terça-feira, 13 de maio de 2025

Especial de cinema

 
Festival In-Edit Brasil anuncia programação nacional da edição 2025
 
O ‘In-Edit Brasil – Festival Internacional do Documentário Musical’ promove esse ano sua 17ª edição, de 11 a 22 de junho, em São Paulo. No último final de semana, foi divulgada a programação de filmes nacionais, com curtas e longas-metragens; será divulgada em breve a programação internacional, além da que ficará nas plataformas de streaming e as salas de cinema participantes - no ano passado, 10 salas da capital paulista receberam o festival, como CineSesc, Cine Bijou, SPcine Olido e Cinemateca Brasileira. O ‘In-Edit’ inclui ainda shows, exposições, feira de vinil e livros, encontros e bate-papos com convidados especiais. O festival tem programação gratuita e conta com patrocínios como Itaú, Prefeitura de São Paulo, SPcine, Colombo Agroindústria e Caravelas, e parceria com dezenas de institutos culturais, como Goethe Institut e Cinemateca Brasileira. É uma realização do Ministério da Cultura, In Brasil Cultural, Sesc e Governo do Estado de São Paulo. Paralelamente ocorrem edições do In-Edit em cinco países - Espanha, Chile, Países Baixos, Grécia e México. Conheça mais sobre o Festival In-Edit Brasil no instagram https://www.instagram.com/ineditbrasil/ e no site oficial https://br.in-edit.org
 


Programação nacional de 2025
 
O ‘In-Edit Brasil’ traz o Panorama Brasileiro, reunido nas seções Competição Nacional, Mostra Brasil, Brasil.Doc, Curta um Som e Sessões Especiais, apresentando estreias nacionais e produções inéditas dedicadas a personalidades e cenas da música brasileira. Neste ano, destacam-se premières nacionais de docs sobre o cantor Cazuza, a sambista e militante Leci Brandão, o músico e maestro Letieres Leite (idealizador das orquestras Rumpilezz e Rumpelezzinho), o cantor e compositor Azulão, idealizador das festas populares de Caruaru, além de longas sobre Hyldon, Maria Alcina, Toquinho, Dino Franco e da banda gaúcha Cachorro Grande. Haverá títulos sobre cenas musicais marcantes do Brasil, como o hardcore brasileiro dos anos 90, o rock feito em Goiânia, o Afro-Samba e a soul music. O filme de abertura do ‘In-Edit 2025’ será “Anos 90 - A Explosão do Pagode” (2025), dirigido por Emílio Domingos e Rafael Boucinha – sessão dia 11 de junho, às 20h, no Cinesesc. O festival traz também sessões especiais de dois clássicos, “A Noite do Espantalho’ (1974), dirigido pelo cantor, compositor e ator Sérgio Ricardo, e “O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas” (2000), de Marcelo Luna e Paulo Caldas, que completa 25 anos. Confira abaixo a lista completa dos títulos do ‘In-Edit Brasil 2025’.
 

 
In-Edit Brasil 2025 – Panorama Brasileiro
 
COMPETIÇÃO NACIONAL
 
A Última Banda de Rock
Lírio Ferreira | Brasil | 2024 | 120’
 
Alma Negra, do Quilombo ao Baile
Flavio Frederico | Brasil | 2024 | 107’
 
Amor e Morte em Julio Reny
Fabrício Cantanhede | Brasil – RS | 2025 | 93’
 
As Dores do Mundo: Hyldon
Emílio Domingos e Felipe David Rodrigues | Brasil | 2025 | 90’
 
As Travessias de Letieres Leite
Iris de Oliveira e Day Sena | Brasil | 2025 | 90’
 
Ave Sangria, a Banda que Não Acabou
João Cintra, Mônica Lapa | Brasil | 2025 | 77’
 
Brasiliana – O Musical Negro que Apresentou o Brasil ao Mundo
Joel Zito Araújo | Brasil | 2024 | 83′ 
 
Cazuza: Boas Novas
Nilo Romero, Roberto Moret | Brasil | 2025 | 91’
 
Os Afro-Sambas: O Brasil de Baden e Vinicius
Emílio Domingos | Brasil | 2024 | 93’
 
Sem Vergonha
Rafael Saar | Brasil | 2024 | 79’
 

 
MOSTRA BRASIL
 
Aldo Bueno: O Eterno Amanhecer
Adriano De Luca | Brasil | 2024 | 86’
 
Goiânia Rock City
Théo Farah | Brasil | 2025 | 102’
 
Hardcore 90
Marcelo Fonseca, George Ferreira | Brasil | 2025 | 91’
 
Jackson – Na Batida Do Pandeiro
Marcus Vilar, Cacá Teixeira | Brasil | 2024 | 97’
 
Leci
Anderson Lima | Brasil | 2025 | 70’
 
Mestras
Roberta Carvalho, Aíla | Brasil | 2024 | 52’
 
O Ano em que o Frevo Não Foi Pra Rua
Bruno Mazzoco, Mariana Soares | Brasil | 2024 | 71’
 
Passarô
Taciano Valério | Brasil | 2024 | 72’
 
Toquinho Maravilhoso
Alejandro Berger Parrado | Brasil/Uruguai | 2024 | 72’
 
WR Discos – Uma Invenção Musical
Nuno Penna, Maira Cristina | Brasil | 2024 | 78’
 
 
BRASIL.DOC
 
Baile Soul
Cavi Borges | Brasil | 2024 | 75’
 
Concerto de Quintal
Juraci Júnior | Brasil | 2025 | 80’
 
Dino Franco, a Raiz do Sertanejo
João Francisco Cunha | Brasil | 2025 | 98’
 
Essência Interior (Júpiter – Gross – Cascaes) – 1996 – 1999
Roberto Panarotto | Brasil | 2025 | 71’
 
O Clube da Guitarrada
Tania Menezes | Brasil | 2024 | 57’
 
Regional Beat: Uma Antena Parabólica Fincada na Terra Vermelha
Matuto S.A | Brasil | 2024 | 63’
 
Veraneio: Uma Antologia Negra
Nalu Silva | Brasil | 2024 | 59’
 
 
CURTAS
 
Antonio e Manoel
Zeca Ferreira | Brasil | 2024 | 15’
 
Black House: Jazz é o Corre
Amilcar Neto | Brasil | 2025 | 20’
 
Discoterra
Gustavo Aquino dos Reis, Daniel Wierman e Arnaldo Robles | Brasil | 2025 | 30’
 
Jamming – O Ano em que Junior Marvin Morou em Goiânia
Danilo Camilo | Brasil | 2024 | 26’
 
Jingles Como Política Afetiva
Kjetil Klette Bøhler | Brasil/Noruega | 2024 | 33’
 
Lá no Alto
Juliana Lima | Brasil | 2025 | 16’
 
Notas da Tradição: Pífanos de Ribeira do Amparo
Michele Menezes | Brasil | 2024 | 11’
 
Pagode do Didi, Nosso Ponto de Encontro
Maysa Carolino | Brasil | 2024 | 24’
 
Spectros: Algum Nome, Nenhum Rosto
Ciro Lubliner | Brasil | 2025 | 15’
 
Vamembolá
Lucila Meirelles, Cid Campos | Brasil | 2024 | 27′
 
Vollúpya
Érica Sarmet, Jocimar Dias Jr. | Brasil – | 2024 | 21’
 
Volta Seca a Favor do Vento – Cantigas De Lampião
Marlon Delano | Brasil | 2024 | 16’
 
 
SESSÕES ESPECIAIS
 
A Noite do Espantalho
Sérgio Ricardo | Brasil | 1974 | 94’ | Ficção
 
O Rap Do Pequeno Príncipe Contra As Almas Sebosas
Marcelo Luna, Paulo Caldas | Brasil | 2000 | 75’
 

domingo, 11 de maio de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming - Parte 1


Lispectorante
 
A atriz Marcélia Cartaxo retorna ao mundo de Clarice Lispector quatro décadas depois de sua consagração com ‘A hora da estrela’ (1985), filme que deu a ela o prêmio de atriz no Festival de Berlim. Ela interpreta uma artista plástica que volta a Recife, sua terra natal, após turbulências pessoais. Num passeio pela cidade, para em frente à casa onde morou Clarice, e uma fenda na estrutura do prédio a transporta para um mundo todo modificado, onde cruzará com personagens que mudarão sua vida. É uma comédia dramática agradável, com realismo mágico e uma interpretação fabulosa de Marcélia, num filme que fala de memória, recomeços e que presta uma singela homenagem a uma das maiores escritoras brasileiras de todos os tempos. Tem participação de Grace Passô. Exibido no Festival do Rio, onde assisti no ano passado, e na Mostra Intl. Cinema de São Paulo, entrou em cartaz nos cinemas brasileiros, com distribuição da Embaúba Filmes.
 


 
Santino
 
Em 2023, o documentarista mineiro Cao Guimaraes lançou dois filmes, ‘Amizade’, exibido nos cinemas esse ano, e ‘Santino’, que está disponível no Sesc Digital até dia 13 de maio, de forma gratuita. Nesse doc de 88 minutos, ele registra os momentos íntimos e de trabalho de um homem simples chamado Santino, que vive com a família num casebre na bacia do Rio São Francisco, em Minas Gerais. Ele é um veredeiro, cultiva uma pequena propriedade de terra e também abre covas no minúsculo cemitério local. Intelectual, discorre sobre vários assuntos, é um conhecedor das propriedades das plantas e das tradições orais. Também é um defensor das nascentes e matas. Cao Guimaraes, interferindo pouco nas cenas, deixa o entrevistado contar passagens curiosas e causos, nos brindando com o conhecimento de Santino. Faz um filme digno sobre um homem do campo e sua luta diária – a paisagem desse interior de MG é uma pintura, inspirou o escritor Guimarães Rosa em seus livros. Vale conhecer.
 


 
Hachiko - Para sempre
 
Terceira versão para cinema de um caso real japonês que faz parte da cultura do país, a dramática e emocionante trajetória de um cão leal, da raça Akita, que esperou pelo retorno de seu dono por quase dez anos, em frente a uma estação de trem, mesmo após a morte dele. O homem era um professor da Universidade de Tóquio, Hidesaburo Ueno, que sempre caminhava com seu cão, juntos iam até a estação, e ao embarcar, o cão ficava na praça, a sua espera no fim do dia. Ueno morreu em 1925 e todos os dias, até 1935, Hachiko ficava prostrado perto dos vagões de trem aguardando o dono. O caso se tornou célebre no Japão, a morte de Hachiko naquele ano de 1935 causou comoção e até foi dia de luto oficial no país. A trajetória de Ueno e Hachiko virou livros, séries, filmes, algo intrínseco na cultura japonesa. Anteriormente houve o longa-metragem feito no Japão ‘A História de Hachiko’ (1987), depois a coprodução Estados Unidos/Reino Unido com Richard Gere, ‘Sempre ao seu lado’ (2009), de Lasse Hallström, e agora essa chinesa de 2023, que não fica para trás. Todas as versões são bonitas, bem realizadas, e essa feita na China é um primor de fotografia, diálogos, roteiro. A relação do professor com o cão é de uma delicadeza sem tamanho, o que brilha os olhos e nos emociona, sem contar o triste desfecho – que atua no filme são os veteranos Xiaogang Feng, que também é diretor e roteirista, e a premiada atriz Joan Chen, que atuou em muitos filmes nos Estados Unidos, como ‘O último imperador’ (1987). Aficionados por cachorros irão se entregar a esse drama contundente. Lançado na China em 2023, veio para os cinemas brasileiros pela Paris Filmes em julho de 2024 e agora foi distribuído pela A2 Filmes nas plataformas para aluguel, como Youtube Filmes e Apple TV. Gostei e recomendo.



terça-feira, 6 de maio de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming - Parte 2


Atentado em Oklahoma: Terror nos EUA
 
Em 19 de abril de 1995, um caminhão com bombas explodiu em frente ao Edifício Federal Alfred P. Murrah, na cidade de Oklahoma, matando 168 pessoas e ferindo mais de 600.
 
Para lembrar os 30 anos do atentando em Oklahoma City, a Netflix produziu esse documentário que vai a fundos no caso, trazendo uma investigação completa da tragédia. A Netflix produz bons docs em formato de filmes e séries, com vasta pesquisa e entrevistas, e aqui não desaponta. Sobreviventes, investigadores, bombeiros que socorreram vítimas, jornalistas que cobriram o caso, todos eles relembram o triste fato. No Edifício Federal Alfred P. Murrah, de nove andares, funcionavam departamentos do Governo Federal, como o Serviço Secreto, e também uma creche para crianças. Em 19 de abril de 1995, um caminhão com explosivos detonou no local. O resultado foram 168 pessoas mortas, 685 feridas, um terço do prédio veio abaixo – a imagem do edifício destruído marcou, um prédio que caiu parte dele e o interior ficou exposto. A explosão danificou 320 estabelecimentos comerciais, casas e edifícios em um raio de 15 quadras e incendiou 86 veículos, gerando um prejuízo de U$ 650 milhões. Foi um terrorismo doméstico mais letal da História americana, cometido por dois supremacistas brancos de extrema-direita. Um deles era militar, artilheiro de elite da Guerra do Golfo, que queria se vingar de um episódio conhecido como ‘Cerco de Waco’, ocorrido exatamente dois anos antes, em 19 de abril de 1993 – neste, membros da seita ‘Ramo Davidiano’ se rebelaram na sede do grupo, ‘Monte Carmelo’, na cidade de Waco, Texas, e ficaram lá por 51 dias trocando tiros com a polícia; eles recusaram se entregar, havia um mandado da polícia para recolher metralhadoras e milhões de munição no local, até que em 19 de abril um incêndio matou 80 integrantes da seita, além de policiais mortos – sobre o caso há duas minisséries, a ficcional ‘Waco’ (2018, da Showtime, com Michael Shannon), e a documentário ‘O cerco de Waco’ (2023, da Netflix). Documentário acaba de estrear na Netflix, e recomendo para quem gosta de acompanhar/relembrar histórias reais marcantes.
 

 
Um zoológico extraordinário
 
Uma comédia cativante rodada na Coreia do Sul e inspirada em uma webserie homônima, ‘Haechijiana’, feita no país entre 2011 e 2012. A história para o cinema segue a ideia original da série, de um advogado que recebe a proposta de auxiliar um grupo na revitalização de um zoológico abandonado. Só que os animais morreram, outros fugiram, e como a grana é curta, ele rapidamente tem uma ideia inusitadíssima: vestir os funcionários do zoológico como animais e fazê-los interagir com o público. Ressabiados, os empregados topam, ensaiam movimentos de animais, e o zoo é aberto. As pessoas se divertem com os bichos, gravam vídeos, até que alguns visitantes estranham ao ver um urso polar tomando refrigerante e outros animais dançando. Imagens disso viralizam nas redes sociais, e algo precisará ser feito para que a farsa não seja descoberta. É um entretenimento de qualidade, bem realizado, divertido, para crianças, jovens e adultos, uma história que beira o nonsense/absurdo, até improvável, mas com essa proposta mesmo, de ser um passatempo irrestrito. Não tem só humor, há carga dramática, crítica social e personagens divididos por dilemas éticos, demonstrando que a Coreia do Sul, há muitos anos, vem fazendo filmes inventivos. Conta com um elenco de nomes conhecidos no país, como Kang So-ra, Kim Sung-oh, Jeon Yeo-been e Park Hyoung-soo. Estreou esse mês nas plataformas digitais, com distribuição da A2 Filmes.



Estreias da semana – Nos cinemas - Parte 1


Uma família normal
 
Best seller do escritor holandês Herman Koch, publicado em 2009, ‘O jantar’ rendeu quatro versões para cinema, produzidas em países diferentes: ‘Het diner’ (2013), na Holanda; ‘Os nossos meninos’ (2014), na Itália; ‘O jantar’ (2017), nos Estados Unidos - essa com Richard Gere e Laura Linney, e a mais recente, ‘Uma família normal’ (2023), na Coreia do Sul, que acaba de chegar aos cinemas brasileiros. A adaptação mantém o suspense crescente, o ritmo e a frieza da obra literária, uma trama tensa, que guarda surpresas e nos deixa sem fôlego. Dois irmãos e suas respectivas esposas costumam jantar juntos na casa luxuosa de um deles. Um dia, o encontro será diferente, pois sentarão à mesa para discutir o que será feito com seus filhos, após eles, que são primos, serem acusados pela polícia de um crime bárbaro. Uma câmera de vigilância flagrou os adolescentes espancando um andarilho na rua, a notícia caiu na mídia, e a vítima está entubada no hospital, em estado grave. Os irmãos são um advogado rico, que aceita qualquer negócio para livrar a filha da acusação, e o outro, um médico pediatra de moral inabalável, que não sabe como proceder com o garoto, que está bastante abalado. As esposas não se entendem, e a relação das duas famílias vai se degradando a ponto de desdobramentos violentos. Surpreendei-me com essa versão sul-coreana, assim como gosto muito de ‘O jantar’ com Richard Gere. É um thriller sem imprevisível, sem clichês, tudo é marcado pela tensão e reviravoltas que incomodam, com personagens repletos de camadas, marcados por dilemas morais. Exige atenção do começo ao fim, principalmente nos diálogos. O filme teve estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Toronto em setembro de 2023, depois em festivais asiáticos, como Taipei, e agora em cinemas do mundo todo. Um verdadeiro acerto do diretor Hur Jin-ho, cuja carreira é marcada por dramas românticos pessoais, como ‘Neve de abril’ (2005) e ‘Felicidade’ (2005). Nos cinemas pela Pandora Filmes.
 


 
Um pai para Lily
 
Drama autobiográfico da diretora e roteirista Tracie Laymon, em sua estreia em longa-metragem após uma longa carreira com curtas-metragens. ‘Um pai para Lily’ é a jornada de uma jovem, Lily (Barbie Ferreira), que quer se reconectar com o pai ausente, Bob (French Stewart), mas o destino a leva para outros caminhos. Após uma briga com Bob, o pai não recebe mais Lily em casa nem atende seus telefonemas. Ela, desesperada, busca pelo seu perfil nas redes sociais e acaba em contato com um homem de mesmo nome, Bob Trevino (John Leguizamo). Sem a presença do verdadeiro Bob, Lily marca um encontro com esse seu ‘falso pai’, apesar da distância entre as cidades onde vivem. Entre os dois haverá afeto, ternura e uma verdadeira amizade. Demorei um pouco para entrar na história desse drama teen, com momentos cômicos e um desfecho emocionante, que tem ponto alto o trabalho dos dois atores centrais, a jovem atriz de origem brasileira Barbie Ferreira, da série ‘Euphoria’, e John Leguizamo, menos caricato que de costume, que envelheceu bem no cinema – ator colombiano, fez inúmeros filmes americanos policiais, muitos deles vilões, como ‘O pagamento final’, e aqui é sua performance mais dramática e humana. É bonitinho, tem leveza, às vezes superficial e tímido, mas acredito que poderá tocar o coração dos espectadores. Venceu 13 prêmios internacionais, em festivais como SXSW, Denver, Nashville e Valladolid. Está em exibição nos principais cinemas brasileiros pela Synapse Distribution - no final do mês entrará nas plataformas de streaming para aluguel, como YouTube, Claro TV+, Amazon Prime Video, Apple TV, Vivo Play e Google Play.
 


 
Until Dawn: Noite de terror
 
Dos jogos para a tela, ‘Until dawn’, apesar de uma trama confusa, dentro de um looping que embaralha o pensamento, funciona como entretenimento de terror e ação. Eu não conhecia o jogo da Playstation, que dizem ser violento, por isso demorei um pouco para compreender as situações; depois de 20 minutos, vieram sustos, dei pulos na cadeira e achei como um todo um filme curioso, mesmo com o resultado dividindo a opinião dos jogadores – toda adaptação, seja de jogo ou livro, há alteração no ambiente, no tipo de personagens, na época da história, gerando comentários positivos e negativos entre os fãs. Preste bem atenção já que a trama muda a cada momento. Um grupo de amigos sai em busca de uma jovem desaparecida há quase um ano. Eles dirigem até um vale isolado, chegam a uma área de mata e resolvem explorar o local após pistas sobre a garota. Chegam a uma casa antiga, um velho sobrado, sem morador. Chove muito, então se hospedam no casarão. Com o passar dos minutos, sentem a presença do algo estranho. Eles são caçados por um terrível assassino mascarado, que os trucida com uma marreta. Quando todos morrem, uma ampulheta na sala de estar gira em um relógio mecânico, e de forma abrupta, o dia volta, como num looping, onde eles terão de encontrar saídas para não ser caçados pelo maníaco – quando todos morrem, há uma nova troca de dia, e outros vilões entram em cena, como uma bruxa decrépita com um respirador e um espírito possessor. Há um limite de dias para sobreviver, até que o dia amanheça – daí o título ‘Until dawn’. Com visual gótico, uma fotografia escura, mortes grotescas, é inspirado no jogo de sobrevivência de terror da Playstation lançado em 2015, que fez sucesso entre os players. Tem efeito borboleta, em que cada escolha mudará o rumo das coisas, e haverá dilemas morais e éticos entre os personagens, como matar os amigos, entre si. Quem curte terror verá aqui uma mistura de ‘O segredo da cabana’ (2011) com ‘Tempo’ (2021), de M. Night Shyamalan. Violento, também com humor macabro, tem e direção de um conhecido do público, David F. Sandberg, de ‘Quando as luzes se apagam’ (2016), ‘Annabelle 2: A criação do mal’ (2017) e ‘Shazam!’ (2019). Classificação de 18 anos. Está nos cinemas pela Sony Pictures. 



sábado, 3 de maio de 2025

Especial de cinema


Filmes em DVD e Bluray - Clássicos e Lançamentos

Confira 3 resenhas especiais de filmes lançados recentemente pela distribuidora Obras-primas do Cinema.



Bagdad Café

Turista alemã nos Estados Unidos, Jasmin (Marianne Sägebrecht) é abandonada pelo marido no meio do deserto de Mojave, no Arizona. Perdida, com malas nas mãos, no calorão da região inóspita, dirige-se a uma espelunca à beira da estrada, um posto-motel chamado ‘Bagdad Café’. Aos poucos fica amiga da proprietária, uma mulher de temperamento forte e deprimida, que vive brigando com a família, Brenda (CCH Pounder). Com o correr dos dias, as duas mulheres revitalizam a cafeteria, que deixa de ser um lugar velho e sujo, e é reaberto com pompa, cores e brilho, atraindo mais clientes.
Indicado ao Oscar de melhor canção em 1989, com a música ‘Calling you’, que fez sucesso, cantada por Jevetta Steele, que depois se dedicaria à música gospel, o drama sentimental, íntimo e muitíssimo feminino é um dos filmes da minha vida. Na infância, tinha o filme em VHS de uma coleção da revista Caras e revia sempre que possível. Aquela história surpreendente de duas mulheres solitárias isoladas numa espelunca à beira da estrada, apresentadas de maneira humana e sensível, aquela fotografia estourada de um amarelo precioso do deserto, tudo me causava deslumbramento. Ainda hoje causa, pois a fita de arte continua belíssima e adorável, um dos grandes cult movies dos anos 80 que, depois, seria até cultuado na TV com sessões na rede aberta. Ganhou o César de filme estrangeiro, tem uma mistura de humores, ora terno e engraçadinho, ora melancólico, tudo funcionando graças ao trabalho magistral das atrizes centrais. Do cineasta alemão recém-falecido Percy Adlon (1935-2024), que fez três filmes com a atriz Marianne Sägebrecht, ‘Estação doçura’ (1985), ‘Bagdá Café’ (1987) e ‘Rosalie vai às compras’ (1989) – ela depois faria filmes americanos, como ‘A guerra dos Roses’ (1989), e aqui faz o papel principal, Jasmin, que é abandonada pelo marido no meio do deserto de Mojave. CCH Pounder é um rosto conhecido, uma atriz de primeira linha, que fez séries e filmes aos montes, e interpreta Brenda, a mulher de temperamento forte, briguenta, dona da cafeteria. As duas, juntas, apesar de serem diferentes – uma branca de classe média toda certinha e tímida, a outra negra pobre com filhos pendurados, com a vida bagunçada e muito explosiva, aos poucos se completam naqueles dias vazios e solitários, a ponto de reerguerem a cafeteria com poucos recursos, tornando-se sócias.





Na época, foi filmado numa cafeteria verdadeira chamada Sidewinder Café, que depois do longa mudou de nome, para ‘Bagdá Café’, situada em Newberry Springs, no deserto de Mojave, na California. O drama foi rodado em 28 dias apenas. Há muito tempo atrás saiu em DVD em edição de banca, e recentemente saiu pela Obras-primas do Cinema, na versão integral alemã, de 108 minutos, bem melhor que a versão americana de cinema, de 95 minutos, e ainda mais numa cópia restaurada – conheçam essa versão que está com uma imagem de tirar o chapéu, além de conferir no DVD 50 minutos de extras.
Bagdad Café (Bagdad Cafe/ Out of Rosenheim). Alemanha, 1987, 108 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Percy Adlon. Distribuição: Obras-primas do Cinema


O menino e a garça
 
O garoto Mahito perde a mãe durante a guerra e sofre o luto. Sua família se muda então para o campo, num lugar tranquilo cercado por bosques e riachos. Num passeio, cruza com uma garça misteriosa que o leva a uma antiga torre, e os dois adentram ali a um mundo mágico com humanos, bichos e criaturas fantásticas.
 

Em junho o Studio Ghibli completa 40 anos, um estúdio de cinema responsável por grandes clássicos de animação japonesa, como ‘O castelo no céu’ (1986), ‘Meu amigo Totoro’ (1988), ‘Porco Rosso’ (1992), ‘A viagem de Chihiro’ (2001 – vencedor do Oscar), ‘Ponyo – Uma amizade que veio do mar’ (2008) e tantos outros. O líder por trás disso tudo é Hayao Miyazaki, diretor desses filmes mencionados e que está na ativa aos 83 anos – ele havia anunciado a aposentadoria, mas voltou atrás e realizou ‘O menino e garça’ (2023), uma animação grandiosa, que funciona para crianças, jovens e adultos. Aliás, os animes do Studio Ghibli nunca foram apenas para os pequenos, já que suas histórias atingem uma dimensão existencial, com personagens em conflitos universais, como os horrores da guerra, construção da identidade, orfandade, luto, o primeiro amor etc.





Lançado em 2023 no Festival de Toronto, ‘O menino e garça’ é uma animação de aventura repleta de criaturas enigmáticas num mundo mágico e estranho. O roteiro, fabuloso e fabular, cria um universo rico de detalhes e cores, levando o jovem protagonista, um garoto em luto pela perda da mãe, e a garça-guia, sua nova amiga, a uma jornada de redescobertas. Inspirado em acontecimentos da infância de Miyazaki, como a vivência ainda criança na Segunda Guerra e as passagens pela área rural, que por sua vez se inspirou no clássico homônimo ‘Kimitachi wa dô ikiru ka’, do japonês Genzaburo Yoshino, de 1937. Ou seja, é uma obra autoral de tema bem pessoal e com traços autobiográficos de Miyazaki, que escreveu o roteiro também. Ganhou os principais prêmios da temporada, como o Oscar, o Bafta e o Globo de Ouro de melhor animação, sem contar 33 outros prêmios em festivais e mostras mundiais. Não tem como não se apaixonar pelos filmes de Miyazaki. Conheçam ‘O menino e a garça’ - disponível em DVD e bluray pela Obras-primas do Cinema, com mais de uma hora de extras no disco. Também está na Netflix.
 
O menino e a garça (Kimitachi wa dô ikiru ka/The boy and the heron). Japão, 2023, 124 minutos. Animação. Colorido. Dirigido por Hayao Miyazaki. Distribuição: Obras-primas do Cinema


Monster
 
Saori (Sakura Andô) é uma mãe solo que mora com o filho pré-adolescente, Minato (Soya Kurokawa). Percebe que o menino anda angustiado, conversando pouco, mas ele não fala sobre seus sentimentos. Ao descobrir que um professor, Sr. Hori (Eita Nagayama), pode estar envolvido com esse estranho comportamento de Minato, Saori vai até a escola. A partir de uma reunião com a diretora, Sra. Makiko (Yûko Tanaka), três histórias tensas e dramáticas serão construídas a partir do passado de quatro personagens: Minato, do novo colega de classe dele, Yori (Hinata Hiiragi), de Sr. Hori e da Sra Makiko.
 
Pré-selecionado para representar o Japão como melhor filme estrangeiro no Oscar 2024, ‘Monster’, infelizmente, ficou fora da lista final – e quem representou o país oriental na Academia foi ‘Dias perfeitos’ (2023), do alemão Wim Wenders, filmado no Japão, um trabalho muito bonito. Dirigido pelo excepcional cineasta japonês Hirokazu Koreeda, um mestre da linguagem, realizador de pequenas obras-primas contemporâneas como ‘O que eu mais desejo’ (2011), ‘Pais e filhos’ (2013) e o ganhador da Palma de Ouro ‘Assunto de família’ (2018), ‘Monster’, para mim, é o longa mais brilhante desse diretor que sabe contar histórias misturando drama e humor, que toca na alma e às vezes causa tensão e surpresa. É o seu trabalho mais pessoal e humano, um filme emocionante que narra quatro histórias dentro de um mesmo contexto, que envolvem temas delicados, como bullying na escola, amadurecimento na adolescência, pré-julgamento/falsas acusações e conflitos de mãe e filho. Nos primeiros minutos do filme, uma tragédia ocorre dentro de um carro em movimento, e a partir dessa cena, que faz parte da metade da trama, o filme vai e volta, trazendo o passado de personagens marcados por traumas e seus pontos de vista – o adorado professor de uma escola, um garoto pré-adolescente e sua forte relação com o novo amigo de classe, uma mãe solo desesperada em busca de saber os motivos da mudança de comportamento do filho e a diretora escolar que guarda tristes segredos. Aos poucos vamos entendendo a complexidade de suas vidas e vemos de perto a rotina dessas pessoas. Inteligente, bem escrito e com uma edição primorosa que sabe cortar de uma historieta para outra, o drama tem ecos de ‘Rashomon’ (1950), de Akira Kurosawa, que trata do ponto de vista de quatro personagens frente a um assassinato na floresta. ‘Monster’ é para ver e rever, até porque são vários detalhes que numa primeira assistida podem passar despercebidos – eu o assisti na estreia nos cinemas em SP em novembro de 2023, depois revi duas vezes. Indicado à Palma de Ouro em Cannes, ganhou dois prêmios no festival, de melhor roteiro e o Queer Palm (entregue a filmes com temática LGBTQIAPN+).






A trilha sonora é um primor, extasiante, último trabalho do premiado compositor japonês Ryuichi Sakamoto (1952-2023), ganhador do Oscar pela trilha de ‘O último imperador’ (1987) e que assina o soundtrack de um dos filmes da minha vida, o drama de guerra japonês/britânico ‘Furyo: Em nome da honra’ (1987). Lançado em DVD e Bluray pela Obras-primas do Cinema em parceria com a Imovision – em ambas as versões em mídia física há 1h30 de materiais extras, como making of e bastidores. Também pode ser assistido na plataforma do Reserva Imovision.
 
Monster (Kaibutsu). Japão, 2023, 127 minutos. Drama/Suspense. Colorido. Dirigido por Hirokazu Koreeda. Distribuição: Obras-primas do Cinema e Imovision

sexta-feira, 2 de maio de 2025

Especial de Cinema

Cinema Neo-noir

A Versátil Home Video acaba de lançar no mercado, em DVD, três boxes com filmes policiais e neonoir dos anos 90, contendo ao todo 18 longas-metragens - fotos abaixo. São eles 'Cinema policial Anos 90 - vol. 2', 'Cinema policial Anos 90 - vol. 3' e 'Filme Noir - Neonoir anos 90'. Dentre os filmes que compõem as caixas estão 'Jogo perverso' (1990), com Jamie Lee Curtis; 'Os imorais' (1990), com Anjelica Huston; 'Rush - Uma viagem ao inferno' (1991), com Jason Patric; 'O dono da noite' (1992), com Willem Dafoe; 'A testemunha ocular' (1992), com Joe Pesci; e 'Ligadas pelo desejo' (1996), com Jennifer Tilly. Em todos os boxes em DVD há quase duas horas de materiais extras. A Versátil também lançou um livro temático, 'Neo-noir- Filmes essenciais', com 72 páginas. Nele há 14 textos escritos por jornalistas e críticos de cinema convidados - um deles é o meu, sobre o filme 'Morte por encomenda' (1993), que segue abaixo, na íntegra.





'Red Rock – A cidade do engano'

Por Felipe Brida *
Deserto de Wyoming. Mike (Nicolas Cage, de ‘Despedida em Las Vegas’) acorda dentro de um carro velho à beira da estrada. Desorientado, está no banco do motorista, no meio do nada. Ele sai do automóvel, veste-se, corta a barba num cocho e faz flexões na pista onde não passa um veículo sequer. Volta para o carro e parte em direção a um campo de extração de petróleo, para uma entrevista de emprego. Mike contava com o trabalho, no entanto é dispensado por ter uma deficiência na perna, que o impede de se locomover com rapidez. Viaja então para uma cidade vizinha, localizada a 80 quilômetros a oeste, Red Rock, que possui cerca de 1500 habitantes.
Na primeira cafeteria que avista, entra e é recebido no balcão pelo proprietário, Wayne Brown (J.T. Walsh, de ‘Breakdown: Implacável perseguição’). Ao conversar com Mike, Wayne o confunde com um matador de aluguel que teria sido contratado por ele, por telefone, para matar sua esposa; Mike afirma ser ele o tal cidadão, fingindo ser o cara que era para ter chegado lá há dias e não apareceu. Como precisa de grana, aceita cometer o assassinato, que vale 10 mil dólares. O plano aparentemente dará certo, Mike recebe metade em dinheiro vivo, e passa a seguir os passos da mulher de Wayne em seu rancho particular – ela se chama Suzanne (Lara Flynn Boyle, de ‘Quanto mais idiota melhor’). Mike invade a fazenda, e quando Suzanne chega, aborda a mulher com uma arma. Em vez de matá-la, para para ouvir a contraproposta dela – Suzanne oferece o dobro para Mike matar o marido. Sem pairar qualquer dúvida, aceita. Só que resolve fugir num estalo com o dinheiro, sem matar ninguém. No caminho, atropela um homem, e um carro que vem atrás estaciona para ajudar Mike. Do veículo sai o verdadeiro matador de aluguel, Lyle, de Dallas (Dennis Hopper, de ‘Sem destino’), um homem que fala muito e se veste de maneira excêntrica – e atrasado para seu serviço. Mike aceita a ajuda, jamais imaginando quem seria aquela pessoa. Já é tarde da noite, Lyle dá carona para Mike e leva-o a um bar. O rapaz, que só queria fugir com a dinheirama, leva um choque com uma dupla surpresa: descobre que Wayne, além de ser dono dos cafés e dos bares da cidadezinha, inclusive o bar em que está, é xerife do local, que manda e desmanda, e que Lyle é o indivíduo que ele fingiu ser. A partir daí, Mike se complica, restando a ele escapar daquele lugar tomado pela corrupção e violência.




‘Morte por encomenda’ (1994) foi um ponto alto na carreira do cineasta norte-americano John Dahl, que começou dirigindo videoclipes nos anos 80, depois teve uma fase com longas-metragens policiais e de suspense entre os anos 90 e 2000 – muitos deles neonoir – e de 2005 até hoje apenas dirigindo séries televisivas e telefilmes.
Dahl entende o cinema noir e escreve roteiros com estilo e vigor. Dos sete filmes que dirigiu, cinco orbitam o universo neonoir – o longa de estreia, “Mate-me outra vez” (1989, com Val Kilmer e Joanne Whalley), sobre um rapaz que se envolve com uma mulher fatal e tem de fugir tanto de um assassino quanto de mafiosos; seu segundo filme, “Morte por encomenda” (1993); “O poder da sedução” (1994, com Linda Fiorentino e Bill Pullman), sobre uma mulher sensual que rouba um dinheiro escuso de bandidos e foge em busca de uma vítima para seu novo plano; “Inesquecível” (1996, com Ray Liotta e Linda Fiorentino) - um policial noir com ficção científica, sobre um suspeito de ter matado a esposa que faz uma experiência médica para estudar as memórias da falecida; e “Cartas na mesa” (1998, com Matt Damon e Edward Norton), a história de um ex-jogador de pôquer que, para ajudar um amigo que saiu da cadeia, volta aos jogos a fim de recuperar um dinheiro perdido. Grande parte desses filmes de Dahl trazem elementos fundamentais do neonoir, o noir moderno, como mulheres fatais (a figura clássica da Femme fatale tem no neonoir variações, como mulheres perdidas, abandonadas ou viciadas, não necessariamente envolvidas com crime e que de certa maneira empurram os homens para situações de risco); protagonistas fragilizados (por problemas financeiros, dependência de drogas ou bebida, desempregados, atormentados por erros do passado ou traídos pela esposa), que agem de maneira inconsequente e por vezes violenta, portanto, carimbados como anti-heróis; um clima austero de decadência moral; ambientes marginais onde há corrupção e o crime; reviravoltas que negam ou distorcem os acontecimentos até então apresentados; desfechos trágicos. O neonoir é uma inspiração/adaptação do estilo noir francês e americano que retorna a Hollywood com brilhantismo a partir dos anos 80 e produzido com frequência até o fim dos anos 90 – nas décadas o neonoir ainda aparece, é uma ideia de cinema que nunca morreu. Em seu livro ‘Neo-noir: Contemporary film noir from Chinatown to The Dark Knight’ (2010), Douglas Keesey destaca que os componentes do velho cinema noir, como os de filmes de gângsters, migrou para o cinema policial, de suspense e de serial killers nos anos 80e décadas seguintes, fazendo surgir híbridos como psico-noir, visto em ‘Amnésia’ (2000), tecno-noir, em ‘Matrix’ (1999), e superhero noir, em ‘Sin City: A cidade do pecado’ (2005) e ‘Batman - O cavaleiro das trevas’ (2008). O neonoir, segundo Keesey, traz novas discussões para o mundo contemporâneo, ampliando os dilemas dos personagens que enfrentam outros conflitos em um mundo em rápida e plena transformação.
Em ‘Morte por encomenda’, Dahl abre a caixa de ferramentas do noir realizando um filme policial sólido, com personagens fortes, todos eles imbricados no crime, colocados contra a parede, em situações de desespero, e com pouca possibilidade de sobrevivência: do rapaz desempregado que monta uma farsa para se dar bem passando pelo xerife sem escrúpulos, chegando até a mulher que guarda segredos e seria alvo de tiros e finalizando com o matador de aluguel de vestes extravagantes. Os quatro personagens representam o colapso, a crise, a imoralidade, o desajuste na sociedade.
Há em ‘Morte por encomenda’ subtramas que requerem atenção, como a de Kurt, um rancheiro baleado, o affair entre Mike e Suzanne e o caso do roubo milionário à siderúrgica.
O filme tem conexões com outros dois neonoir primorosos lançados em 1981, ‘O destino bate à sua porta’ (de Bob Rafelson) e ‘Corpos ardentes’ (de Lawrence Kasdan) – o primeiro é a versão do noir clássico de 1946. E claro, com ‘Gosto de sangue’ (1984), dos irmãos Coen. Nesses três longas, há um plano infalível e aparentemente fácil de assassinato, em que o marido contrata para alguém matar a esposa ou vice-versa. Mas nenhum crime é perfeito, sempre alguma pista é deixada para trás...




Nos filmes noir e neonoir, e em ‘Morte por encomenda’ não seria diferente, os personagens estão esgotados da vida, vivem a chamada ‘Síndrome do Cansaço do Mundo’, em inglês ‘World-weary Syndrome’, querem sumir, precisam de algo que os motivem pelo menos por um momento. Também em ‘Morte por encomenda’ há a figura do ‘homem errado’, que as vezes aparece no noir e, só para destacar, foi uma recorrência no cinema de Hitchcock – Mike, papel de Nicolas Cage, é o homem ferrado, que se aproveita da ocasião para se passar por um assassino e pegar uma boa grana, porém a ideia será um inferno. Ele é um típico anti-herói, que engana os outros, se engana e se corrompe.
A parte técnica do filme abrilhanta o roteiro – há uma curiosa mescla de ‘temperaturas’ com cores opostas, que vai do amarelo quente do deserto ao azul enevoado na perseguição na floresta e também no fascinante desfecho no cemitério.
Rodado no Arizona, com orçamento de U$ 8 milhões, repercutiu no cinema alternativo, exibido no Festival de Toronto e indicado em duas categorias ao Film Independent Spirit Awards, de direção e roteiro. Aliás, o roteiro foi elaborado por John Dahl ao lado do irmão, Rick Dahl - Rick só escreveu esse filme, foi assistente de diretor do irmão em ‘Mate-me outra vez’ (1989) e fez a produção executiva com ele de ‘Inesquecível’ (1996).
* Felipe Brida é jornalista, crítico de cinema e professor. Nascido e residente em Catanduva (SP), é autor do livro “Cinema em Foco: Críticas selecionadas” (2013). Mantém o blog Cinema na Web (de sua autoria, criado em 2008), além da coluna semanal “Cinema em Foco” (no jornal O Regional) e das colunas mensais “Middia Cinema” (na Revista Middia) e “Top Cinema” (na revista Top). Conduz os quadros semanais “Cinema em Foco” (na rádio Vox FM - Catanduva), “Mais Cinema” (na Nova TV/TV Brasil) e “Palavra do Especialista – Cinema” (na rádio Câmara de Bauru, em Bauru/SP). É professor de Cinema, Comunicação e Artes no Senac, Fatec e Imes Catanduva e atua como palestrante, júri e curador em festivais de cinema em todo o Brasil. Jornalista formado pela Unirp – São José do Rio Preto, é mestre em Linguagens, Mídia e Arte, pela PUC-Campinas, e tem duas pós-graduações - em Artes Visuais, pela Unicamp, e em Gestão Cultural, pelo Centro Universitário Senac/SP. Colaborou com a Versátil escrevendo em ensaios em dez livros, como “Slashers”, “Cinema policial”, “O cinema da Nova Hollywood” e “Clássicos Sci-fi”.

quinta-feira, 1 de maio de 2025

Cine cult


Sessão dupla ‘Tetsuo’

 
Tetsuo: O homem de ferro
 
Um empresário mata por engano um estranho homem apelidado de Fetichista de Metal. O morto volta para se vingar e transforma seu assassino numa horrenda criatura, um híbrido de metal enferrujado e carne.
 
A Versátil Home Video acaba de lançar em DVD no Brasil o box ‘Sci-fi japonesa – Vol. 3’ que reúne quatro filmes de ficção científica restaurados, além de um média-metragem e quase 1h30 de extras. Os filmes são ‘Tetsuo: O homem de ferro’ (1989), ‘Tetsuo II: O homem-martelo (1992), ‘O segredo do homem elétrico’ (1960) e ‘Guerra no espaço’ (1977), além do média-metragem que deu origem à franquia ‘Tetsuo’, ‘As aventuras de Denchu Kozo’ (1987). Cultuado, ‘Tetsuo’ é um filme de body horror japonês inspirado numa peça que o diretor Shin'ya Tsukamoto escreveu na universidade, intitulada ‘Monstros de tamanho normal’. Com curta duração, foi feito com baixíssimo orçamento e gravado em preto-e-branco em película de 16mm, propositalmente riscada e com defeitos, que passa a impressão de um filme perdido ou envelhecido e mal cuidado. É um horror de puro visual estranho, que se passa num futuro indeterminado, com elementos do cyberpunk, cheio de câmeras girando, closes e uso de stop-motion, resultando num filme para público cinéfilo mesmo. Na trama, um homem vira alvo de uma maldição após matar o Fetichista de Metal – ele o transforma num híbrido de carne com peças metálicas, uma metamorfose asquerosa, que tem eletrônicos no corpo e membros e órgãos substituídos por aço, e aos poucos se torna uma máquina de matar.
Teve problemas na produção, já que elenco e equipe abandonaram o set devido ao filme ser bem maluco, que beira uma alucinação. Sombrio, impactante, ganhou duas continuações do mesmo diretor, ‘Tetsuo II: O homem martelo (1992) e ‘Tetsuo: O homem bala’ (2009), e a versão disponível no Brasil em DVD pela Versátil é a de cinema, de 67 minutos – há uma estendida no exterior, de 77 minutos. O ganhador da Palma de Ouro ‘Titane’ (2021), de Julia Ducournau, inspirou-se nesse filme.
 
Tetsuo: O homem de ferro (Tetsuo). Japão, 1989, 67 minutos. Horror/Ficção científica. Preto-e-branco. Dirigido por Shin'ya Tsukamoto. Distribuição: Versátil Home Video
 


 Tetsuo II: O homem-martelo
 
Em Tóquio, um homem é atacado por skinheads, e vê seu corpo sofrer uma terrível mutação, que o transforma em Tetsuo, um vingativo híbrido de carne e metal.
 

Três anos depois do cultuado filme de terror scifi ‘Tetsuo: O homem de ferro’ (1989), o diretor e o elenco retornaram para essa continuação ainda mais insana e monstruosa, um autêntico body horror cyberpunk que agora ganha cor – o anterior era PB. Tomorowo Taguchi e Shin'ya Tsukamoto, que é o diretor, interpretam de novo Tetsuo e o Fetichista de Metal, descontrolados num mundo em constante mudança, numa Tóquio violenta e suja, com gangues de rua, skinheads e bandidos mercenários. As cores apagadas realçam o body horror, com destaque para um azul lancinante que invade a tela. A simbiose de metal enferrujado com carne humana que compõe o protagonista, sedento de vingança e com poderes absurdamente letais, é o ponto alto do filme – que lembra vilões de seriados japoneses como ‘Changeman’ e ‘Ultraman’, só que mais sinistros. Continua uma obra pesada, de visual impactante, um trabalho peculiar do cultuado cineasta japonês Shin'ya Tsukamoto, que rodou mais uma parte, ‘Tetsuo: O homem bala’ (2009). Exibido e premiado em festivais de horror e de cinema fantástico conhecidos dos cinéfilos, como Avoriaz, Bruxelas, Sitges e Fantasporto, está disponível em DVD, em ótima cópia restaurada, pela Versátil, no box ‘Sci-fi japonesa – Vol. 3’, que reúne quatro longas, um média-metragem e 1h30 de extras.
 
Tetsuo II: O homem-martelo (Tetsuo II). Japão, 1992, 83 minutos. Horror/Ficção científica. Colorido/Preto-e-branco. Dirigido por Shin'ya Tsukamoto. Distribuição: Versátil Home Video



Nota do blogueiro


Primeira produção feita 100% no Mato Grosso do Sul, o filme 'Do sul, a vingança' estreia nos principais cinemas brasileiros no dia 15 de maio. Produzida pela Render Brasil e com distribuição da Kolbe Arte, o filme, de baixo orçamento, é finalista no Los Angeles Film Awards 2025 e no World Film Festival, em Cannes. Comédia com faroeste moderno, tem direção de Fábio Flecha, que assina o roteiro ao lado de Edson Pipoca - a história reúne lendas e costumes tradicionais e se passa em um cenário de conflitos na fronteira entre Brasil, Paraguai e Bolívia. Confira abaixo informações sobre o filme divulgadas ontem pela assessoria, como sinopse, ficha técnica, trailer e o pôster oficial.

Sinopse

Em busca de material para seu novo livro, o escritor Lauriano parte para a conturbada fronteira entre Mato Grosso do Sul, Paraguai e Bolívia, onde o crime organizado dita suas próprias leis, em busca de um “Jacaré”. O que começa como uma simples investigação se transforma em uma jornada inesperada, repleta de ação, conflitos e personagens excêntricos. Em meio ao caos de uma vastidão silenciosa e cheia de contrastes, Lauriano mergulha em uma trama tão perigosa quanto cômica — onde sobreviver é o seu maior desafio.

Ficha Técnica

Gênero: Ação / Comédia.
Duração: 107 min.
Direção: Fábio Flecha.
Produção: Render Brasil.
Distribuição: Kolbe Arte.
Elenco: Espedito Di Montebranco (Jacaré), Bruno Moser (Febem), Felipe Lourenço (Lauriano), Leandro Faria (Victor Bautista), Luciana Kreutzer (Dra. Lucia),Victor Samudio (Edson), David Cardoso (Coronel Massada).

Trailer do filme
https://www.youtube.com/watch?v=heGCGxegdFc



segunda-feira, 28 de abril de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming - Parte 2


O contador 2
 
Nove anos depois de ‘O contador’ (2016), um filmaço de ação com Ben Affleck que dava um nó em nossa cabeça, Gavin O'Connor reuniu a mesma equipe para uma continuação, agora mais excitante. Mesmo com toda a complexidade da trama e das camadas dos personagens, o filme de ação e suspense é uma boa surpresa e acaba de estrear nos cinemas brasileiros pela Warner Bros. O astro Ben Affleck retorna no papel de Christian Wolff, um contador forense de mente brilhante e métodos nada ortodoxos para resolver crimes – agora o caso que cai em seu colo é o assassinato de seu ex-chefe (J.K. Simmons), um estranho crime cometido por bandidos desconhecidos. Ele é recrutado por uma agente do Tesouro americano (Cynthia Addai-Robinson) e para investigar as profundezas do caso se une ao irmão distante (Jon Bernthal), um ex-agente policial especializado em rastrear criminosos. Assim como o original, não é uma fita de consumo fácil, a história é complexa, trata do mundo das corporações e de negócios escusos, com muitos diálogos, e poucas, mas caprichadas sequências de ação. A escalação de elenco está preparada para entrar em jogo, num filme sólido, meticuloso, criativo.
 

 
Serra das Almas
 
Diretor de filmes brasileiros notórios da pós-Retomada, como ‘Baile perfumado’ (1997 – junto de Paulo Caldas) e ‘Árido movie’ (2005), o pernambucano Lírio Ferreira volta com todo seu lirismo e realismo em seu novo trabalho, ‘Serra das Almas’ (2024), thriller violento que se passa no interior de Pernambuco. Começa com um roubo de joias organizado por um grupo de desajustados, cujos líderes são dois amigos de infância, hoje traficantes. Perseguidos pela polícia, procurando esconderijo no meio do agreste, eles são vigiados por fantasmas do passado, e caem numa espiral de tormento. O confronto inicial é com a polícia e depois entre eles mesmos, deixando um rastro de crime. O filme mistura a estética poética do diretor, com fé e misticismo num agreste vivo, lugar de perpétua disputa, que absorve os personagens – ‘Serra das Almas’ foi gravado durante dois meses na região de Bezerros, no Pernambuco, e parte na capital, Recife, com um elenco afinado, que entrega tudo, com destaque para o quarteto central, Ravel Andrade, Davi Santos, Julia Stockler e Mari Oliveira. Nos cinemas pela Imagem Filmes. PS - Exibido em outubro de 2024 no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo, onde ganhou o Prêmio Netflix – depois de passar nos cinemas, a produção será exibida na Netflix de mais de 190 países, em breve.
 

 
Sobreviventes
 
José Barahona (1969-2024) foi um diretor e roteirista português, falecido recentemente no auge da carreira, em novembro do ano passado, após longa doença. Da área técnica de som partiu para a direção; dirigiu curtas no fim dos anos 90, dedicando a carreira ao documentário político/historiográfico, e mesmo doente, conseguiu finalizar seu último trabalho, o filme ficcional de drama coprodução Brasil e Portugal ‘Sobreviventes’ (2024), que acaba de ser lançado nos cinemas. Trazendo atores de lá, como Miguel Damião, e daqui, como Roberto Bomtempo, é uma história conflituosa que se passa no século XIX - um grupo sobrevive ao naufrágio de um navio negreiro e fica à mercê numa ilhota, na espera de resgate. Só que a tensão entre brancos e negros aumenta quando ficam sem comida, em meio a uma ilha inóspita, sem vegetação e pessoas. A discussão central é a tensão racial, uma metáfora do colonialismo e escravidão africana, feita em tom épico, com diálogos que lembram poesia, e encenado numa esplêndida fotografia em preto-e-branco. O roteiro é assinado pelo premiado escritor angolano José Eduardo Agualusa, a partir de uma ideia original de Barahona, que corroteiriza. A trilha sonora é do brasileiro Philippe Seabra, fundador da banda Plebe Rude, e em uma das faixas Milton Nascimento empresta sua voz. Exibido em festivais como IndieLisboa, Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e Festival de Cinema Brasileiro de Paris, chega aos cinemas pela Pandora Filmes.
 

 
Família
 
Diretor queer, Francesco Costabile realiza aqui seu trabalho mais pessoal, um filme que é um grito de socorro, inspirado em um complexo caso real. O jovem Luigi Celeste mora com a mãe e o irmão mais velho no subúrbio de Roma. O pai, Franco, está preso há nove anos, e a família rompeu o contato com ele, por ser um homem violento, que batia na esposa e ameaçava os filhos desde pequenos. Só que Franco sai da cadeia após cumprir a pena e tenta se reconciliar com a família, mas Luigi volta a sofrer os traumas da infância abusada. Sempre isolado, Luigi, como maneira de extravasar as tensões, entra em um grupo secreto de skinheads, que prepara uma série de ataques contra diversas minorias. Drama e suspense se intercalam num filme cult de primeira linha, numa história que dura 20 anos na vida dos personagens, entre os anos 90 e 2010 – são dois momentos, a primeira parte com a família em crise e as crianças pequenas, depois com os filhos crescidos e o pai preso, num ambiente marcado por traumas e dores, de abuso psicológico, de violência doméstica. É nessa parte que entra outro tema no filme, as organizações skinheads na Itália durante uma nova onda de neofascismo, quando o protagonista passa a integrar um dos movimentos extremistas. ‘Família’ (2024) é um filme duro, pesado, com resoluções difíceis. Venceu seis prêmios no Festival de Veneza, na Mostra Orizzonti, dentre eles melhor filme e melhor ator, o protagonista, o jovem de 22 anos que dá um show, Francesco Gheghi. Indicado ainda a oito prêmios no David di Donatello, o Oscar italiano, e exibido no Festival do Rio do ano passado. Todo o elenco está formidável, em especial os integrantes da família Celeste, com destaque para Francesco Gheghi, o Luigi, Barbara Ronchi como a mãe, Licia, Francesco Di Leva, o pai abusador, e Tecla Insolia, como Giulia, a namorada de Luigi. Inspirado no livro autobiográfico de Luigi Celeste, ‘Non sarà sempre così: La mia storia di rinascita e riscatto dietro le sbarre’. É da Imovision e está disponível na plataforma de streaming dela em parceria com o cinema Reserva Cultural, o Reserva Imovision.



Especial de cinema

  Festival In-Edit Brasil anuncia programação nacional da edição 2025   O ‘In-Edit Brasil – Festival Internacional do Documentário Musical’ ...