Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída
Ao rever agora depois de tantos anos, o filme continua perturbador, indigesto, e os comentários ainda ressoam como um filme maldito e proibido, já que é um retrato cru e degradante de uma juventude perdida, entregue a drogas e exploração sexual. Christiane existiu de verdade, era uma jovem alemã chamada Vera Christiane Felscherinow, nascida em Hamburgo, em 1962, e que aos seis mudou-se para Berlim com os pais e a irmã. Cresceu num lar abusivo, viu os pais se separarem, até que aos 12 anos aproximou-se de um grupo de jovens usuários de drogas. Entre o grupo, usava haxixe e heroína, além de LSD, calmantes e sedativos. Na famosa discoteca Sound conheceu o futuro namorado, Detlef, e meses depois, começaria a se prostituir nos arredores da principal estação de trem da capital, a Berlin Zoologischer Garten Zoo, conhecida como Estação Zoo, ao lado do zoológico. Teve overdose, foi presa duas vezes, acusada de tráfico, e sobreviveu. Presenciou todos os melhores amigos morrerem ano a ano. Ainda viciada em remédios, tentou, nos anos 80, carreira musical e de atriz, sem sucesso. Foi internada em clínicas e hoje, aos 63 anos, é escritora – publicou livros sobre sua vida, é blogueira e escreve também para sites.
O filme é inspirado no livro ‘Christiane F. – Wir Kinder vom Bahnhof Zoo’, que nasceu dos depoimentos que Christiane concedeu no julgamento de sua prisão em 1978, no tribunal da infância e juventude. Na ocasião, dois jornalistas alemães que cobriam o caso, Kai Hermann e Horst Hieck, escreveram artigos para a revista Stern e juntaram os textos desses relatos para a obra literária, que teve colaboração de Christiane. O livro foi sucesso imediato, com diversas edições pelo mundo. O longa é um marco cultural, que representa a cena underground da Alemanha antes da queda do Muro de Berlim, com um trabalho impressionante e difícil da atriz Natja Brunckhorst, na época com 14 anos – ela depois virou diretora de cinema. E um trabalho complexo do diretor Uli Edel, que estreava na direção e depois faria bons filmes reais, ainda de temas pesados, como ‘Noites violentas no Brooklyn’ (1989) e ‘O grupo Baader Meinhof’ (2008 – indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro). Num dos momentos do filme, David Bowie aparece no palco como ele mesmo, cantando ‘Hero’, que virou tema do longa; Bowie assinou a trilha. No livro e no filme, constam que Christiane usou heroína pela primeira vez num show de Bowie.
Recomendo esse filme memorável, pesado e voltado para público de estômago forte.
Um drama humano, sério, com ótima interpretação da
atriz de ‘Pardais’ (2015) Arndís Hrönn Egilsdóttir, que entrega um trabalho de
energia e vitalidade, de uma mulher que resiste a pressões para combater injustiças
sociais, dando início a uma pequena revolução. Exibido no Festival de Toronto,
tem ainda uma fotografia das mais belas. Lançado no Brasil pela Imovision, está
disponível no streaming Reserva Imovision.
A resistência de Inga (Héraðið/ The county). Islândia/ Dinamarca/
Alemanha/ França, 2019, 92 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Grímur
Hákonarson. Distribuição: Reserva Imovision