme acompanha uma dessas avós, Martina (Mercedes Morán), viúva que está com Alzheimer e há 30 anos busca resposta sobre o desaparecimento do neto, nascido em cativeiro durante a ditadura militar. Com crises de angústia, lembrando do passado e com momentos de devaneios e alucinação por causa da doença, encontra-se com um grupo de mulheres que estão na mesma luta – até que chega uma pista de que o neto possa estar vivo no Brasil, o que a faz seguir uma nova jornada ao país vizinho. Morán nos entrega uma performance arrebatadora, que representa bem a luta por justiça de mulheres que tiveram filhos, maridos e netos mortos pelo terrorismo de Estado cometido na pior das ditaduras da América do Sul – tanto as associações ‘Mães da Praça de Maio’ quanto ‘Avós da Praça de Maio’ calculam 30 mil desaparecidos entre na ditadura ocorrida entre 1976 e 1983. Um drama emocionante, bonito, corajoso e representativo, escrito por Márcia Faria ao lado de outra cineasta importante do atual panorama do cinema brasileiro, Gabriela Amaral, de ‘O animal cordial’ (2017) e ‘A sombra do pai’ (2018). Vencedor dos prêmios de melhor filme no Festival Mar de Plata (Argentina) e no Festival de Cinema do Uruguai, por voto popular. Produzido pela Kromaki e Ipanema Filmes, está nos cinemas brasileiros, distribuído pela Bretz Filmes.


 
Oh, Canadá
 
Para um público bem específico, indico o novo trabalho do roteirista e diretor Paul Schrader, cineasta autoral que gosto muito, mesmo em seus filmes menos lembrados, como da safra de 2017 até aqui, por exemplo, com a trilogia de drama/thriller ‘Fé corrompida’ (2017), indicado ao Oscar de melhor roteiro, ‘O contador de cartas’ (2021), indicado ao Leão de Ouro em Veneza, e ‘O jardim dos desejos’ (2022), exibido no Festival de Veneza. ‘Oh, Canadá’ (2024) é um drama com fundo de guerra, adaptado do livro do premiadíssimo escritor Russell Banks (1940-2023), a quem Schrader dedica a obra – Banks escreveu dois livros que viraram cinema, ‘O doce amanhã’ (1997), de Atom Egoyan, e ‘Temporada de caça’ (1997), que Schrader dirigiu. Indicado à Palma de Ouro em Cannes, o diretor volta a trabalhar com o astro Richard Gere depois de 45 anos de ‘Gigolô americano’ (1980). No novo projeto, Gere, envelhecido, com ar decadente, interpreta Leonard Fife, um documentarista norte-americano com doença terminal, fechado em sua cadeira de rodas, que planeja uma última entrevista antes de morrer. A esposa, Emma (Uma Thurman), telefona para um ex-aluno de Fife, que trabalha com cinema, Malcolm (Michael Imperioli), e o leva até a mansão onde moram, em Montreal, no Canadá. Preparam uma sala escura para a gravação; diante das câmeras, Fife relembra a juventude e passagens obscuras de quando fugiu para o Canadá para não ser convocado para a Guerra do Vietnã. A esposa desconhece parte dessa trajetória, que atinge o ápice quando conta como traiu amigos e familiares, seja na universidade, onde foi um professor progressista, ou em casa. Jacob Elordi, ator do momento, de ‘Priscilla’ (2023), interpreta Fife na juventude, e Imperioli e Uma aparecem pouco como coadjuvantes. Nesse filme de longuíssimos diálogos e memórias tortuosas, um jogo controverso é entrelaçado entre passado e presente, todo narrado pelo ponto de vista de um único personagem, Fife – por isso não sabemos se são verdades, devaneios ou invenções, enquanto o protagonista morre aos poucos frente às câmeras. Fife se mostra um personagem de seu próprio mundo, um mundo de mentiras e enganações, um traidor da pátria que tenta um mea culpa no fim da vida. Schrader é uma lenda viva do cinema, roteirista de filmes emblemáticos como ‘Taxi driver’ (1976) e ‘Touro indomável’ (1980), ambos dirigidos por Martin Scorsese, e nessa nova safra adentra um ciclo de fitas pessoais, com sabor amargo, específicas para cinéfilos que cultuam um bom cinema alternativo. Gostei e recomendo. Está nos cinemas pela California Filmes.



segunda-feira, 9 de junho de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming (05/06) – Parte 2


Ainda não é amanhã
 
Produção independente, o drama brasileiro que estreou nos cinemas no último final de semana é um duro retrato da criminalização do aborto. No filme, a jovem Janaína, de 18 anos, estudante bolsista do primeiro ano de Direito, é a única pessoa da sua humilde família a entrar na universidade. Moradora da periferia de Recife, no Pernambuco, é abalada com a notícia de que está grávida, o que colocará seus sonhos e estudos à prova. Toca em um assunto delicado ao universo feminino, a gravidez não desejada, e os desdobramentos desse tema, como a tentativa de aborto, a criminalização, o julgamento e a falta de políticas públicas sobretudo para mães solo e periféricas. Hoje o aborto é proibido no Brasil – somente aceito em casos de estupro, risco de vida da gestante ou má-formação encefálica do feto, e o debate reacende vez ou outra no país, sem nunca obter avanços significativos. Nos últimos anos foram registrados mais de 500 mil abortos clandestinos, sendo que muitas dessas mulheres morrem ou adquirem doenças graves. ‘Ainda não é amanhã’ fala disso de maneira humana e jovial, numa linguagem para todos os públicos. É o primeiro longa da diretora Milena Times, que faz uma estreia firme e brilhante, sabendo manusear o elenco de nomes pouco conhecidos, mas que prezam os papeis, como a protagonista Mayara Santos – que mergulha numa personagem difícil e angustiante, Clau Barros, Cláudia Conceição, Bárbara Vitória, Mário Victor, Guta Menelau e Lalá Vieira. Vencedor do prêmio de melhor atriz no Festival do Rio, o drama tem produção assinada pela Espreita Filmes, Ponte Produtoras e Ventana Filmes, com distribuição nas salas pela Embaúba Filmes.
 

 
Os três reis
 
Outro filme independente brasileiro, mas aqui uma tentativa fracassada de se fazer um road movie no interior de São Paulo. É uma comédia com toques de ação, dirigida por Steven Phil, rodada na pequena Santa Branca, cidade paulista no Vale do Paraíba, com 14 mil habitantes. O elenco é desconhecido, de jovens atores como Giovani Venturini, Murilo Meola e Rodrigo Dorado, participações dos veteranos Lucélia Machiavelli e Vicentini Gomez e da dupla sertaneja Maurício & Mauri e aparição, no finalzinho, do cantor e compositor Eduardo Araújo, ex-Jovem Guarda. É a história de uma busca sem fim: três irmãos - um ex-presidiário, um mecânico e um enfermeiro saem, de carro, para procurar pelo pai, desaparecido há 20 anos. O objetivo é entregar a ele uma carta da mãe, que fez tal pedido antes de morrer. Tem a metáfora dos três reis magos – inclusive os irmãos se chamam Baltazar, Belchior e Gaspar, um humor imperceptível, tenta tocar em temas sérios como homofobia e abandono familiar, mas sem profundidade em uma trama que pouco se sustenta. Rodado em 2023, produzido pela Operahaus Features, tem distribuição da Pixys Produções e codistribuição da Lira Filmes e SPcine. Está em cartaz em 35 salas de cinema, incluindo cinemas do interior, como Ribeirão Preto, São Carlos, Sorocaba e São José do Rio Preto.
 

 
Entre dois mundos
 
Adoro demais a atriz Juliette Binoche, que aparece em tudo quanto é filme ultimamente, já vencedora do Oscar, Bafta, Berlim, Cannes e Veneza. ‘Entre dois mundos’, de 2021, estreia com certo atraso nos cinemas brasileiros, mas não deixem de ver, pois a estrela francesa irradia em cada aparição em cena – ela aqui foi indicada como melhor atriz ao César, o Oscar francês, e o drama foi exibido em Cannes e premiado em San Sebastián. É uma livre adaptação do livro autobiográfico da jornalista francesa Florence Aubenas, ‘Le quai de Ouistreham’ (literalmente ‘Os cais de Ouistreham’, comuna francesa onde se passa a história, mas publicado no Brasil como ‘A faxineira’), em que a autora se infiltrou no mundo das faxineiras para narrar a dura e humilhante jornada delas. No filme Juliette interpreta a jornalista parisiense que, para escrever um ensaio sobre essas mulheres, disfarça-se como empregada e busca trabalho de limpeza nas luxuosas balsas da Normandia. Ela é contratada e passar a encenar uma vida dupla, sem ninguém saber da ‘clandestinidade’ adotada. Ela trabalha dia e noite como faxineira, recebendo parco salário, e nos momentos de folga ou no descanso em casa faz anotações em cadernos e no laptop para o livro. Aos poucos, ela fica próxima de duas colegas de trabalho, faxineiras que enfrentam sérios problemas familiares, e juntas compartilham suas angústias - mas nunca ela revela a verdadeira identidade. Juliette está desglamourizada, sem maquiagem, num papel duplo convincente, digno de aplausos, que abre discussões em torno da uberização/precarização dos trabalhos, a exploração do trabalho feminino e o alto índice de desemprego na França desde 2010, período em que transcorre a trama. O filme marcou o retorno do diretor Emmanuel Carrère, 13 anos depois do único longa feito até então, ‘Amor suspeito’ (2008) – ele escreveu o roteiro, adaptando-o do livro de Florence, e é mais visto trabalhando como escritor e roteirista do que como diretor. Em exibição nos cinemas pela Pandora Filmes.

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming - Parte 1

 
Memórias de um caracol
 
Uma animação para adultos das melhores já feitas, triste e emocionante, que entrou na lista dos indicados na categoria ao Oscar de 2025. Do mesmo diretor de ‘Mary e Max – Uma amizade diferente’ (2009), o australiano Adam Elliot. Seu novo filme remete aos personagens desiludidos de ‘Mary e Max’; agora conhecemos uma garota solitária que sofre bullying devido ao lábio leporino. Coleciona caracóis de decoração e ama livros. Ela conta sobre sua vida, marcada por perdas, e de caracóis reais que andam pela sua horta; quando criança viu a mãe morrer, em seguida o pai doente também falece, e depois é separada do único irmão, gêmeo, levados para lares adotivos diferentes. Tomada por ansiedade e tristeza, não consegue contato com ninguém, até uma velhinha bem humorada surgir em sua vida; já o irmão está a milhares de quilômetros, do outro lado da Austrália, criado em uma família maníaca, extremamente devotos de uma religião que inventaram. Os dois, por meio de cartas, tentam se reencontrar. Com boas doses de humor, a animação é um autêntico e sofrido drama sobre tragédias familiares, esperança e reencontros, produzido em um incrível stop-motion. Assisti numa sessão lotada da Mostra Internacional de Cinema de SP de 2024, onde ganhou o prêmio do Júri de melhor direção - saí emocionadíssimo da sala. O filme venceu o prêmio de melhor animação no festival mais importante da categoria, o Annecy. Vozes originais de Jacki Weaver, Eric Bana e Sarah Snook, e o próprio diretor faz a narração. Entra hoje em 50 salas brasileiras de cinema, com distribuição da Mares Filmes.
 

 
Libertação
 
Um clássico do cinema de guerra soviética está de volta ao canal da CPC-Umes Filmes no Youtube, streaming do Centro Popular de Cultura da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (CPC-UMES), na sessão ‘Cinema Soviético e Russo em Casa’. E em uma belíssima cópia restaurada em 4K pela Mosfilm, principal estúdio de cinema da Rússia, que resistiu ao tempo. O épico do cineasta Yuriy Ozerov (1921-2001) demorou cinco anos para ser produzido (de 1967 a 1971) e foi lançado tanto na época nos cinemas russos quanto agora no streaming em cinco partes, que retratam fielmente os momentos mais importantes da União Soviética na Segunda Guerra Mundial, como a batalha de Kursk (um embate direto com os alemães, entre julho e agosto de 1943), a travessia do Dnieper (uma longa campanha militar do Exército Vermelho que envolveu quatro milhões de soldados pelo rio Dnipro em 1943, novamente lutando contra a ocupação nazista, que resultou em outra operação mostrada no filme, a Segunda Libertação de Kiev, em 1943), a Conferência de Teerã (uma série de acordos entre os Aliados, como a abertura da frente ocidental, em 1943), a Operação Bagration (ocorrida entre julho e agosto de 1944, que resultou na libertação da Bielorrússia das tropas nazistas e a derrota do Exército Alemão da Wehrmacht), e o cerco a Berlim e a consequente tomada do Reichstag (entre abril e maio de 1945, culminando com a rendição da Alemanha nazista e a vitória soviética). Os filmes que compõem essa pentalogia são: ‘Libertação – Parte 1: O arco de fogo’ (de 88 minutos), ‘Libertação – Parte 2: Ruptura’ (de 88 minutos), ‘Libertação – Parte 3: A direção do ataque principal’ (de 128 minutos), ‘Libertação – Parte 4: Batalha de Berlim’ (de 82 minutos) e ‘Libertação – Parte 5: O último ataque’ (de 74 minutos). ‘Libertação’ reconstitui a participação da URSS nos três anos finais da Segunda Guerra, com grandeza de detalhes e performances impressionantes – os atores que interpretam Josef Stalin, Winston Churchill e Franklin Delano Roosevelt parecem cópia real dos verdadeiros personagens. É um docudrama, que mistura cenas de arquivo da guerra com encenação, uma narração sóbria, trazendo cores vivas da guerra e um rústico PB – a imagem da nova cópia em 4K está deslumbrante, potente, nítida, com recuperação dos diálogos. Roteiro de Yuri Ozerov junto de Yuri Bondarev e Oscar Kurganov. As partes 4 e 5 de ‘Libertação’ estão disponíveis entre hoje, dia 06, e segunda-feira, dia 09/06, no canal da CPC-Umes no Youtube, em https://www.youtube.com/@cpc-umesfilmes23.
 

 
Vencer ou morrer
 
Está em cartaz nos cinemas brasileiros pela Kolbe Arte, distribuidora especializada em filmes católicos, esse drama histórico francês produzido em 2022 e escrito e dirigido pela dupla Vincent Mottez e Paul Mignot. É uma obra religiosa, que aposta em um nicho específico de público (católicos), inspirada em uma história verdadeira ocorrida na Revolução Francesa. O militar François de Charette (1763-1796) se junta ao povo da Vendéia para uma contrarrevolução que culminou em uma guerra civil que durou dois anos, entre 1793 e 1795. O motivo foi um embate entre católicos e realistas contra republicanos. Nessa jornada de coragem e bravura, resistiram à perseguição religiosa durante a Primeira República da França defendendo a fé católica e a liberdade de consciência. Com figurinos adequados, certa didática e filmado nos próprios locais onde a história se sucedeu, o longa se alinha a questões simbólicas para os católicos, tratando do poder da fé e da luta pelos direitos de exercer sua religião, recorrendo a um fato da História pouco conhecido. Por outro lado, o roteiro exagera no discurso religioso – lembrando que é um filme católico, feito para esse grupo, deixando de buscar dados mais factuais/historiográficos, que poderiam melhorar a trama. Teve boa repercussão na França, com 300 mil espectadores nas salas de cinema na época da estreia, anos atrás, e traz no elenco nomes como Hugo Becker, Rod Paradot, Gilles Cohen e Constance Gay.




terça-feira, 3 de junho de 2025

Estreias no streaming


A artista e o ladrão
 
O Sesc Digital, plataforma de streaming do Sesc criado no auge da pandemia da covid, em abril de 2020, traz uma curadoria peculiar, de filmes cultuados e desconhecidos, que ficam gratuitamente no ar por um ou dois meses. Toda semana lançam, pelo menos, quatro estreias. Está em ‘cartaz’ lá até amanhã esse incrível documentário que eu não tinha ouvido falar, ‘A artista e o ladrão’, vencedor do prêmio do júri no Festival de Sundance em 2020. Com direção do norueguês Benjamin Ree, essa coprodução Noruega/EUA conta uma história no mínimo estranha e bem curiosa – a amizade de uma artista plástica com o ladrão que roubou suas obras de arte. Pintora hiper-realista conceituada, nascida na República Tcheca e hoje moradora da Noruega, Barbora Kysilkova criou um forte vínculo com o criminoso que furtou dois de seus quadros de uma galeria de arte em Oslo, em 2015. Karl-Bertil Nordland e um comparsa invadiram o local e levaram suas obras, avaliadas em milhares de euros. Câmeras de vigilância flagraram o ocorrido, a dupla foi detida, então Barbora desenvolveu um fascínio em descobrir informações sobre o acusado. Eles se encontraram, a artista virou uma espécie de conselheira de Nordland, até que passa a cuidar do homem após ser ferido em um acidente de carro. Ele não tinha família e precisava de cuidados, então a pintora o ajuda, mesmo sem nunca ter recebido os quadros de volta. O diretor do filme, com sua lente precisa, acompanha os encontros de ladrão e vítima, que toparam participar de um projeto inicialmente pensado como um curta-metragem, mas que aos poucos ganhou novos contornos e virou um longa. O filme acompanha três anos na vida deles, entre 2016 e 2019, entre longas conversas, confidências, discussão do passado etc. Amigos e familiares de Barbora não entendem os motivos dessa relação, e aos poucos ela vai trabalhando isso com o espectador. Recomendo – é um filmão. Assistam em https://sesc.digital/home
 

 
Quando as luzes das marquises se apagam - A História da Cinelândia Paulistana
 
Outro bom documentário, agora brasileiro, na plataforma Sesc Digital, streaming do Sesc que completou cinco anos, e que segue disponível de forma gratuita até amanhã. Como cinéfilo e crítico, frequentador assíduo de salas de cinema, fiquei emocionado ao rever esse filme que conheci em 2018 no Festival ‘É Tudo Verdade’. Reunindo vasto material fotográfico das antigas, o filme resgata a história das salas de cinema da Cinelândia Paulistana, situadas, a maioria delas, nas avenidas Ipiranga e São João, entre o Largo do Paissandu e a Praça Júlio Mesquita. Num quadrilátero compreendido entre cinco quarteirões no centro velho de São Paulo, 15 cinemas funcionaram ali, alguns fechados, outros demolidos, como Cine Art Palácio, Cine Ipiranga, Cine Marrocos, Cine Jussara, Cine Metro e Comodoro. Por meio de depoimentos de sete frequentadores dos espaços, o filme se constrói pelas memórias deles - o escritor Ignácio de Loyola Brandão, o montador de cinema e professor Máximo Barro, os arquitetos e urbanistas Paula Freire Santoro e Nabil Bonduki, o professor de Cinema da USP Eduardo Simões dos Santos Mendes, o jornalista, diretor e pesquisador Inimá Simões e o proprietário de cinemas e distribuidor Francisco Luccas Netto. Uns depõem de suas casas lembrando do período áureo da Cinelândia, entre as décadas de 50 e 60, enquanto parte deles percorre as ruas do centro velho onde funcionavam as salas, relembrando fatos curiosos, sessões que assistiram etc. Os entrevistados falam da arquitetura dos cinemas, do público que ali vinha, da importância desses espaços na construção cultural de São Paulo. A Cinelândia Paulistana viveu seu auge nos anos 50, abraçando um público de 30 milhões de espectadores por ano, até sofrer o baque nos anos 80, com o fechamento gradual das salas por causa da concorrência com os cinemas de shopping centers – mas antes de decretar falência, algumas compunham em sua programação filmes pornográficos. Boa parte dessas salas viraram escritórios, outras igrejas, um desfecho parecido com tantas salas de cinema pelo Brasil e mundo afora – o documentário exibido em Cannes ‘Retratos fantasmas’ (2023), de Kleber Mendonça Filho, fala desse triste fenômeno. Um documentário fundamental para estudantes de cinema e cinéfilos em geral, que é uma viagem ao tempo, de um período que não volta mais. Disponível no Sesc Digital até o dia 03 de junho, em https://sesc.digital/home
 

 
Grand Theft Hamlet
 
A Mubi e seu acervo de filmes incrivelmente inusitados... Misturando documentário e ficção, ‘Grand Theft Hamlet’ (2024) é um filme de drama e ação que se passa dentro do jogo Grand Theft Auto Online, um derivado do clássico jogo de assalto a carros GTA. Em busca de trabalho, dois atores de teatro, desempregados durante a pandemia, quando os teatros foram fechados, lançaram-se num desafio tremendo: encenar a peça ‘Hamlet’ com suas skins e fazendo a narração dentro do jogo preferido deles, o GTA online. Sam Crane, ator de ‘Napoleão’ (2023), é um Hamlet da periferia, um gangster de cabelos azuis, futuro rei de uma Dinamarca que se parece o gueto americano. Mark Oosterveen, ator de ‘Guerra sem regras’ (2024), interpreta Apolonio, conselheiro do Rei Claúdio, um inimigo de Hamlet. O protagonista embarca numa jornada épica, perseguido por bandidos portando fuzis em carros e helicópteros, enquanto planeja se vingar da morte do pai e assim recuperar o território que lhe pertence, hoje tomado por uma gangue rival. Trocando a linguagem formal de William Shakespeare por gírias atuais, mudando a Dinamarca do século XVII para um subúrbio violento e anárquico do século XXI, o doc/drama se constitui 100 por cento no jogo em ação – são 89 minutos de ambiente virtual, com cenário do GTA, com todos os personagens de Hamlet numa jornada de começo, meio e fim, e a narração dos atores ajudando a compor essa intensa trama – aparecem Rei Claudio, Gertrudes, Ofélia, Laertes, o fantasma do pai de Hamlet, Horácio e a dupla Rosencrantz e Guildenstern. Um filme diferente como narrativa, um jogo inteiro filmado e vendido para cinema. Será uma experiência interessante para aqueles que se afinarem com a proposta. Vencedor do Grande Prêmio do Júri no SXSW, participou de diversos festivais conhecidos de documentário, como CPH:DOX, Visions du Réel Film Festival e Hot Docs International Film Festival. Produção da Mubi, entrou mês passado no streaming deles.

Especial de Cinema

 
Festival In-Edit Brasil 2025 anuncia programação internacional
 
O ‘In-Edit Brasil – Festival Internacional do Documentário Musical’ promove esse ano sua 17ª edição, de 11 a 22 de junho, em São Paulo. Na última semana, foi divulgada a programação de filmes internacionais, bem como a programação dia a dia do festival. Esse ano seis salas de cinema da capital paulista exibirão os filmes - CineSesc, Cine Bijou, SPCine Olido, SPCine Paulo Emílio e Cinemateca Brasileira (Salas Grande Otelo e Oscarito). Haverá ainda sessões em plataformas de streaming. O ‘In-Edit’ inclui ainda shows, exposições, feira de vinil e livros, encontros e bate-papos com convidados especiais. O festival tem programação gratuita e conta com patrocínios como Itaú, Prefeitura de São Paulo, SPcine, Colombo Agroindústria e Caravelas, e parceria com dezenas de institutos culturais, como Goethe Institut e Cinemateca Brasileira. É uma realização do Ministério da Cultura, In Brasil Cultural, Sesc e Governo do Estado de São Paulo. Paralelamente ocorrem edições do In-Edit em cinco países - Espanha, Chile, Países Baixos, Grécia e México. Conheça mais sobre o Festival In-Edit Brasil no instagram https://www.instagram.com/ineditbrasil/ e no site oficial https://br.in-edit.org
 


Programação internacional de 2025
 
Na competição ‘Panorama Mundial’, produções inéditas lançam novos olhares sobre personagens, movimentos e histórias da música pelo mundo. Entre os destaques da edição de 2025 estão: ‘Music by John Williams’ (2024), sobre o compositor de trilhas sonoras de 93 anos ganhador de cinco Oscars; ‘One to One: John & Yoko’ (2024), exibido nos festivais de Veneza e BFI Londres, sobre o cotidiano do casal John Lennon e Yoko Ono; e ‘Legacy’ (2024), sobre filhos de músicos negros do jazz americano, como Dexter Gordon e Quincy Jones. Em parceria com o Instituto Cervantes, o ‘In-Edit Brasil’ traz, esse ano, uma seleção especial de docs da cena musical espanhola, novos e antigos, como ‘Sexo, maracas Y chihuahuas’ (2016), sobre o maestro e compositor Xavier Cugat, grande divulgador da música afro-cubana e ibero-americana nos Estados Unidos. Confira abaixo a lista completa dos filmes do Panorama Mundial:
 





Any Other Way: The Jackie Shane Story
Michael Mabbott, Lucah Rosenberg-Lee | Canadá | 2024 | 98′
 
Butthole Surfers: The Hole Truth And Nothing Butt
Tom J Stern | Estados Unidos | 2024 | 110′
 
Dory Previn: On My Way To Where
Dianna Dilworth, Julia Greenberg | Estados Unidos | 2024 | 79′
 
En La Caliente – Tales of A Reggaeton Warrior
Fabien Pisani | Cuba, Estados Unidos | 2024 | 85′
 
Googoosh: Made Of Fire
Niloufar Taghizadeh | Alemanha | 2024 | 94′
 
Harley Flanagan: Wired For Chaos
Rex Miller | Estados Unidos | 2024 | 99′
 
It Was All A Dream
Dream Hampton | Estados Unidos | 2024 | 83′
 
La Marsellesa De Los Borrachos
Pablo Gil Rituerto | 2024 | Espanha, França, Itália | 96′
 
Legacy
Manal Masri | Suécia e Estados Unidos | 2024 | 71′
 
Music By John Williams
Laurent Bouzereau | Estados Unidos | 2024 | 105′
 
Nteregu
Manuel Loureiro, Roger Mor | Portugal, Guiné-Bissau | 2024 | 94′
 
One To One: John & Yoko
Kevin Macdonald & Sam Rice-Edwards | Reino Unido | 2025 | 100′
 
Pauline Black: A 2-Tone Story
Jane Mingay | Reino Unido | 2024 | 92′
 
Peaches Goes Banana
Marie Losier | França, Alemanha | 2024 | 90′
 
Revival 69: The Concert That Rocked The World
Ron Chapman | 2024 | Canadá | 97′
 
Swamp Dogg Gets Hiss Pool Painted
Isaac Gale, Ryan Olson, David McMurry | Estados Unidos | 2024 | 95′
 
We Are Fugazi, From Washington DC
Joseph Pattisall, Joe Gross, Jeff Krulik | Estados Unidos | 2023 | 96′
 
 
MOSTRA INSTITUTO CERVANTES
 
Fernanda Y Bernarda
Rocío Martín | Espanha | 2023 | 83′
 
La Singla
Paloma Zapata | Espanha | 2022 | 90′
 
Revelando A Mario
Simó Mateu | Espanha | 2020 | 80′
 
Sexo, Maracas y Chihuahuas
Diego Mas Trelles | 2016 | España | 85′
 
 
Programação nacional de 2025
 
O ‘In-Edit Brasil’ traz o Panorama Brasileiro, reunido nas seções Competição Nacional, Mostra Brasil, Brasil.Doc, Curta um Som e Sessões Especiais, apresentando estreias nacionais e produções inéditas dedicadas a personalidades e cenas da música brasileira. Neste ano, destacam-se premières nacionais de docs sobre o cantor Cazuza, a sambista e militante Leci Brandão, o músico e maestro Letieres Leite (idealizador das orquestras Rumpilezz e Rumpelezzinho), o cantor e compositor Azulão, idealizador das festas populares de Caruaru, além de longas sobre Hyldon, Maria Alcina, Toquinho, Dino Franco e da banda gaúcha Cachorro Grande. Haverá títulos sobre cenas musicais marcantes do Brasil, como o hardcore brasileiro dos anos 90, o rock feito em Goiânia, o Afro-Samba e a soul music. O filme de abertura do ‘In-Edit 2025’ será “Anos 90 - A Explosão do Pagode” (2025), dirigido por Emílio Domingos e Rafael Boucinha – sessão dia 11 de junho, às 20h, no Cinesesc. O festival traz também sessões especiais de dois clássicos, “A Noite do Espantalho’ (1974), dirigido pelo cantor, compositor e ator Sérgio Ricardo, e “O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas” (2000), de Marcelo Luna e Paulo Caldas, que completa 25 anos. Confira abaixo a lista completa dos títulos do ‘In-Edit Brasil 2025’.
 
COMPETIÇÃO NACIONAL
 
A Última Banda de Rock
Lírio Ferreira | Brasil | 2024 | 120’
 
Alma Negra, do Quilombo ao Baile
Flavio Frederico | Brasil | 2024 | 107’
 
Amor e Morte em Julio Reny
Fabrício Cantanhede | Brasil – RS | 2025 | 93’
 
As Dores do Mundo: Hyldon
Emílio Domingos e Felipe David Rodrigues | Brasil | 2025 | 90’
 
As Travessias de Letieres Leite
Iris de Oliveira e Day Sena | Brasil | 2025 | 90’
 
Ave Sangria, a Banda que Não Acabou
João Cintra, Mônica Lapa | Brasil | 2025 | 77’
 
Brasiliana – O Musical Negro que Apresentou o Brasil ao Mundo
Joel Zito Araújo | Brasil | 2024 | 83′
 
Cazuza: Boas Novas
Nilo Romero, Roberto Moret | Brasil | 2025 | 91’
 
Os Afro-Sambas: O Brasil de Baden e Vinicius
Emílio Domingos | Brasil | 2024 | 93’
 
Sem Vergonha
Rafael Saar | Brasil | 2024 | 79’
 
 
 
 
MOSTRA BRASIL
 
Aldo Bueno: O Eterno Amanhecer
Adriano De Luca | Brasil | 2024 | 86’
 
Goiânia Rock City
Théo Farah | Brasil | 2025 | 102’
 
Hardcore 90
Marcelo Fonseca, George Ferreira | Brasil | 2025 | 91’
 
Jackson – Na Batida Do Pandeiro
Marcus Vilar, Cacá Teixeira | Brasil | 2024 | 97’
 
Leci
Anderson Lima | Brasil | 2025 | 70’
 
Mestras
Roberta Carvalho, Aíla | Brasil | 2024 | 52’
 
O Ano em que o Frevo Não Foi Pra Rua
Bruno Mazzoco, Mariana Soares | Brasil | 2024 | 71’
 
Passarô
Taciano Valério | Brasil | 2024 | 72’
 
Toquinho Maravilhoso
Alejandro Berger Parrado | Brasil/Uruguai | 2024 | 72’
 
WR Discos – Uma Invenção Musical
Nuno Penna, Maira Cristina | Brasil | 2024 | 78’
 
 
BRASIL.DOC
 
Baile Soul
Cavi Borges | Brasil | 2024 | 75’
 
Concerto de Quintal
Juraci Júnior | Brasil | 2025 | 80’
 
Dino Franco, a Raiz do Sertanejo
João Francisco Cunha | Brasil | 2025 | 98’
 
Essência Interior (Júpiter – Gross – Cascaes) – 1996 – 1999
Roberto Panarotto | Brasil | 2025 | 71’
 
O Clube da Guitarrada
Tania Menezes | Brasil | 2024 | 57’
 
Regional Beat: Uma Antena Parabólica Fincada na Terra Vermelha
Matuto S.A | Brasil | 2024 | 63’
 
Veraneio: Uma Antologia Negra
Nalu Silva | Brasil | 2024 | 59’
 
 
CURTAS-METRAGENS
 
Antonio e Manoel
Zeca Ferreira | Brasil | 2024 | 15’
 
Black House: Jazz é o Corre
Amilcar Neto | Brasil | 2025 | 20’
 
Discoterra
Gustavo Aquino dos Reis, Daniel Wierman e Arnaldo Robles | Brasil | 2025 | 30’
 
Jamming – O Ano em que Junior Marvin Morou em Goiânia
Danilo Camilo | Brasil | 2024 | 26’
 
Jingles Como Política Afetiva
Kjetil Klette Bøhler | Brasil/Noruega | 2024 | 33’
 
Lá no Alto
Juliana Lima | Brasil | 2025 | 16’
 
Notas da Tradição: Pífanos de Ribeira do Amparo
Michele Menezes | Brasil | 2024 | 11’
 
Pagode do Didi, Nosso Ponto de Encontro
Maysa Carolino | Brasil | 2024 | 24’
 
Spectros: Algum Nome, Nenhum Rosto
Ciro Lubliner | Brasil | 2025 | 15’
 
Vamembolá
Lucila Meirelles, Cid Campos | Brasil | 2024 | 27′
 
Vollúpya
Érica Sarmet, Jocimar Dias Jr. | Brasil – | 2024 | 21’
 
Volta Seca a Favor do Vento – Cantigas De Lampião
Marlon Delano | Brasil | 2024 | 16’
 
 
SESSÕES ESPECIAIS
 
A Noite do Espantalho
Sérgio Ricardo | Brasil | 1974 | 94’ | Ficção
 
O Rap Do Pequeno Príncipe Contra As Almas Sebosas
Marcelo Luna, Paulo Caldas | Brasil | 2000 | 75’

Estreias da semana - Nos cinemas e no streaming - Parte 2

  Na teia da aranha   Exibido no Festival de Cannes (fora da competição) e depois no Festival do Rio, chega agora aos cinemas brasileiros pe...