quinta-feira, 31 de julho de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming


Iracema – Uma transa amazônica
 
Um clássico absoluto do cinema brasileiro retorna, 50 anos depois, em uma impressionante cópia restaurada em 4K, para as principais salas do país. Um drama que enfrentou a censura durante a Ditadura Militar, que permanece com história mais atual do que nunca, registrando feridas abertas do Brasil. Coprodução Brasil, Alemanha Ocidental e França, dirigido pela dupla Jorge Bodanzky e Orlando Senna, o filme, de 1974, é uma crítica social sobre as relações de trabalho escravo na Amazônia, com foco na ocupação de terras indígenas, bem como a devastação das florestas por fazendeiros, grileiros e garimpeiros. Mescla documentário e ficção – doc porque capta a realidade nua e crua das queimadas enquanto o filme era rodado, além de trazer indígenas que não eram atores profissionais para interpretar ‘eles mesmos’, e ficção pois a história narrada parte de um roteiro inventado. Na trama, simbólica e questionadora, acompanhamos as viagens do caminhoneiro Tião (Paulo César Peréio) pela recém-construída rodovia Transamazônica, e a relação amorosa dele com uma indígena retirada de seu povo, Iracema (Edna de Cássia). No meio dessas andanças dos personagens, o ‘progresso’ do país com a construção do megalomaníaco projeto da Transamazônica, elaborado na Ditadura e que tinha como objetivo a construção de uma rodovia federal que cortaria o país de leste a oeste, da Paraíba ao Amazonas, com quase 4300 quilômetros de extensão, cruzando sete estados. Um projeto falido, que buscava integrar o país, mas aos poucos foi sendo abandonado, marcado por problemas socioambientais, como devastação, ameaça aos povos indígenas, desvios de dinheiro e dificuldades de acesso. É o período do ‘Milagre Econômico’, que escondia nesse Brasil profundo a destruição dos povos originários, das comunidades ribeirinhas, expondo a grilagem e a exploração sexual de crianças e jovens indígenas – tema que aparece bem no filme. Exibido no Festival de Cannes pela primeira vez em 1976, o filme foi logo engavetado por cinco anos pela ditadura no Brasil, até que teve, em 1980, a primeira exibição nacional, no Festival de Brasília, onde ganhou os quatro prêmios que concorreu – melhor filme, edição, atriz para Edna de Cássia e atriz coadjuvante para Conceição Senna, esposa do diretor Orlando Senna. O longa foi filmado em 16mm para a emissora de TV alemã Zweites Deutsches Fernsehen (ZDF), antes de ter a versão para o cinema. A restauração digital em 4K partiu dos negativos originais de imagem e do magnético de som da versão alemã, preservados nos arquivos da ZDF. Exibido agora com um corte de quatro minutos em relação à versão apresentada no Festival de Cannes em 1976, ampliada para 35mm. A restauração de imagem e digitalização das matrizes ocorreu no laboratório Cinegrell, em Berlim, e a restauração de som deu-se nos estúdios JLS de São Paulo, ocorridas entre junho e setembro de 2024. As matrizes digitais de preservação foram feitas pela Cinemateca Brasileira e serão conservadas lá. Assim que a restauração foi concluída, o filme teve a primeira exibição dessa nova cópia no Festival do Rio, em outubro de 2024, e esse ano ele voltou para o Festival de Berlim, para a edição comemorativa do filme. É essa a versão final que está nos cinemas agora, com belíssima imagem, na metragem de 91 minutos. Distribuição nas salas pela Gullane+.
 
Iracema – Uma transa amazônica (Idem). Brasil/ Alemanha Ocidental/ França, 1974, 91 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Jorge Bodanzky e Orlando Senna. Distribuição: Gullane+ (nos cinemas)


 
Lobisomem
 
Estreou semanas atrás no Prime Video, depois de passar nos cinemas em janeiro, essa boa e muito curiosa revisão da clássica história de ‘Lobisomem’, que já teve inúmeras versões para cinema. Agora, o diretor Leigh Whannell muda o tom, passando do terror visual para um horror psicológico, tocando em temas humanos sérios, como paternidade e casamento em crise. Cinco anos atrás Whannell já havia revisitado outra história pertencente ao horror clássico, com ‘O homem invisível’ (2020), em que bem tratou sobre violência doméstica. Nesse agora mito moderno, conhecemos uma família que viaja para as montanhas remotas do Oregon para passar um final de semana – o marido, a esposa e a filha. Trinta anos antes, um homem desapareceu numa trilha daquela região, e, segundo lendas locais, ele reaparece de vez em quando, escondido nas matas, após ter contraído uma doença chamada ‘Febre das colinas’, que deixou seu rosto com cara de lobo. A família está instalada na casa do pai de Blake (Christopher Abbott). A esposa, Charlotte (Julia Garner), e a filha, Ginger (Matilda Firth), ficam receosos quanto ao local abandonado, sem ninguém por perto. Até que numa noite, Blake é atacado por algo estranho na estrada – ele fica ferido, e pouco a pouco algo maligno toma conta de seu corpo, aguçando seus ouvidos e seu faro. Com apenas três atores em cena e uma abertura em flashback, o filme constrói um novo ponto de vista sobre a notória história de lobisomem, aqui mais realista e menos sanguinária do que conhecemos. E que trata de algo além do mero terror passatempo. Tem clima de tensão e angústia, com os personagens aprisionados numa casinha antiga, os ruídos que vem de fora, à noite, dão arrepios, e alguns jumpscares complementam os momentos mais intrigantes do longa. Boa parte da crítica detestou o filme, e eu fui contra a corrente – gostei muito, revi essa semana no Prime e indico para quem aprecia obras do gênero.
 
Lobisomem (Wolf man). EUA/Irlanda/Nova Zelândia, 2025, 103 minutos. Terror/Drama. Colorido. Dirigido por Leigh Whannell. Distribuição: Universal Pictures (no streaming)


 
Heart eyes
 
Comédia de terror que parodia um dos slasher movies mais cultuados e conhecidos do cinema, ‘Dia dos Namorados macabro’ (1981), que trazia um assassino usando máscara de minerador matando jovens no Dia dos Namorados. Sem título em português, ‘Heart eyes’ recupera a ambientação do citado longa oitentista para fazer um terrir escrachado e propositalmente cafona, que satiriza os filmes de serial killer. Todos os anos, um criminoso apelidado pela imprensa de ‘Assassino de olhos de coração’ ataca jovens casais no Dia dos Namorados. A polícia está de vigia para a próxima data comemorativa. Como era de se esperar, corpos começam a aparecer, mutilados pelo perverso psicopata que veste roupa de couro preta e uma máscara com olhos em formato de coração. A paz da cidade é abalada com o rastro de crimes, os casais apaixonados ficam em estado de atenção, enquanto o sangue corre solto. Como é uma brincadeira em cima de longas slashers, as mortes são brutais, cheias de invenção, e fica no ar a pergunta para desvendarmos: quem é o assassino por trás daquilo tudo? No elenco, Mason Gooding (filho de Cuba Gooding Jr), de Pânico (2022), e Olivia Holt, de ‘Somos todos iguais’ (2017), interpretam os protagonistas, e há participação de nomes conhecidos, como a descendente de brasileiros Jordana Brewster, da franquia ‘Velozes e furiosos’, e Devon Sawa, de filmes de terror dos anos 2000, como ‘Premonição’ (2000). Roteiro e produção de Christopher Landon, das partes 1 e 2 de ‘A morte te dá parabéns’ (2017 e 2019), e direção de Josh Ruben, que fez outra sátira de filmes de terror anos atrás, ‘Um lobo entre nós’ (2021). Disponível para aluguel no Prime e no Google Play.
 
Heart eyes (Idem). EUA/Nova Zelândia, 2025, 97 minutos. Terror/Comédia. Colorido. Dirigido por Josh Ruben. Distribuição: Sony Pictures (no streaming)

segunda-feira, 28 de julho de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming

 
 
O brilho do diamante secreto
 
Uma deliciosa homenagem ao cinema vibrante de espionagem e filmes B de assalto dos anos 60, principalmente aqueles feitos na Itália e na França, com clara semelhança a ‘Perigo: Diabolik’ (1968), de Mario Bava. Sensual, engraçado, todo em cortes enérgicos repletos de closes e uma fotografia estonteante, o estilizado filme estreou na semana passado nos cinemas pela Pandora Filmes, após ser exibido esse ano no Festival de Berlim, onde concorreu ao Urso de Ouro. Ambientado na elegante Riviera Francesa (Côte d’Azur), traz a história de um espião aposentado que está em um hotel de luxo aguardando seus últimos dias. Sempre de costas para a câmera, bebendo e fumando, rapidamente entra em cena para investigar o desaparecimento de uma vizinha. Tomado por lembranças, algumas reais, outras puro delírio, ele enfrentará perigosos assassinos, numa busca incessante que envolve até roubo de diamantes. Com todos os clichês propositais do gênero para construir esse universo explosivo, colorido e agitado do cinema Eurospy, tem uma narrativa nada convencional, uma estética ousada em cores, com mistura de flashbacks e flashforwards a todo momento. São pouquíssimos diálogos, uma abundância de cortes abruptos e uma trilha sonora que remetem a esse cinemão popular. No elenco, o veterano ator italiano Fabio Testi, de 83 anos, nome forte do western spaghetti, como ‘Os quatro do apocalipse’, como o protagonista na fase adulta, e participação da atriz portuguesa Maria de Medeiros. Dirigido pela dupla Hélène Cattet e Bruno Forzani, de ‘A estranha cor das lágrimas do seu corpo’ (2013), é um dos lançamentos mais diferenciados deste ano nos cinemas.
 

 
Ponto oculto
 
Depois da estreia adiada por um mês, chega aos cinemas do Brasil o drama com suspense alemão falado em quatro línguas (alemão, turco, curdo e inglês), rodado na Turquia em 2021, durante a pandemia, e só lançado em festivais e no circuito em 2023. Com roteiro e direção da premiada cineasta Ayşe Polat, o longa venceu 15 prêmios internacionais e foi exibido na seção Encounters do Festival de Berlim. É uma história trágica, de tensão psicológica crescente, sobre um grupo de indivíduos levado ao extremo em uma conspiração no nordeste da Turquia. A trama é fragmentada em capítulos, com vários personagens em destaque, como uma equipe de cinegrafistas alemães gravando um documentário numa vila de curdos, povo que é constantemente alvo de massacres lá, uma tradutora que também é babá, um agente policial amargurado que trabalha numa organização misteriosa, e a filha dele, uma menina que tem um olhar clínico diferenciado da realidade. Cercados pela paranoia, todos são acometidos por algo que está por vir, refletindo num passado não resolvido. A diretora, nascida na Turquia e radicada na Alemanha, de ‘En Garde’ (2004), trata aqui de questões que sempre a preocuparam, como repressão política e os conflitos étnicos numa região de instabilidade social da Turquia. Os personagens que ela cria são figuras fortes, que incomodam e nos faz refletir. Não é uma obra de linguagem fácil, os capítulos aos poucos se conectam, culminando em um desfecho amargo e imprevisível. Distribuído nos cinemas pela Pandora Filmes.
 

 
Os sinos da noite
 
Lançamento da semana no canal do Youtube do CPC-Umes Filmes, gratuito até dia 28, o longa soviético ganhador de três prêmios no Festival de Berlim está disponível numa boa cópia restaurada pela Mosfilm. Foi o último trabalho do diretor Vasiliy Shukshin (1929-1974), que morreu aos 45 anos de problemas cardíacos, meses depois do lançamento, em 1974. Roteirista de mais de 30 filmes, ele dirigiu apenas cinco, e esse é o mais conhecido da sua rápida carreira – ele também é ator, e aqui interpreta o protagonista. É uma comédia dramática em estilo teatral, com atores em poucos ambientes – quase tudo ocorre numa casinha antiga de um vilarejo. A história acompanha um homem de origem pobre que acaba de sair da cadeia após cumprir pena. Yegor Prokudin (Vasiliy Shukshin) tenta se estabilizar na sociedade, é um cidadão gentil e preocupado com os outros. Decide viajar até uma vila remota onde se aproxima da camponesa Lyuba (Lidiya Fedoseeva-Shukshina, que era esposa de Vasiliy), com quem trocava cartas na cadeia. É bem recebido pela numerosa família da mulher, muitos deles anciãos, que o abrigam com zelo e carinho. Yegor inicia um relacionamento com Lyuba e sente prazer em morar na área rural. Até que decide resolver velhas questões que sempre o assombraram, como rever a mãe, hoje idosa, com quem não fala desde criança e reencontrar antigos amigos. Filme popular na antiga União Soviética, vale ver agora no canal da CPC-Umes, que mantém vivo esse projeto de exibição de clássicos restaurados - semanalmente eles lançam um título raro no canal Youtube, de forma gratuita, em https://www.youtube.com/@cpc-umesfilmes23

sábado, 26 de julho de 2025

Estreias no streaming


Novidades no Prime Video
 

Y2K – O bug do milênio
 
Na virada do ano de 1999 para 2000, um grupo de amigos adolescentes se reúne na casa de um deles para uma balada. Eles temem o ‘Bug do milênio’, que, segundo notícias por aí, causaria uma pane mundial no sistema informacional. Quase perto da madrugada, um estranho acontecimento faz com que produtos eletrônicos e robôs tenham vida, passando a atacar um a um naquela festa.
 
Divertido filme terrir scifi, na verdade uma brincadeira em torno do ‘Bug do milênio’, uma sensação estranha que rondou o mundo na virada do ano de 1999 para 2000, influenciado por superstição e fake News da época - havia um grande temor na virada daquele ano de que poderia ocorreu uma pane mundial no sistema de informação e computação, que causaria apagões e desordem global. Em cima dessa ideia, o filme se faz – aqui, um grupo de amigos adolescentes se prepara para o Ano Novo. Eles vão para uma festinha agitada na casa de um deles. Há ali duas dezenas de pessoas, amigos que zoam, brincam e dançam. Eles estão preocupados com o tal bug. Até que um rápido piscar de luzes faz com que os eletrônicos da casa adquiram vida própria; computadores se movem, um liquidificador sai voando e ataca os jovens, robôs e carrinhos movidos a pilha são possuídos, matando um a um. O lugar se torna um palco de mortes sanguinárias, e quatro deles conseguem escapar para uma floresta ao lado. A cidade está sob apagão, tudo escuro. Atrás deles aparece um robozão feito de carcaças de computador, ferro-velho e uma parte com eletrônicos em pleno funcionamento, que os persegue em todo canto. Um filme teen engraçado e ao mesmo tempo sanguinário, que provoca nostalgia ao lembrar as tecnologias daquele período, como mídias portáteis, CDs e CPUs. O ‘Y2K’ significa ‘Year 2000’ (Ano 2000), um dos apelidos do ‘Bug do milênio’. A indicada ao Globo de Ouro Rachel Zegler, de ‘Branca de Neve’ (2025), e os atores de rosto conhecido do público Jaeden Martell e Julian Dennison estão no elenco central. Exibido no festival SXSW, a produção independente passou nos cinemas americanos no ano passado e aqui no Brasil chegou esse mês no Prime Video. Da distribuidora A24, que lança bons filmes independentes.
 
Y2K – O bug do milênio (Y2K). EUA/Nova Zelândia, 2025, 91 minutos. Comédia/Terror. Colorido. Dirigido por Kyle Mooney. Distribuição: Universal Pictures/ Prime Video (no streaming)
 
 
Ennio, o maestro
 
Documentário sobre a carreira do lendário maestro italiano e compositor de trilhas sonoras de cinema Ennio Morricone.
 
Grandioso documentário musical sobre o compositor de trilhas sonoras de cinema Ennio Morricone (1928-2020), uma coprodução Itália, Bélgica, Países Baixos e Japão, de 156 minutos, disponível no Prime Video. O diretor italiano Giuseppe Tornatore, que trabalhou com Morricone em ‘Cinema Paradiso’ (1988), realiza uma obra única, uma homenagem a um dos maiores nomes da música de cinema. Também maestro e arranjador, Morricone escrevia músicas como poesia, com facilidade para as partituras e melodias. Há um vasto material de arquivo, com entrevistas antigas e recentes de Morricone, parte delas exclusivas para o documentário que não viu sair – ele faleceu em 2020, e um ano depois o filme seria lançado no Festival de Veneza. Dão depoimentos especiais para o filme compositores de cinema como Nicola Piovani, John Williams e Hans Zimmer, diretores com quem trabalhou, como Giuliano Montaldo, Lina Wertmüller, Roland Joffé, Bernardo Bertollucci, Roberto Faenza, Dario Argento, os irmãos Taviani e Quentin Tarantino, e cineastas admiradores, como Wong Kar-Wai e Clint Eastwood. Com cenas de seus filmes, Morricone fala sobre o processo de criação das músicas a partir de storyboards, como pensa e escreve as trilhas, a dedicação intensa – ele chegou a compor, pasmem, trilhas para 18 filmes diferentes em apenas um ano! A primeira parte do doc traz um lado menos conhecido dele, quando regia músicas italianas populares nos anos 60, para cantores como Paul Anka, Edoardo Vianello, Miranda Martino e Jimmy Fontana. Na segunda parte, o foco é o cinema. O filme é uma aula de música, com o compositor contando passo a passo para a produção de dezenas de músicas de longas-metragens, da Trilogia dos Dólares, passando pelo cinema político italiano dos anos 70 até chegar aos últimos trabalhos na metade dos anos 2010. Segundo o IMDB, 548 composições são atribuídas a Morricone, para filmes e séries. Imortalizou trilhas que não ficaram só no cinema, caindo no gosto popular e até hoje tocadas por aí, como ‘Era uma vez no Oeste’ (1968), ‘Era uma vez na América’ (1984), ‘A missão’ (1986) e ‘O intocáveis’ (1987). O doc ganhou três prêmios David di Donatello, o Oscar italiano, nas categorias edição, documentário e som. Assistam.
 
Ennio, o maestro (Ennio). Itália/Bélgica/Países Baixos/Japão, 2021, 156 minutos. Documentário. Colorido/Preto-e-branco. Dirigido por Giuseppe Tornatore. Distribuição: Prime Video (no streaming)

terça-feira, 22 de julho de 2025

Nota de Cinema

 
Cine Debate exibe cópia restaurada de clássico brasileiro
 
Em parceria com o Projeto Cinesesc, o Cine Debate do Imes Catanduva exibe a cópia restaurada de 40 anos do clássico brasileiro ‘A hora da estrela’ (1985), que voltou aos cinemas no início de 2025. Adaptação do livro de Clarice Lispector, o filme foi premiado nos festivais de Havana e Brasília e deu para a atriz Marcélia Cartaxo o prêmio de atuação feminina no Festival de Berlim – no mesmo festival, o longa ganhou dois outros prêmios especiais. A sessão será no próximo sábado, dia 26/07, a partir das 14 horas. É gratuita e aberta ao público, na sala de ginástica do Sesc Catanduva. A mediação do debate será feita pelo idealizador do Cine Debate, o jornalista, professor do Imes e do Senac e crítico de cinema Felipe Brida.
 
Sinopse: Macabéa é uma jovem órfã que sai do Nordeste para tentar a vida em São Paulo, onde encontra sua primeira paixão, Olímpico. Também irá encontrar pelo caminho inesperadas adversidades.




 
Cine Debate
 
O Cine Debate é um projeto de extensão do curso de Psicologia do IMES Catanduva em parceria o SESC e o SENAC Catanduva. Completa 13 anos em 2025 trazendo filmes cult de maneira gratuita a toda a população. Conheça mais sobre o projeto em https://www.facebook.com/cinedebateimes

domingo, 20 de julho de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming

 
 
Filhos do mangue
 
A diretora Eliane Caffé ganhou o Kikito de melhor direção no Festival de Gramado por este seu novo trabalho, que acaba de chegar aos cinemas. É um drama com nuances de suspense psicológico que se passa numa comunidade ribeirinha do nordeste brasileiro. Ali se encontra um homem com amnésia, Pedro Chão (Felipe Camargo), acusado pela ex-mulher de roubar um alto valor em dinheiro. Ele está perdido, com ferimentos pelo corpo. Naquele local tomado por manguezais, os próprios moradores fazem as leis, e o levam para um julgamento popular. Sob ameaças, Pedro não se recorda de nada, então flashes de seu passado constroem sua trajetória até ali. Com uma trama envolvente, focado num personagem que busca fios da memória para lembrar quem é e entender os motivos de estar num lugar desconhecido, o filme toca em temas de discussão atual, como violência doméstica, trabalho escravo e tráfico de pessoas. É o quinto filme da versátil diretora paulistana de 64 anos, que costuma registrar histórias de pessoas em constante movimento para mudar seu estado, como fez em ‘Kenoma’ (1998), ‘Narradores de Javé’ (2003) e ‘Era o hotel Cambridge’ (2016). Aqui, ela realiza um trabalho sério, de solidez, com resoluções nada fáceis. Rodado e produzido em Barra do Cunhaú, uma baía na cidade de Canguaretama, no Rio Grande do Norte, carrega uma fotografia peculiar, que reforça a relação do humano com a terra, no caso o mangue, um lugar instável e misterioso, que dá outro sentido ao filme, reforçando a ideia de exploração dos indivíduos e da natureza. O mangue é o ambiente por onde o protagonista irá andarilhar enquanto busca sentido para sua existência. Destaque para o bom trabalho de Felipe Camargo, que faz pouco cinema – ele está com 65 anos.
Inspirado no livro ‘Capitão’, de Sérgio Prado (que auxiliou no roteiro), o filme foi exibido em 2024 no Festival do Rio e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e no Festival de Gramado também levou o Kikito de melhor atriz coadjuvante (Genilda Maria). Está nos cinemas, com distribuição da Bretz Filmes.
 


 
Cazuza: Boas novas
 
Trinta e cinco anos depois de sua morte, o cantor e compositor Cazuza (1958-1990) ganha um novo documentário que traz outros contornos de sua intensa trajetória. Exibido este ano no Festival In-edit Brasil, ‘Cazuza: Boas novas’ (2025) chega aos cinemas brasileiros, uma produção original do canal Curta!, lançado nas salas pela Curta Cine-Distribuidora, braço de distribuição do Grupo Curta!, em parceria com a 5e60 Filmes e a Kajá Filmes. Com depoimentos de amigos e familiares e trechos de seus últimos shows, o filme acompanha a fase final do ex-integrante do Barão Vermelho, entre 1987, quando recebeu o diagnóstico de soropositivo, até sua morte três anos depois. Foi exatamente nesse período que Cazuza mais produziu, mesmo doente. Lançou o álbum ‘Ideologia’ – em que trata da Aids e da morte, com músicas como a canção-título do disco, ‘Brasil’, ‘Blues da piedade’, ‘Faz parte do meu show’ e ‘Boas novas’; em seguida ‘O tempo não para’, disco ao vivo, durante uma cansativa turnê de três dias no Canecão, no RJ, em 1988, com show dirigido pelo ex-parceiro Ney Matogrosso (nele cantou músicas de sucesso da carreira solo e do Barão vermelho); e por fim o último álbum, ‘Burguesia’, já com a saúde muito debilitada, contendo músicas compostas por ele em parceria com Rita Lee, Lobão, Frejat, Leoni e Angela Ro Ro. O doc reúne depoimentos inéditos, gravados para o longa, de amigos músicos que lembram a trajetória de Cazuza, como Leo Jaime, George Israel (ex-Kid Abelha), Ney Matogrosso, Gilberto Gil e Frejat, além da mãe, que sempre cuidou dele e levou o nome do filho para os quatro cantos do Brasil, Lucinha Araújo. Há muitas cenas de shows, boa parte deles com imagens sem nitidez, como as do Canecão, além de bastidores, fotos pessoais de festas e eventos em que Cazuza esteve, perfazendo um retrato único de um compositor além de seu tempo, que faleceu cedo, aos 32 anos, marcando seu nome na História do rock nacional e da MPB. Com direção de Nilo Romero (baixista, compositor, produtor musical, amigo pessoal de Cazuza, com quem trabalhou) e codireção de Roberto Moret, é uma justa e bela lembrança a Cazuza.
 


 
Jayne Mansfield, minha mãe
 
Indicado ao Golden Eye e ao Golden Camera no Festival de Cannes de 2025, este é um documentário revelador sobre a atriz que teve fama, mesmo não tendo talento, e depois esquecida, Jayne Mansfield (1933-1967), apontada como rival de Marilyn Monroe. Jayne fez filmes nos anos 50 e 60, como ‘Sabes o que quero’ e ‘O grande sucesso de Rock Hunter’, teve muitos romances e faleceu jovem, aos 34 anos, vítima de acidente de carro. Quem dirige é a filha de Jayne, a também atriz Mariska Hargitay, premiada com o Emmy pela série policial ‘Lei & ordem’. Nascida Maria, ganhou o apelido Mariska por influência húngara do pai, o fisioculturista, ator e modelo Mickey Hargitay, que foi Mr. Universo. O filme traz um enfoque inédito e em tom de revelação exatamente quando Mariska busca o passado da mãe entrelaçando com a sua própria paternidade - ela quer desvendar quem realmente é seu pai, pois havia dúvidas sobre Mickey Hargitay. O que assistimos é uma angustiante onda de revelações, com conclusões impressionantes, difíceis para Mariska. Gostei da narrativa do filme, me surpreendi, e não conhecia esse desfecho na vida da atriz, que mudaria para sempre a relação com os pais. Produção original da HBO Max, está no catálogo do streaming. É um dos grandes documentários internacionais do ano, cotado para o Oscar de 2026.
 


 
Revista Ms. – Uma revolução editorial
 
Outro bom documentário produzido pela HBO Max, que neste ano teve a première no Festival de Tribeca. Três cineastas (Cecilia Aldarondo, Alice Gu e Salima Koroma) se debruçam numa extensa pesquisa para analisar edições da icônica revista liberal e feminista ‘Ms. Magazine’. Fundada em 1971 durante a segunda onda dos movimentos feministas por Gloria Steinem e Dorothy Pitman Hughes, a revista chegou a 500 mil exemplares depois de muita luta para entrar no mercado. Voltada para as mulheres, abordava questões sobre emancipação feminina, racismo, formas de combate à violência doméstica etc. Gloria Steinem grava depoimentos atuais, analisa o contexto da criação da revista e lê cartas que recebia das leitoras – a Ms. Magazine foi apelidada por um tempo de ‘A amiga portátil’, já que era uma revista do universo feminino que falava diretamente sobre intimidade. O periódico ajudou a mulher a refletir sobre sua natureza e existência, a quebrar tabus e permiti-las fazer suas próprias escolhas, abrindo assim diálogo com a sociedade. Enfrentou ataques, resistiu e teve apoio de homens notórios, como o ator Alan Alda, que escrevia como colaborador – ele é entrevistado para o filme e lembra o quanto foi rejeitado por ter entrado na luta ao lado das mulheres. São entrevistadas para o documentário ex-colaboradoras, como a jornalista e ativista Letty Cottin Pogrebin, e as escritoras Patricia Carbine, Jane O’Reilly e Marcia Ann Gillespie. A Ms. resiste ao tempo e continua no mercado norte-americano. Grande filme do ano, também cotado para o Oscar de 2026, está disponível na HBO Max.

sábado, 19 de julho de 2025

Resenhas especiais

 
Especial 3ª Mostra ‘Amor ao Cinema’
 
O roteiro da minha vida – François Truffaut
 
Exibido no Festival de Cannes de 2024, onde concorreu ao Golden Eye, seção dedicada a documentários, o filme entrou no Brasil via programação da 3ª. Mostra ‘Amor ao Cinema’, do Sesc SP, que esteve em exibição no Cinesesc e no Sesc Digital. Este ano a mostra reuniu 38 filmes clássicos e lançamentos, como é o caso de ‘O roteiro da minha vida – François Truffaut’ (2024), uma belíssima homenagem ao diretor francês François Truffaut (1932-1984), figura central por trás da Nouvelle Vague. E uma justa lembrança dos 40 anos da morte dele. A partir de cenas de filmes dirigidos por Truffaut, como ‘Os incompreendidos’ (1959), ‘Fahrenheit 451’ (1966) e ‘A mulher do lado’ (1981), nos aprofundamos no processo de criação de um notável pensador do cinema moderno, com sua linguagem expressiva e eficaz, que trouxe novos olhares para a Sétima Arte. Explora-se ainda o Truffaut ator, como em sua participação no longa scifi de Steven Spielberg ‘Contatos imediatos de terceiro grau’ (1977). A narração do documentário é feita por astros e estrelas do cinema francês, como Isabelle Huppert, André Dussollier e Louis Garrel (ele interpreta, em voz, o próprio Truffaut, refletindo sobre sua arte e lendo trechos de anotações do cineasta, até agora inéditas ao público). Truffaut aparece em entrevistas e sets de filmagem. Tudo isso faz o público entender, de maneira íntima, o modo de o diretor ver o mundo. Ele teve breve carreira, mas deixando grandes obras cinematográficas – Truffaut faleceu cedo, aos 52 anos, de câncer cerebral.
 
 
O cangaceiro da moviola
 
Documentário independente que homenageia uma figura desconhecida do grande público, mas uma figura de destaque na montagem de cinema no Brasil, Severino Dadá, pernambucano nascido em 1941, que editou longas de cineastas de peso, como Nelson Pereira dos Santos, Neville D'Almeida, Octávio Bezerra e Rogério Sganzerla. A equipe do filme acompanha as andanças de Dadá por sua terra natal, uma cidadezinha no interior do Pernambuco chamada Pedra, onde ele se encontra com amigos e percorre a região onde cresceu. Saiu de lá no fim da década de 60 chegando ao Rio, onde trabalhou na Cinelândia carioca; na década seguinte foi para São Paulo, atuando na Boca do Lixo e depois em produções premiadas. A carreira de Dadá consta 40 trabalhos entre longas e curtas, dentre eles os filmes ‘O amuleto de Ogum’ (1975), ‘Tenda dos milagres’ (1977 – aqui também atuou), ‘Nem tudo é verdade’ (1986), ‘Matou a família e foi ao cinema’ (1991) e ‘Corisco & Dadá’ (1996). Cineastas que trabalharam com ele falam sobre a a figura de Dadá, como Nelson Pereira dos Santos, Rosemberg Cariry e o filho Petrus Cariry, Wolney Oliveira, Roque Araújo, Katia Mesel, Adélia Sampaio, Fernando Spencer e Ramon Alvarado. O apelido ‘Cangaceiro da moviola’ é devido a ele dizer que, por ser do cangaço, fazia os cortes dos filmes, em película, com facão. Produzido em 2022, o documentário de Luís Alberto Rocha Melo integrou a programação da 3ª. Mostra ‘Amor ao Cinema’, do Sesc SP, que este ano trouxe 38 filmes novos e antigos no Cinesesc e na plataforma Sesc Digital.


 
Cinema é uma droga pesada
 
Novo trabalho do diretor francês, que é ator e roteirista também, Cédric Kahn, o mesmo de ‘Vida selvagem’ (2014) e ‘A prece’ (2018). Exibido no Festival de Veneza, a inteligente comédia dramática francesa, voltada para o público mais cinéfilo, integra a programação da 3ª. Mostra ‘Amor ao Cinema’, do Sesc SP, e pode ser assistida gratuitamente no Sesc Digital. Criativo, com pura metalinguagem, o filme narra as adversidades de uma equipe de filmagem no set de gravação. Um diretor experiente, porém estressado e com problemas familiares, tenta terminar de rodar um filme sobre a luta de trabalhadores para evitar com que a empresa feche as portas. Problemas técnicos, desentendimento dos atores – que resolvem fazer uma greve no meio das gravações, e mudanças no roteiro por parte dos produtores adiam o término... O prazo é curto, e o diretor enlouquece. Até que entra em cena um jovem cineasta que se prontifica a criar o making of daquele filme. Com seu olhar clínico, capta aquela agitação toda que está acontecendo ao redor, que nunca permite a finalização das gravações. O grupo percebe então que o making of está se saindo melhor que o filme original. Com um elenco afiado – Denis Podalydès, Souheila Yacoub, Emmanuelle Bercot, Xavier Beauvois e Valérie Donzelli são alguns, o filme é uma celebração ao modo de se fazer cinema, que serve como sátira e com resultado extremamente curioso. Mais um filme de Kahn (que já veio ao Brasil, e na oportunidade, anos atrás, o entrevistei) que gostei e recomendo.


segunda-feira, 14 de julho de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming


Yõg Ãtak: Meu pai, kaiowá
 
Documentário brasileiro com um enfoque inédito, de como a ditadura militar separou famílias indígenas. Todo narrado pelas vítimas, conhecemos aqui uma história de vida específica, a da diretora do filme, a indígena Sueli Maxakali, e sua irmã Maisa, que estão na busca do pai, Luiz, da comunidade Kaiowá. Luiz, um guarani-kaiowá, morador de uma comunidade no sul do Mato Grosso do Sul, foi capturado na década de 60 por agentes do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e conduzido para diversos lugares, como São Paulo e Rio de Janeiro, até ser entregue a um posto indígena em Minas Gerais, onde viveu por 15 anos em outra comunidade indígena, os Maxakali. Lá casou-se e teve as filhas Sueli e Maisa, até ser novamente deslocado, agora pelos funcionários da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), órgão que substituiu o SPI, onde foi devolvido para sua tribo no MS. A retirada forçada da nova família em MG fez com que cortasse o vínculo total o grupo. A partir de entrevistas com dezenas de membros dos Maxakali e Kaiowá, Sueli tenta localizar o pai, idoso, e discutir o assunto com ele, além de pegar depoimentos de familiares e das comunidades que o conheceram. O filme origina-se dos relatórios finais da Comissão Nacional da Verdade (CNV), de 2014, que também investigou casos de separação de família de tribos, incluindo os Maxakali e os Guarani-Kaiowá. Com a câmera centrada no rosto e corpo dos personagens, com planos estáticos em que relembram a dor da separação, o doc trata também da violação das terras indígenas não só na época da ditadura, mas na atualidade – o estado do Mato Grosso do Sul ainda é foco de entraves como esbulho, disputa de terras e morte de indígenas. Filmado entre 2020 e 2024, o filme procura resgatar a luta dos povos Tikmũ’ũ, também chamados de Maxakali, de Minas Gerais, e os Kaiowá, da tribo Guarani, do Mato Grosso do Sul, pela preservação de seus espaços e de suas culturas. Dirigem junto de Sueli seu marido, Isael Maxakali, que é artista visual, o antropólogo Roberto Romero e a professora Luisa Lanna – Sueli e Isael já dirigiram curtas e longas sobre a questão da memória e a luta indígena, como ‘Yãmĩyhex: As mulheres-espírito’ (2019), e ‘Nũhũ yãg mũ yõg hãm: Essa terra é nossa!’ (2020). Está nos cinemas pela Embaúba Filmes.


 
Vermiglio - A noiva da montanha
 
Indicado ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro e vencedor de cinco prêmios no Festival de Veneza, incluindo o Leão de Prata – Grande Prêmio do Júri, a coprodução Itália/França/Bélgica acaba de estrear nas principais salas de cinema do Brasil. Escrito e dirigido pela cineasta Maura Delpero, de ‘Maternal’ (2019), é uma saga, em fragmentos, de uma família que vive numa comunidade fechada nos Alpes italianos chamada Vermiglio. É o período final da Segunda Guerra Mundial, 1944. A família Graziadei é numerosa, são tradicionais e conservadores, e controlada pelo patriarca, um professor austero. Até que aparece no vilarejo um soldado desertor, que lá está para se refugiar. O jovem se apaixona por uma das filhas do professor; pelo fato de ter desertado da guerra, ou seja, ser considerado traidor da pátria, a relação não é bem vista, gerando tensão e desafiando os limites daquela família. A fotografia é um primor de luminosidade e locações, nos alpes, que me remeteu a um clássico italiano, ‘A árvore dos tamancos’ (1978), inclusive a narrativa, em fragmentos, com cortes secos. É uma maravilha de filme, um drama sobre tensões familiares durante a guerra. Ganhou sete prêmios David di Donatello, o ‘Oscar italiano’, como melhor filme, direção e fotografia, e teve exibição na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo de 2024. Foi o filme escolhido para representar a Itália no Oscar desse ano, ficando fora da lista final. Distribuído nos cinemas pela Synapse Distribution.
 
 
Meu nome é Maria
 
Exibido no festival de Cannes de 2024, é um sólido drama biográfico dedicado à atriz retratada no filme, Maria Schneider (1952-2011). O longa não exatamente conta a vida toda de Maria e sim reconstitui um período crítico de sua carreira, as gravações do polêmico ‘Último tango em Paris’ (1972). Toca em momentos cruciais e públicos dela, como não ter sido reconhecida como filha do famoso ator francês Daniel Gélin (1921-2002), que a teve fora do casamento; a incursão nas artes aos 15 anos como atriz de teatro e modelo; a relação de altos e baixos com a mãe, com quem morava; e o pontapé na carreira, quando aos 19 anos conseguiu a chance de sua vida ao contracenar com Marlon Brando em ‘Último tango’ (Matt Dillon faz Brando, numa caracterização interessante, apesar de a maquiagem ficar por vezes over). O tratamento da obra segue a tumultuada produção que culminou numa grave crise entre Maria, Brando e o diretor italiano Bernardo Bertolucci. Na famosa cena de estupro, sugerida de última hora por Brando a Bernardo, a atriz não foi avisada; ela foi forçada em cena, com constrangimento, já que suas roupas eram arrancadas em frente à câmera. Maria, em entrevistas, diz que tal fato foi um abuso que causou para sempre trauma psicológico, e que Bernardo fazia qualquer coisa para obter fortes reações da atriz nas cenas – o que muito tempo depois o diretor confessou. O filme traz o relacionamento afetivo de Maria com a jornalista Noor – ela era bissexual, e registra um pouco do temperamento agressivo que a isolou do mundo. Maria entrou e saiu das drogas várias vezes, teve overdose, tentou suicídio, abandonou gravações de filmes no meio e morreu deprimida, em 2011, durante tratamento de um câncer de mama. Apesar de não ser nada parecida com a atriz, a romena radicada na França Anamaria Vartolomei, de ‘O acontecimento’ (2021), está muito bem no papel central. Após passar nos cinemas brasileiros esse ano, chega ao streaming da Reserva Imovision.
 


Improvisação perigosa
 
Comédia policial divertida, produzida e lançada pelo Prime Video em parceria com a MGM, com uma envolvente fotografia nas reais ruas de Londres. A produção britânica narra a jornada fustigante de três atores (Bryce Dallas Howard, Orlando Bloom e Nick Mohammed) contratados pela polícia para se infiltrar no submundo do crime na capital da Inglaterra. Dois deles trabalham com improviso e standup e outro é um artista de rua. Por alguns dias fingirão ser bandidos, tendo de mudar o estilo de roupa e linguagem corporal, para percorrer becos escuros que são territórios de traficantes e matadores. A ideia é que colham informações sobre uma perigosa quadrilha e repasse tudo para os agentes policiais. Mas, como é de se supor, o trio cairá em armadilhas. O elenco principal tem afinidade em cena, sabe dosar humor, com momentos engraçados, e entram de cabeça nas sequências realistas de perseguição e tiroteio. Dos criadores de ‘Sem segurança nenhuma’ (2012), tem argumento original de Colin Trevorrow, de ‘Jurassic World – O mundo dos dinossauros’ (2015). Dos produtores de ‘Homens de preto’, o filme conta com participação de Sean Bean, Ian McShane e Paddy Considine. Exibido nos festivais de Tribeca e SXSW, está no Prime Video.


 
Echo Valley
 
Produção original da AppleTV, que vem colocando bons filmes nos cinemas, como ‘Assassino da Lua das Flores’ (2023) e ‘F1 – O filme’ (2025), o drama com suspense crescente conta com um roteiro preciso do criador da série ‘Mare of Easttown’ (2021), Brad Ingelsby, e direção de Michael Pearce, de ‘A fera’ (2017 – premiado no Bafta). Duas atrizes que admiro entregam grande performance, com forma e conteúdo: Julianne Moore e Sydney Sweeney. Elas interpretam, respectivamente, mãe e filha num ciclo de reconciliação e destruição. Moore é uma mãe que não tem contato com a filha rebelde, que faz uso de drogas; ela mora sozinha numa fazenda isolada chamada Echo Valley (‘Vale do Eco’) onde cuida de cavalos e treina com eles. A filha reaparece em sua porta numa noite, assustada, com manchas de sangue pelo corpo. A mãe descobre que a jovem assassinou um ex-namorado, que era abusivo. As duas, então, armam um plano para sumir com o corpo e enganar a polícia. No entanto, o jogo muda com a chegada, na fazenda, de um conhecido do rapaz assassinado (papel de Domhnall Gleeson). É uma fita classe A, bem realizada, com boa entrega dos atores, que não só deve ser vista como um passatempo de suspense, mas um drama pesado sobre o amor de uma mãe levada até a última consequência para proteger um filho. Tem ainda participação menor de dois conhecidos do público, a atriz irlandesa Fiona Shaw e o americano Kyle MacLachlan. Está na AppleTV.


terça-feira, 8 de julho de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming - Parte 2


Jovens amantes
 
Drama romântico nostálgico, a fita de arte franco-italiana é uma homenagem ao cinema da pós-Nouvelle Vague, movimento que trouxe nova estética ao cinema francês nos anos 60 e 70. A história de amizade e amadurecimento é inspirada na juventude da atriz e diretora italiana Valeria Bruni Tedeschi, que dirige o filme com delicadeza e criatividade nos enquadramentos e câmera que lembra um estilo de gravação antiga. Tudo gira em torno de um grupo de amigos, de 20 anos de idade, recém-admitidos em uma importante escola de teatro perto de Paris. É década de 80, período de transformações culturais na França e no mundo. Enquanto estudam arte dramática, apaixonam-se, envolvem-se em romances fugazes, descobrem o mundo e enfrentam perdas. É uma obra íntima, com muitos closes, que mostra a preparação para a vida adulta. O olhar celebrativo da diretora diz muito nesse filme potente e belamente fotografado – reparem no uso fenomenal da luz natural. É ainda uma homenagem de Valeria para as amigas atrizes Agnès Jaoui e Noémie Lvovsky, que auxiliaram no roteiro, são retratadas nas personagens e estudaram com ela na real escola de artes Les Amandiers, comandada nos anos 80 pelo diretor Patrice Chéreau (no filme Patrice é interpretado pelo sempre correto Louis Garrel). Indicado à Palma de Ouro e ao Queer Palm em Cannes, ao Cesar e ao Festival de Sevilla, está nos cinemas pela Pandora Filmes.
 


Hot milk
 
Uma das boas estreias do ano, o poderoso drama ‘Hot milk’, recém-saído do Festival de Berlim, onde concorreu ao prêmio principal esse ano, o Urso de Ouro, é um retrato complexo da relação de mãe e filha. A trama se passa no verão espanhol, na paradisíaca cidade costeira de Almería, focando em Sofia (Emma Mackey) e sua mãe que enfrenta um doença não-detectada, que a colocou em uma cadeira de rodas, Rose (Fiona Shaw). O calor é intenso, o lugar está calmo, e lá para lá elas viajam para buscar um tratamento para Rose na clínica do Dr. Gómez (Vincent Perez), um médico com práticas misteriosas. Fechadas sozinhas num hotel, mãe e filha trazem do âmago lembranças dolorosas e profundas, enquanto a mãe tenta controlar a todo instante a frágil garota. Sofia então conhece à beira-mar uma mulher despojada e libertária, Ingrid (Vicky Krieps), com quem tem uma estranha e misteriosa relação. Aos poucos segredos vem à tona culminando em uma crise entre as três personagens. É um trabalho visceral, de peso, do elenco, e uma atuação estupenda da veterana atriz irlandesa indicada ao Emmy e ao Bafta Fiona Shaw. Não é um filme de fácil digestão ou solução, traz um desfecho aberto, que para mim foi uma paulada. Baseado no romance homônimo de Deborah Levy, é o longa de estreia na direção da roteirista Rebecca Lenkiewicz, dos excelentes ‘Ida’ (2013), ‘Desobediência’ (2017) e ‘Ela disse’ (2022). Está nos cinemas, distribuído pela Mubi e a O2 Play, distribuidora da O2 Filmes.
 
 
Pedaço de mim
 
Outra boa estreia nos cinemas brasileiros de um filme de drama, também uma fita de arte com mulheres fortes e dirigida por uma cineasta. Exibido no Festival de Veneza de 2024, na Mostra Orizzonti, é o primeiro longa da diretora francesa Anne-Sophie Bailly; aqui ela retrata os dias angustiantes de Mona (Laure Calamy), uma mulher de quase 50 anos, separada do marido, que vive com o filho Joel (Charles Peccia), um jovem neurodivergente. Eles têm uma relação de forte proteção e cuidado um com o outro, compartilhando sentimentos e a mesma rotina. Até que uma notícia abala aquela pequena família – Joel engravidou a namorada, Océane (Julie Froger), uma garota que acabou de conhecer e que também é neurodivergente. Com trama conduzida corretamente com momentos de afeto e tensão, traz um trabalho exímio dos atores centrais, com destaque para o trio, Laure Calamy (dos filmes ‘Contratempos’ e ‘Minhas férias com Patrick’), Charles Peccia e Julie Froger. Traz uma discussão atual, sobre as novas relações de pais com seus filhos com autismo e outros transtornos do neurodesenvolvimento. Um filme delicado, pessoal e muito bonito, que poderá tocar fundo nas pessoas. Nos cinemas brasileiros pela Filmes do Estação.
 

Crypto – A aposta final
 
A plataforma de streaming Filmelier+, da Sofa Dgtl, recebe hoje no catálogo o intrigante thriller de caçada ‘Crypto – A aposta final’ (‘Cold wallet’), produção independente norte-americana de 2024 exibida no festival SXSW. O longa acompanha três indivíduos que, após perderam todo o dinheiro em um esquema fraudulento de criptomoedas, elaboram um plano para sequestrar o influenciador financeiro que está por trás do crime. Juntos, invadem a mansão do criminoso e o amarram numa cadeira, fazendo um jogo de intimidações. Tudo muda com a chegada de um idoso, que está em busca do vizinho, o acusado. De thriller/suspense vira uma fita de ação de caçada ininterrupta, com mortes e perseguições. Daqueles filmes de anti-heróis em que ninguém é bonzinho tampouco consegue se salvar. No elenco, Raúl Castillo, de ‘Cassandro’ (2023), Melonie Diaz, de ‘Fruitvale Station – A última parada’ (2013) e Josh Brener, promissor ator que está em tudo, de séries como ‘The last of us’ (2023-) a longas como ‘Bagagem de risco’ (2024) e ‘Saturday Night – A noite que mudou a comédia’ (2024). Roteiro e direção de Cutter Hodierne. Acesso ao Filmelier+ em https://www.filmelier.com/br

domingo, 6 de julho de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming - Parte 1


Deixa que eu falo – Um filme sobre Leon Hirszman
 
Excelente documentário que reconstrói, a partir de fragmentos de curtas e longas-metragens, a carreira do falecido cineasta brasileiro Leon Hirszman (1938-1987), uma das mentes idealizadoras do movimento Cinema Novo. Leon deixou um legado de poucos, mas importantes trabalhos, como ‘A falecida’ (1965), ‘São Bernardo’ (1972) e ‘Eles não usam black-tie’ (1981). O diretor, e amigo pessoal dele Eduardo Escorel, irmão do diretor de fotografia Lauro Escorel, conta essa história intensa de amor de Leon pelo cinema a partir de raras entrevistas do cineasta, fotos de bastidores de seus filmes, vídeos de premiações – ‘Eles não usam black tie’, por exemplo, ganhou três prêmios no Festival de Veneza. Com uma carreira de 25 anos, entre 1962 e 1986, Leon marcou profundamente a cultura cinematográfica brasileira com seus filmes densos e originais – nascido no Rio, faleceu prematuramente aos 49 anos, de complicações da Aids. Feito em 2007, o filme integra a programação da III Mostra ‘Amor ao Cinema’, do Sesc SP, disponível gratuitamente na plataforma Sesc Digital até o dia 08/07 e com sessões no Cinesesc – a mostra desse ano reúne 38 títulos, de clássicos restaurados a filmes novos, como ‘Close-up’ (1990, de Abbas Kiarostami), em cópia 35mm, ‘Os sonhadores’ (2003, de Bernardo Bertolucci), remasterizado em 4K, ‘Fedora’ (1978, de Billy Wilder), além de ‘Jeanne Dielman’ (1975) e ‘Festa de família’ (1998), e docs brasileiros como ‘Ozualdo Candeias e o cinema’ (2013) e ‘O cangaceiro da moviola’ (2022).
 

 
1992
 
O cineasta israelense radicado nos Estados Unidos Ariel Vromen rodou até agora sete filmes policiais, alguns deles thrillers/suspenses muito bons baseados em histórias reais, como ‘O homem de gelo’ (2012) e ‘O Anjo do Mossad’ (2018, da Netflix). ‘1992’ (2022) é seu último trabalho, que não teve estreia no Brasil e acaba de entrar no catálogo da Max (que em breve se fundirá com a HBO e será chamada HBO Max). É um heist movie (filme de assalto), ágil para quem gosta do assunto. A trama segue um ex-presidiário (Tyrese Gibson) que hoje trabalha em uma loja de bebidas. Ludibriado por um grupo de criminosos, envolve-se em um assalto a barras de ouro de um banco. No meio da ação criminosa, descobre que o filho adolescente está aprisionado, em segurança, em um local fechado durante onda de violência que toma conta das ruas de Los Angeles (o contexto do filme é o evento conhecido como ‘Distúrbios de Los Angeles’, quando, em 1992, a cidade foi palco de tumultos nas ruas, devido à absolvição de policiais acusados de espancar um homem negro, que culminou em mais de 50 mortos e milhares de feridos). O homem tenta convencer o grupo a salvar o filho. Produzido pelo rapper e ator Snoop Dogg, é um filme com clichês do gênero, porém de boa condução, com momentos eletrizantes. É um dos últimos trabalhos de Ray Liotta, falecido naquele ano de 2022 – o filme é dedicado a ele, e tem, além de Tyrese Gibson, o ator Scott Eastwood, filho de Clint. Apesar de ser de 2022, teve apenas uma première em Los Angeles, e nem passou no circuito, chegando ao streaming em muitos países.


 
Encantadora de tubarões
 
Lançado essa semana, o novo documentário da Netflix retrata o incansável trabalho da conservacionista marinha e ativista Ocean Ramsey. Nascida no Havaí, a ex-modelo desde a metade dos anos 2000 trabalha com oceanografia. Ficou mundialmente famosa por nadar com tubarões e ter encontros casuais com grandes espécies, como o tubarão branco, que chega a seis metros de comprimento. De um arriscado hobby, que é viajar ao redor do mundo para encontrá-los e nadar com eles, tornou-se ativista na proteção desses animais e também dos cuidados ambientais nos mares. No filme, muito bem gravado, com cenas hipnóticas no azul intenso do fundo dos oceanos, vemos Ocean acariciar os tubarões que se depara nos mergulhos – algo tido como proibido e perigoso, o que reflete no filme um enigma que tentam desvendar: por que esses animais ferozes, que costumam atacar humanos, afeiçoam-se tanto por Ocean? O doc foi escrito por ela e dirigido pelo noivo, Juan Oliphant. Depois de ‘Professor Polvo’ (2020), documentário da Netflix que ganhou o Oscar, sobre a amizade incomum de um homem com um polvo na África do Sul, agora temos a relação afável de uma pessoa com enormes tubarões predadores.


 
Chefes de Estado
 
Novo filme do Prime Video, produzido pela Amazon Studios e a MGM, uma divertida comédia policial de história ágil e por vezes inusitada, sobre dois chefes de Estado encalacrados numa enrascada. Eles são o presidente dos Estados Unidos (John Cena) e o primeiro-ministro britânico (Idris Elba), dois rivais políticos, que durante uma reunião com outros países, viram alvos fáceis de um perigoso grupo que quer eliminá-los. A dupla é caçada em todo canto e terá de colocar as rixas de lado para sobreviver. Eles fogem de avião e de carros em alta velocidade, esquivam-se de tiros e explosões, até saltam de paraquedas. Quem auxilia os líderes mundiais nas fugas mirabolantes a la James Bond é uma agente do MI6 (Priyanka Chopra Jonas), o serviço secreto britânico. Para piorar, descobrem uma ameaça global no caminho. É filme de buddy cop passatempo, para se entregar na frente da TV e rir à beça. Tem ali e acolá críticas ao atual cenário político com Trump no poder e o novo modelo de mundo multipolar. Gosto do desajuste da dupla principal, os atores John Cena e Idris Elba se jogam sem medo nos papeis, e com uma mulher para juntar os dois (papel bem legal da atriz indiana Priyanka Chopra Jonas, agora fazendo carreira nos Estados Unidos). Participação ainda de Paddy Considine, Carla Gugino e Jack Quaid, filho de Dennis Quaid, que aparece em tudo quanto é filme atualmente. Direção do russo Ilya Naishuller, jovem cineasta de filmes que arrebentam em ação, ‘Hardcore: Missão extrema’ (2015) e ‘Anônimo’ (2021).


 
O último respiro
 
História real de um pequeno grupo de mergulhadores numa corrida contra o tempo para resgatar um colega de trabalho preso a quase 100 metros no fundo do oceano. O filme, de drama com suspense, conta a tragédia na vida do mergulhador escocês Chris Lemons, que escapou da morte em 2012; na ocasião, ele e dois companheiros de mergulho, para consertar tubulações de um campo de extração de petróleo na costa escocesa do Mar do Norte, descem nas águas. As condições de descida eram ruins, com ventos fortes e ondas. Lemons ficou preso após o navio ser arrastado pelas ondas, os dois amigos conseguiram subir, e ele ficou preso, sem suprimento de oxigênio. Perdeu os sentidos e ficou desmaiado no fundo do mar por 30 minutos, enquanto, do navio, o grupo corria contra o tempo para a expedição de salvamento. Daqueles filmes tensos, bem realizados ao modo americano de cinema, Woody Harrelson no papel de um dos colegas de Lemons (quem faz o mergulhador aprisionado no fundo do mar é Finn Cole). Edição e fotografia são primorosas, em especial nas cenas no fundo do mar, da descida da equipe nas tubulações até o salvamento. O longa é uma adaptação do documentário britânico de mesmo título, ‘Último respiro’ (2019), e do mesmo diretor, Alex Parkinson, realizador dos docs ‘Lucy, o chimpanzé humano’ (2021 – da HBO Max) e ‘A vida dos leopardos’ (2024 – da Netflix). Ou seja, Parkinson fez o doc e agora a adaptação em filme ficcional. Rodado na Escócia, a produção da Focus Features não passou nos cinemas brasileiros e entrou diretamente no Prime Video.

quinta-feira, 3 de julho de 2025

Resenhas especiais

 
Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída
 
Christiane (Natja Brunckhorst) é uma garota alemã de 13 anos que sai da casa dos pais e vai viver na rua com os amigos. Torna-se adicta em heroína e acaba se prostituindo para manter o vício e sobreviver.
 
Em 1981, em seu lançamento nos cinemas mundiais, o drama rodado na Alemanha Ocidental causou polêmica e impacto pela amarga história real de uma garota viciada em heroína que se prostituía para manter a dependência com as drogas. Chocou o público pelas cenas de sexo e ainda mais por mostrar com detalhes os viciados se picando com seringas compartilhadas. Muitos países não exibiram o filme nos cinemas, como no caso do Brasil, cuja estreia ocorreu dois anos depois, em 1983, ainda com cenas cortadas. Em celebração aos 40 anos, o longa alemão retornou aos cinemas numa ótima cópia restaurada, em 2022, e agora o filme foi adquirido pela Imovision e está no streaming Reserva Imovision. Nesta cópia, corrigiram os enquadramentos ruins, que era de TV, ou seja, 4:3, alteraram a cor que estava desbotada – e o filme é bem escuro mesmo, ou seja, fizeram uma boa restauração do master original. No Brasil, a única versão disponível era em DVD, de uma antiga edição de banca, com cortes, totalizando 124 minutos, com essa imagem sofrível; a metragem original tinha 138 minutos, e a que entrou no catálogo do Reserva Imovision tem metragem intermediária, de 130 minutos, totalmente restaurada, valendo a pena assistir.



Ao rever agora depois de tantos anos, o filme continua perturbador, indigesto, e os comentários ainda ressoam como um filme maldito e proibido, já que é um retrato cru e degradante de uma juventude perdida, entregue a drogas e exploração sexual. Christiane existiu de verdade, era uma jovem alemã chamada Vera Christiane Felscherinow, nascida em Hamburgo, em 1962, e que aos seis mudou-se para Berlim com os pais e a irmã. Cresceu num lar abusivo, viu os pais se separarem, até que aos 12 anos aproximou-se de um grupo de jovens usuários de drogas. Entre o grupo, usava haxixe e heroína, além de LSD, calmantes e sedativos. Na famosa discoteca Sound conheceu o futuro namorado, Detlef, e meses depois, começaria a se prostituir nos arredores da principal estação de trem da capital, a Berlin Zoologischer Garten Zoo, conhecida como Estação Zoo, ao lado do zoológico. Teve overdose, foi presa duas vezes, acusada de tráfico, e sobreviveu. Presenciou todos os melhores amigos morrerem ano a ano. Ainda viciada em remédios, tentou, nos anos 80, carreira musical e de atriz, sem sucesso. Foi internada em clínicas e hoje, aos 63 anos, é escritora – publicou livros sobre sua vida, é blogueira e escreve também para sites.
O filme é inspirado no livro ‘Christiane F. – Wir Kinder vom Bahnhof Zoo’, que nasceu dos depoimentos que Christiane concedeu no julgamento de sua prisão em 1978, no tribunal da infância e juventude. Na ocasião, dois jornalistas alemães que cobriam o caso, Kai Hermann e Horst Hieck, escreveram artigos para a revista Stern e juntaram os textos desses relatos para a obra literária, que teve colaboração de Christiane. O livro foi sucesso imediato, com diversas edições pelo mundo. O longa é um marco cultural, que representa a cena underground da Alemanha antes da queda do Muro de Berlim, com um trabalho impressionante e difícil da atriz Natja Brunckhorst, na época com 14 anos – ela depois virou diretora de cinema. E um trabalho complexo do diretor Uli Edel, que estreava na direção e depois faria bons filmes reais, ainda de temas pesados, como ‘Noites violentas no Brooklyn’ (1989) e ‘O grupo Baader Meinhof’ (2008 – indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro). Num dos momentos do filme, David Bowie aparece no palco como ele mesmo, cantando ‘Hero’, que virou tema do longa; Bowie assinou a trilha. No livro e no filme, constam que Christiane usou heroína pela primeira vez num show de Bowie.
Recomendo esse filme memorável, pesado e voltado para público de estômago forte.
 
Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída (Christiane F. - Wir Kinder vom Bahnhof Zoo). Alemanha Ocidental, 1981, 130 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Uli Edel. Distribuição: Reserva Imovision
 
 
A resistência de Inga
 
Para manter em pé a propriedade onde produz laticínios, Inga (Arndís Hrönn Egilsdóttir), uma agropecuarista recém-viúva, enfrenta uma poderosa cooperativa acusada de corrupção.
 
O cinema do diretor islandês Grímur Hákonarson já é conhecido dos cinéfilos brasileiros, principalmente os que frequentam festivais de cinema. Seguindo a tradição de seus trabalhos, rodados em planícies geladas da Dinamarca e Islândia, e partindo de uma ambientação que remete ao filme anterior, ‘A ovelha negra’ (2015), esse seu último longa, que também escreveu, acompanha a luta solitária de uma mulher contra um sistema corrupto. Inga (Arndís Hrönn Egilsdóttir) acaba de ficar mantém uma pequena propriedade agrícola onde produz laticínios e sem o marido, tem de cuidar de todo o negócio. Ela vive e trabalha em um local afastado, sem vizinhos. Ao descobrir um esquema de monopólios, e também corrupção, liderado pela poderosa cooperativa da qual faz parte, rebela-se contra o grupo, colocando sua integridade e até a vida em jogo. Pouco a pouco tenta trazer para junto de sua causa agricultores e pecuaristas das cidades próximas, e por isso é constantemente ameaçada.



Um drama humano, sério, com ótima interpretação da atriz de ‘Pardais’ (2015) Arndís Hrönn Egilsdóttir, que entrega um trabalho de energia e vitalidade, de uma mulher que resiste a pressões para combater injustiças sociais, dando início a uma pequena revolução. Exibido no Festival de Toronto, tem ainda uma fotografia das mais belas. Lançado no Brasil pela Imovision, está disponível no streaming Reserva Imovision.
 
A resistência de Inga (Héraðið/ The county). Islândia/ Dinamarca/ Alemanha/ França, 2019, 92 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Grímur Hákonarson. Distribuição: Reserva Imovision

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming - Parte 1

O pior homem de Londres   O mais recente trabalho do português Rodrigo Areias, diretor que teve praticamente todos os filmes lançados na Mos...