domingo, 8 de novembro de 2020

Especial de Cinema



Ainda dá tempo de assistir aos filmes da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, cuja repescagem termina hoje às 23h59. A edição 2020 é online, pela plataforma Mostra Play - mostraplay.mostra.org. Estão disponíveis 130 títulos de 40 países, premiados em festivais como Berlim, Cannes, Sundance e Veneza. A programação encontra-se no site oficial da Mostra, 44.mostra.org, e os ingressos têm o valor de R$ 6 por título.
Confira abaixo uma nova seleção feita por mim dos melhores filmes da edição de 2020.


Berlin Alexanderplatz (Alemanha/Holanda/França/Canadá, 2020, de Burhan Qurbani)

Segunda adaptação para o cinema do romance expressionista alemão de Alfred Döblin, de 1929, numa versão atualizada e ainda mais estarrecedora (lembrando que o famoso ‘Berlim’, de Fassbinder, não era cinema, e sim minissérie, realizada em 1980). Nessa revisão, o protagonista Franz agora é um negro refugiado ilegalmente na Alemanha. Depois de sobreviver a um afogamento, promete mudar de vida, entrando de cara no submundo da criminalidade e da prostituição da Berlim contemporânea. Com o bom ator de Guiné Bissau, Welket Bunguém, dos filmes brasileiros “Joaquim” e “Corpo elétrico”. Indicado ao Urso de Ouro e ao Teddy Bear em Berlim, ganhou prêmio especial no Festival de Rotterdam.


Coronation (China, 2020, de Ai Weiwei) e Vivos (Alemanha/México, 2020, de Ai Weiwei)

O diretor, artista plástico e designer chinês Ai Weiwei liberou seus dois últimos documentários para essa edição da Mostra, “Coronation” e “Vivos”. Duas ótimas opções ainda disponíveis nessa repescagem. Em “Coronation”, quase todo gravado com drones, Weiwei mostra o avanço do coronavírus na cidade de Wuhan, epicentro inicial da pandemia. É um projeto experimental, difícil de ser feito, onde ele adentra hospitais para registrar os pacientes terminais da doença, capta imagens impressionantes de Wuhan vista de cima, e acompanha algumas histórias de sobreviventes da Covid. No outro doc, “Vivos”, ele vai para o México fazer um estudo sobre a criminalidade no país, com foco em uma história trágica, a morte de estudantes inocentes que faziam uma viagem e foram interceptados por traficantes e pela polícia local. Além disso, trata do desaparecimento de milhares de pessoas, uma verdadeira crise que afeta as comunidades locais.


O charlatão (Polônia/República Tcheca/Irlanda, 2020, de Agnieszka Holland)

Novo filme da cineasta e roteirista polonesa Agnieszka Holland, indicada ao Oscar por “Filhos da guerra”, diretora de “Eclipse de uma paixão” e “O terceiro milagre”. Inspirado na vida do farmacêutico tcheco Jan Mikolasek, que dedicou a vida inteira aos cuidados de doentes por meio da medicina alternativa (ele usava ervas e produtos naturais nos tratamentos). Perseguido pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial, acusado de charlatanismo e por ser gay – ele teve um relacionamento secreto com um de seus funcionários. Espero que em 2021 estreie no Brasil! Indicado ao Teddy Bear no Festival de Berlim (o prêmio do festival para fitas de temática LGBT).


Sobradinho (Brasil, 2020, de Marília Hughes e Cláudio Marques)

Um documentário brasileiro sensato sobre a desocupação de áreas da região de Sobradinho, na Bahia da década de 70, onde no local foi construída a barragem que alagou quatro vilas. Alguns ex-moradores retornam para lá para recordar da vida na comunidade. Gratuito na plataforma do Sesc Digital.

Lorelei (EUA, 2020, de Sabrina Doyle)

Pequena joia da Mostra desse ano, essa fita americana independente recebeu prêmio especial no Festival de Tribeca e traz uma dupla de atores em boa forma, Pablo Schreiber e Jena Malone. É um drama íntimo e discreto sobre vidas em reconstrução. Schreiber faz um cara que sai da cadeia e vai morar com uma namorada de infância (papel de Jena), hoje com três filhos. Entre idas e vindas, dissabores e lembranças, eles tentam adaptar a vida às novas rotinas. O final, que explica o título do filme, é poético e emociona!

Casulo

Drama gay alemão que lembra em certos momentos “Azul é a cor mais quente”, ainda que menos polêmico e menos amargo. A protagonista é uma garota de 14 anos que começa a sentir atração por meninas, e procura ajuda para entender o que se passa com ela. Nesse meio tempo, menstrua, apaixona-se e passa por desilusões amorosas. Tem uma trilha sonora dos anos 80 e 90, é simpático, rápido (99 minutos) e abre uma reflexão sobre as crises da adolescência. Indicado ao Teddy e ao Crystal Bear em Berlim.


A herdade (Portugal/França, 2019, de Tiago Guedes)

Junto de “Mosquito”, a Mostra exibe outra fita portuguesa de impacto, comprovando a safra atual de ótimos filmes realizados em Portugal. Indicado ao Leão de Ouro no Festival de Veneza, o filme é uma longa saga de uma família latifundiária que vive numa propriedade às margens do rio Tejo. Dramas pessoais, disputa de terra e conflitos com o governo permearão a trajetória desse grupo, desde a década de 40 aos dias de hoje. Apesar de longo (167 minutos), a talentosa obra é um bom recorte histórico de Portugal dos últimos 70 anos.

Mate-o e deixe esta cidade (Polônia, 2020, de Mariusz Wilczynski)

Animação polonesa diferentona, indicada a dois prêmios especiais em Berlim, que mistura terror, surrealismo e drama. Na mente do personagem principal, tudo acontece: ele cria uma cidade imaginária, recorda momentos com familiares (hoje todos mortos), encontra-se com figuras simbólicas, como gatos e cegonhas de aparência humana, e espera a hora passar. Altamente imaginativo, tem um visual azulado deprê, com traços estranhos – além de criaturas zumbificadas, decapitações, no estilo próprio desse diretor polonês, que estreia no longa-metragem. Para público adulto.

Nossa Senhora do Nilo (Ruanda/França/Bélgica, 2019, de Atiq Rahimi)

Adaptação do livro da escritora tutsi Scholastique Mukasonga, o filme de Ruanda é um drama pungente e simbólico sobre a preparação de garotas para integrar à elite. Instaladas num colégio interno no alto de uma colina, nessa passagem para a vida adulta, enfrentam desafios e alimentam sonhos. As melhores cenas são do ritual diário em contemplação a uma Nossa Senhora colocada num altar à beira do mato. Vencedor do Urso de Cristal da seção Geração 14plus do Festival de Berlim, o filme também faz alusão ao genocídio ocorrido no país em 1994.

Os nomes das flores (Bolívia/EUA/Canadá/Qatar, 2019, de Bahman Tavoosi)

Fita boliviana curtinha (79 minutos) ganhadora de prêmio especial em Veneza, sobre uma comunidade de mulheres que lembram de um fato marcante em suas vidas, quando abrigaram Che Guevara e seu grupo guerrilheiro na Bolívia. O filme trabalha com contradições, repleto de diálogos bem escritos e nos conduz a uma paisagem maravilhosa pelas montanhas geladas do nosso país vizinho.

As veias do mundo (Alemanha/Mongólia, 2020, de Byambasuren Davaa)

Nas estepes da Mongólia, um garoto de 11 anos que cuida das ovelhas com o pai sonha em participar de um show de talentos. Inesperadamente, o pai morre, então o desejo do menino é interrompido. Assume o lugar do patriarca, inclusive se agarra uma causa social deixada por ele: combater empresas de mineração que exploram a comunidade local. Concorreu ao Crystal Bear, esse filmão todo rodado no deserto de Gobi, na Mongólia. Elenco bom, fotografia condizente e uma história poderosa nessa bonita fita cult.

A arte de derrubar (Noruega/África do Sul, 2019, de Aslaug Aarsæther e Gunnbjörg Gunnarsdóttir)

Documentário de forte engajamento social sobre os desdobramentos do “Movimento Fallista”, que começou como protestos estudantis em universidades da África do Sul pela derrubada (ou retirada) de monumentos de figuras coloniais e racistas que remetiam ao período do Apartheid. Hoje o movimento atinge uma série de modalidades do campo artístico, como a dança, a performance, além da arquitetura e outras linhas de ativismo.

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