sábado, 17 de maio de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming – Parte 2

 
Criaturas da mente
 
Pernambucano de Recife, o cineasta Marcelo Gomes já levou seus filmes para o mundo, desde os curtas exibidos em festivais internacionais (‘Clandestina felicidade’, de 1998, é um dos que mais gosto) aos longas memoráveis, que trouxeram nova linguagem para o cinema brasileiro na pós-Retomada, como ‘Cinema, aspirinas e urubus’ (2005) e o meu preferido, dirigido ao lado de Karim Aïnouz, ‘Viajo porque preciso, volto porque te amo’ (2009) – depois Gomes fez uma coprodução Brasil/Portugal que reconta a vida de Tiradentes, ‘Joaquim’ (2017), o documentário ‘Estou me guardando para quando o carnaval chegar’ (2019), e dois dramas duplamente premiados, ‘Paloma’ (2022) e ‘Retrato de um certo oriente’ (2024). Seu novo projeto, tão pessoal quanto os anteriores, é o documentário que acaba de estrear nos cinemas brasileiros ‘Criaturas da mente’ (2024), um estudo sobre o poder da mente. O filme tem narração do próprio Marcelo e conduzido por um especialista no assunto, o neurocientista e escritor Sidarta Ribeiro. É um debate entre conhecimento científico versus saberes ancestrais dos povos originários e de culturas afrodescendentes em torno do inconsciente e dos sonhos. Sidarta viaja para regiões distintas do Brasil conversando com conhecedores do assunto, sobre os limites da mente – ele entrevista o líder indígena, ativista e escritor Ailton Krenak, a ialorixá e percussionista Mãe Beth de Oxum, o pesquisador Dráulio Barros de Araújo e outros. Enquanto as discussões acontecem, imagens de filmes de Marcelo Gomes, citados anteriormente, são postas na tela – e assim percebemos o alinhamento de sua obra com as questões da mente, de como o cineasta já se preocupava com a espiritualidade e a visão científica do inconsciente; seus personagens, percebam, sempre refletem sobre a existência, a espiritualidade etc.
Produção assinada por João Moreira Salles e Maria Carlota Bruno, da VideoFilmes, realizada em coprodução com Globo Filmes e GloboNews, em associação com a Carnaval Filmes. Teve a première nacional na abertura da 57ª edição do Festival de Brasília, em 2024, e está em cartaz nos cinemas com distribuição da Bretz Filmes. Um bom filme para debate.
 
 
Memórias de um esclerosado
 
Outro bom documentário em cartaz nos cinemas brasileiros, ‘Memórias de um esclerosado’, grande vencedor da 28ª edição do Cine PE, acompanha a reviravolta na vida do premiado cartunista Rafael Corrêa após o diagnóstico de esclerose múltipla, em 2010. Nascido no Rio Grande do Sul, com trajetória artística de quase 30 anos, com passagens por jornais como Folha de S.Paulo e Zero Hora, Corrêa, criador do personagem de tirinhas Artur, o arteiro, narra o filme como um livro aberto – ele conta, de forma íntima, sobre o antes e depois da esclerose, lembrando a juventude feliz ao lado de amigos e familiares, a carreira e a chegada da doença, trazendo arquivo de fotos e vídeos caseiros dele. O diagnóstico o deixou perplexo e mudaria sua rotina para sempre. A doença neurológica e autoimune afetou o lado esquerdo de Corrêa, incluindo a mão que desenhava, o que o fez treinar com a outra. Mais do que respostas, ele busca uma nova forma de lidar com sua arte, usando o cartum para desenhos autobiográficos de sua relação com a enfermidade. O filme traz um humor jocoso sobre suas limitações, e ele aqui, como narrador-personagem, cria uma figura mítica, um indivíduo fantasiado de sapo, que sempre o questiona e instiga – o animal é uma figura que o persegue desde criança, quando, sem motivos, matou um sapo esmagado. Produção gaúcha, dirigida por Thais Fernandes e pelo próprio Rafael, o filme demorou nove anos para ser feito, interrompido pela pandemia da covid. Além das premiações no Cine PE, o doc ganhou como melhor roteiro, montagem, desenho de som e trilha musical no 52º Festival de Cinema de Gramado.
Dramático, com visível senso de humor e incríveis transições entre imagens antigas, atuais e animações, é um filme curiosíssimo, a se descobrir. Produção da Vulcana Cinema e Cena Expandida, tem distribuição da Atelier W Produções Cinematográficas.


 
Lynch/Oz
 
Falecido em janeiro desse ano, David Lynch (1946-2025), cineasta americano criador de obras icônicas e complexas dos anos 80, 90 e 2000, como a série ‘Twin Peaks’ (1990-1991) e os filmes ‘O homem elefante’ (1980), ‘Veludo azul’ (1986) e ‘Cidade dos sonhos’ (2001), era fã número 1 do clássico ‘O mágico de Oz’ (1939). A tal ponto de extrair ideais do longa de Victor Fleming para compor o seu particular cinema, cultuado por gente no mundo todo. ‘O mágico de Oz’ sempre o perseguiu a ponto de tirar seu sono. Ao assistirmos esse estonteante documentário indie, ‘Lynch/Oz’ (2022), entendemos como se deu essa relação do diretor/roteirista com o imbatível clássico. Do primeiro curta-metragem que Lynch fez, ‘The alphabet’ (1969) até seus últimos trabalhos, no caso o curta ‘What did Jack do’ e a continuação de ‘Twin Peaks’, o seriado ‘Twin Peaks – O retorno’, ambos feitos em 2017, há algo escondido de Oz ali. O doc, exibido nos festivais de Tribeca e Londres, é dividido em seis capítulos, em que cineastas (como John Waters e Karyn Kusama) e pesquisadores estudam as diversas camadas dos trabalhos de Lynch para traçar um paralelo com a concepção visual, a trama e os personagens de ‘Oz’. Das cores fortes, aos protagonistas perdidos em mundo estranho, os vilões excêntricos, a eterna melancolia, tudo em Lynch nos transporta para a terra de magia de Oz. Além dos mencionados filmes dele, outros como ‘Eraserhead’ (1977), ‘Duna’ (1984), ‘Coração selvagem’ (1990), ‘Estrada perdida’ (1997) e ‘Império dos sonhos’ (2006) possuem analogias àquela obra-prima dos anos 30, seja no sapato vermelho de personagens parecidas como Dorothy, antagonistas caricatos como a Bruxa Má do Oeste, as rodovias como a estrada de tijolos amarelos. ‘Lynch/Oz’ é imperdível, garanto. Escrito e dirigido pelo documentarista Alexandre O. Philippe, que realizou outro filme impressionante de bastidor, ‘78/52: A cena do chuveiro de Hitchcock’ (2017), em que analisa criteriosamente uma das cenas mais famosas do cinema, a do chuveiro de ‘Psicose’ (1960), que mudaria a forma de escrever histórias em Hollywood. Disponível gratuitamente na plataforma Sesc Digital até o dia 19/05.


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