Animale
Terceiro
longa-metragem da diretora francesa Emma Benestan, que, ao contrário das comédias
dramáticas, resolveu investir em um curioso drama com toques de terror psicológico.
E ainda carrega traços de body horror, subgênero do horror, com corpos em mutação
ou transformações radicais. Na região rural de Camargue, no sul da França, lugar
conhecido pelas touradas, uma jovem de 22 anos, Nejma (Oulaya Amamra), rompe a
tradição e quer ser a primeira mulher a ganhar na competição anual da corrida
de touros. Diferente da Espanha, em Camargue o animal não é agredido nem
abatido. Notícias se espalham de que um touro selvagem está solto pelas matas,
o que passa a amedrontar a pequena comunidade. Pessoas são encontradas mortas,
aparentemente pelo animal, até que um dia ele ataca Nejma. Ferida, a jovem percebe
estranhas reações no corpo e uma mudança drástica de comportamento. Nesse filme
feminino tomado por um ar de estranheza, uma mulher desafia a tradição de um
esporte secular, dominado por homens vaqueiros, é ameaçada tanto por eles quanto
pelo animal em fúria que espalha o terror. Colocada contra a parede, ela não se
intimida e luta contra as amarras sociais para ser aceita no mundo dos esportes
e assim se sentir pertencida. O body horror não é evidente, a partir da metade
do filme algo muda na trama, quando a jovem ferida começa a se transformar em
um animal, com pelos grandes e instinto ameaçador. Tudo é subentendido, implícito,
nada exposto – somente nos minutos finais uma cena simbólica assusta. Descendente
de algerianos e marroquinos, a atriz Oulaya Amamra, irmã da diretora Houda
Benyamina, com quem trabalhou no premiado drama ‘Divinas’ (2016), é a força-motriz
desse provocativo filme. Não é fácil nem para todos os gostos, é uma obra
peculiar, restrita. Filme de encerramento da Semana da Crítica do Festival de Cannes
de 2024, foi exibido no Festival do Rio do ano passado e agora chega em cartaz
aos cinemas brasileiros pela Pandora Filmes.
Caiam
as rosas brancas!
Outro
filme cult que estreia nos cinemas brasileiros. Com um título poético e
explicado somente no desfecho, tem um tom surrealista, disruptivo na forma e na
concepção dos personagens, e mistura elementos do onírico e do realismo. Coprodução
Argentina, Brasil e Espanha, foi vendido como um ‘drama erótico’, dirigido por
uma cineasta argentina, Albertina Carri, de ‘As filhas do fogo’ (2018). Na
história, uma jovem diretora de cinema tenta seguir com um novo projeto pelo
qual foi convidada, de fazer um filme erótico profissional. Seu trabalho anterior
foi um pornô amador lésbico que teve certa repercussão. Tomada por conflitos,
sem saber o rumo da produção, ela e o grupo de amigas que integram a equipe viajam
de Buenos Aires para São Paulo, onde se isolam numa ilha cheia de segredos. A proposta
da equipe é se reconectar com algo maior para adquirem uma nova visão de mundo.
Gravado em São Paulo e Ilhabela, com equipe dos três países envolvidos, o filme
estreou no Festival de Cinema de Roterdã desse ano, e afirmo que não é para
todos; tem uma linguagem fora do padrão de cinema, é ousado e tem um desfecho simbólico.
As personagens estão envoltas numa aura de mistério, uma mistura de realidade e
sonho, em busca de reconexão/aceitação. As coisas não são tão claras, e o filme
permite duplos sentidos. Eu gosto de cinema assim, achei um filme absurdamente
diferente, mas reconheço que o grande público poderá se chatear. Participação
da atriz argentina Laura Paredes, de ‘Argentina 1985’ (2022), da espanhola
Luisa Gavasa, de ‘Maus hábitos’ (1983) e da atriz trans brasileira Renata
Carvalho, de ‘Os primeiros soldados’ (2021). Nos cinemas pela Boulevard Filmes,
em codistribuição com a Vitrine Filmes.
Ousar
viver! - Histórias da Maria
Documentarista brasileiro
premiado, Silvio Tendler, hoje aos 75 anos, continua produzindo filmes que redescobrem
trajetórias de vida ofuscadas pelo tempo. No passado dirigiu uma dezena de
longas, com destaque para ‘Os anos JK - Uma trajetória política’ (1981) e ‘Jango’
(1984), e de lá para cá fez mais de 50 trabalhos independentes, muitos deles
bancados pela própria produtora, a Caliban. No ano passado dirigiu dois docs
que tiveram tímida estreia nos cinemas, e depois foram parar no acervo do Sesc
Digital, streaming do Sesc gratuito para o público: ‘Brizola – Anotações para
uma História (2024) e ‘Ousar viver! - Histórias de Maria’ (2024). Este está
disponível até amanhã, dia 20/05, no Sesc Digital, e narra as memórias e
histórias de luta de Lúcia Maria Pimentel, conhecida por Maria Pimentel, militante
que enfrentou a Ditadura Militar no Brasil. Atuante desde a juventude no Movimento
Revolucionário 8 de Outubro (MR8), viveu na clandestinidade e teve papel
fundamental na luta democrática contra a opressão. Foi presa e exilada na Argélia
e na Suíça. Depois de seis anos de exílio, voltou ao Brasil na metade dos anos
70 e se dedicou à justiça social, liderando movimentos sindicais e de mulheres.
Feito com baixo orçamento, o documentário cruza as histórias de Maria e de outros
cidadãos brasileiros que enfrentaram a ditadura e infelizmente pagaram caro por
isso. Tendler já rodou outros documentários sobre a ditadura no Brasil, e este,
apesar de ser pouco comentado e conhecido, está na lista de seus trabalhos mais
enfáticos. Produzido pelo Instituto Angelim, está no Sesc Digital, em https://sesc.digital/colecao/cinema-em-casa-com-sesc
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