Filmes em DVD e Bluray - Clássicos e Lançamentos
Confira 3 resenhas especiais de filmes lançados recentemente pela distribuidora Obras-primas do Cinema.
Turista alemã nos Estados Unidos, Jasmin (Marianne Sägebrecht) é abandonada pelo marido no meio do deserto de Mojave, no Arizona. Perdida, com malas nas mãos, no calorão da região inóspita, dirige-se a uma espelunca à beira da estrada, um posto-motel chamado ‘Bagdad Café’. Aos poucos fica amiga da proprietária, uma mulher de temperamento forte e deprimida, que vive brigando com a família, Brenda (CCH Pounder). Com o correr dos dias, as duas mulheres revitalizam a cafeteria, que deixa de ser um lugar velho e sujo, e é reaberto com pompa, cores e brilho, atraindo mais clientes.
Indicado ao Oscar de melhor canção em 1989, com a música ‘Calling you’, que fez sucesso, cantada por Jevetta Steele, que depois se dedicaria à música gospel, o drama sentimental, íntimo e muitíssimo feminino é um dos filmes da minha vida. Na infância, tinha o filme em VHS de uma coleção da revista Caras e revia sempre que possível. Aquela história surpreendente de duas mulheres solitárias isoladas numa espelunca à beira da estrada, apresentadas de maneira humana e sensível, aquela fotografia estourada de um amarelo precioso do deserto, tudo me causava deslumbramento. Ainda hoje causa, pois a fita de arte continua belíssima e adorável, um dos grandes cult movies dos anos 80 que, depois, seria até cultuado na TV com sessões na rede aberta. Ganhou o César de filme estrangeiro, tem uma mistura de humores, ora terno e engraçadinho, ora melancólico, tudo funcionando graças ao trabalho magistral das atrizes centrais. Do cineasta alemão recém-falecido Percy Adlon (1935-2024), que fez três filmes com a atriz Marianne Sägebrecht, ‘Estação doçura’ (1985), ‘Bagdá Café’ (1987) e ‘Rosalie vai às compras’ (1989) – ela depois faria filmes americanos, como ‘A guerra dos Roses’ (1989), e aqui faz o papel principal, Jasmin, que é abandonada pelo marido no meio do deserto de Mojave. CCH Pounder é um rosto conhecido, uma atriz de primeira linha, que fez séries e filmes aos montes, e interpreta Brenda, a mulher de temperamento forte, briguenta, dona da cafeteria. As duas, juntas, apesar de serem diferentes – uma branca de classe média toda certinha e tímida, a outra negra pobre com filhos pendurados, com a vida bagunçada e muito explosiva, aos poucos se completam naqueles dias vazios e solitários, a ponto de reerguerem a cafeteria com poucos recursos, tornando-se sócias.
Na época, foi filmado numa cafeteria verdadeira chamada Sidewinder Café, que depois do longa mudou de nome, para ‘Bagdá Café’, situada em Newberry Springs, no deserto de Mojave, na California. O drama foi rodado em 28 dias apenas. Há muito tempo atrás saiu em DVD em edição de banca, e recentemente saiu pela Obras-primas do Cinema, na versão integral alemã, de 108 minutos, bem melhor que a versão americana de cinema, de 95 minutos, e ainda mais numa cópia restaurada – conheçam essa versão que está com uma imagem de tirar o chapéu, além de conferir no DVD 50 minutos de extras.
Bagdad Café (Bagdad Cafe/ Out of Rosenheim). Alemanha, 1987, 108 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Percy Adlon. Distribuição: Obras-primas do Cinema
O menino e a garça
O garoto Mahito perde a mãe durante a guerra e sofre o luto. Sua família
se muda então para o campo, num lugar tranquilo cercado por bosques e riachos.
Num passeio, cruza com uma garça misteriosa que o leva a uma antiga torre, e os
dois adentram ali a um mundo mágico com humanos, bichos e criaturas
fantásticas.
Em junho o Studio Ghibli completa 40 anos, um estúdio de cinema
responsável por grandes clássicos de animação japonesa, como ‘O castelo no céu’
(1986),
‘Meu amigo Totoro’ (1988), ‘Porco Rosso’ (1992), ‘A viagem de Chihiro’ (2001 – vencedor do Oscar), ‘Ponyo – Uma amizade que veio do mar’ (2008) e tantos outros. O líder por trás disso tudo é Hayao
Miyazaki, diretor desses filmes mencionados e que está na ativa aos 83 anos –
ele havia anunciado a aposentadoria, mas voltou atrás e realizou ‘O menino e
garça’ (2023), uma animação grandiosa, que funciona
para crianças, jovens e adultos. Aliás, os animes do Studio Ghibli nunca foram
apenas para os pequenos, já que suas histórias atingem uma dimensão
existencial, com personagens em conflitos universais, como os horrores da
guerra, construção da identidade, orfandade, luto, o primeiro amor etc.




Lançado em 2023 no Festival de Toronto, ‘O menino e garça’ é uma
animação de aventura repleta de criaturas enigmáticas num mundo mágico e
estranho. O roteiro, fabuloso e fabular, cria um universo rico de detalhes e
cores, levando o jovem protagonista, um garoto em luto pela perda da mãe, e a
garça-guia, sua nova amiga, a uma jornada de redescobertas. Inspirado em
acontecimentos da infância de Miyazaki, como a vivência ainda criança na
Segunda Guerra e as passagens pela área rural, que por sua vez se inspirou no
clássico homônimo ‘Kimitachi wa dô ikiru ka’, do japonês Genzaburo Yoshino, de
1937. Ou seja, é uma obra autoral de tema bem pessoal e com traços
autobiográficos de Miyazaki, que escreveu o roteiro também. Ganhou os
principais prêmios da temporada, como o Oscar, o Bafta e o Globo de Ouro de
melhor animação, sem contar 33 outros prêmios em festivais e mostras mundiais.
Não tem como não se apaixonar pelos filmes de Miyazaki. Conheçam ‘O menino e a
garça’ - disponível em DVD e bluray pela Obras-primas do Cinema, com mais de
uma hora de extras no disco. Também está na Netflix.
O menino e a garça (Kimitachi wa dô ikiru ka/The boy and
the heron). Japão, 2023, 124 minutos. Animação. Colorido. Dirigido por Hayao
Miyazaki. Distribuição: Obras-primas do Cinema
Monster
Saori (Sakura Andô) é uma mãe solo que mora com o filho pré-adolescente,
Minato (Soya Kurokawa). Percebe que o menino anda angustiado, conversando
pouco, mas ele não fala sobre seus sentimentos. Ao descobrir que um professor,
Sr. Hori (Eita Nagayama), pode estar envolvido com esse estranho comportamento
de Minato, Saori vai até a escola. A partir de uma reunião com a diretora, Sra.
Makiko (Yûko Tanaka), três histórias tensas e dramáticas serão construídas a
partir do passado de quatro personagens: Minato, do novo colega de classe dele,
Yori (Hinata Hiiragi), de Sr. Hori e da Sra Makiko.
Pré-selecionado para representar o Japão como melhor filme estrangeiro
no Oscar 2024, ‘Monster’, infelizmente, ficou fora da lista final – e quem
representou o país oriental na Academia foi ‘Dias perfeitos’ (2023), do alemão
Wim Wenders, filmado no Japão, um trabalho muito bonito. Dirigido pelo
excepcional cineasta japonês Hirokazu Koreeda, um mestre da linguagem, realizador
de pequenas obras-primas contemporâneas como ‘O que eu mais desejo’ (2011),
‘Pais e filhos’ (2013) e o ganhador da Palma de Ouro ‘Assunto de família’ (2018),
‘Monster’, para mim, é o longa mais brilhante desse diretor que sabe contar
histórias misturando drama e humor, que toca na alma e às vezes causa tensão e
surpresa. É o seu trabalho mais pessoal e humano, um filme emocionante que narra
quatro histórias dentro de um mesmo contexto, que envolvem temas delicados,
como bullying na escola, amadurecimento na adolescência, pré-julgamento/falsas
acusações e conflitos de mãe e filho. Nos primeiros minutos do filme, uma
tragédia ocorre dentro de um carro em movimento, e a partir dessa cena, que faz
parte da metade da trama, o filme vai e volta, trazendo o passado de
personagens marcados por traumas e seus pontos de vista – o adorado professor
de uma escola, um garoto pré-adolescente e sua forte relação com o novo amigo
de classe, uma mãe solo desesperada em busca de saber os motivos da mudança de
comportamento do filho e a diretora escolar que guarda tristes segredos. Aos
poucos vamos entendendo a complexidade de suas vidas e vemos de perto a rotina
dessas pessoas. Inteligente, bem escrito e com uma edição primorosa que sabe
cortar de uma historieta para outra, o drama tem ecos de ‘Rashomon’ (1950), de
Akira Kurosawa, que trata do ponto de vista de quatro personagens frente a um
assassinato na floresta. ‘Monster’ é para ver e rever, até porque são vários
detalhes que numa primeira assistida podem passar despercebidos – eu o assisti
na estreia nos cinemas em SP em novembro de 2023, depois revi duas vezes. Indicado
à Palma de Ouro em Cannes, ganhou dois prêmios no festival, de melhor roteiro e
o Queer Palm (entregue a filmes com temática LGBTQIAPN+).
A trilha sonora é um
primor, extasiante, último trabalho do premiado compositor japonês Ryuichi
Sakamoto (1952-2023), ganhador do Oscar pela trilha de ‘O último imperador’
(1987) e que assina o soundtrack de um dos filmes da minha vida, o drama de
guerra japonês/britânico ‘Furyo: Em nome da honra’ (1987). Lançado em DVD e
Bluray pela Obras-primas do Cinema em parceria com a Imovision – em ambas as
versões em mídia física há 1h30 de materiais extras, como making of e
bastidores. Também pode ser assistido na plataforma do Reserva Imovision.
Monster (Kaibutsu). Japão, 2023, 127 minutos. Drama/Suspense.
Colorido. Dirigido por Hirokazu Koreeda. Distribuição: Obras-primas do Cinema e
Imovision