sexta-feira, 9 de julho de 2021

Resenha Especial


O pacto de Adriana

* * Publicado em 15/11/2017

A documentarista chilena Lissette Orozco faz uma ampla investigação sobre o passado de sua tia, Adriana Rivas, acusada de atuar, na década de 70, como chefe de um grupo de extermínio do governo Pinochet.

Um documentário essencial para estudar a ditadura no Chile e que abre as feridas deixadas pelo autoritário governo Pinochet na década de 70, feito com maestria e muita pesquisa por uma jovem cineasta chilena, Lissette Orozco. A produção independente ganhou prêmio especial no Festival de Berlim em 2017 e venceu a competição de Novos Diretores na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo do mesmo ano.
Esse é o primeiro longa-metragem da diretora e roteirista, que investiga o passado da tia, Adriana Rivas, por meio de conversas virtuais com ela (Adriana mora na Austrália há quase quarenta anos, e Lissette, no Chile). É uma busca de respostas sobre o envolvimento dela com o austero governo Pinochet, quando surgem provas de que Adriana era uma agente da ‘Brigada Lautaro’, um grupo de elite que, com métodos de extermínio, torturou e matou adversários políticos que compunham partidos de esquerda (considerado um ‘esquadrão da morte’). Enquanto a tia nega os dados levantados, Lissete vai atrás de vítimas que reconhecem Adriana em fotos da época e colhe depoimentos de familiares.

Lissette confessa que desde pequena idolatrava a tia, no filme exibe vídeos caseiros e álbum de família que comprovam seu forte laço com ela, mas aos poucos se afasta quando surgem as acusações - e por meio do documentário descortina segredos tenebrosos de Adriana, apelidada de Chany, no caso o pacto que fez com a ditadura de Pinochet. A cineasta descontrói a imagem da tia adorável ao comprovar que ela fora uma das cabeças da Direção de Inteligência Nacional (Dina), a polícia secreta de Pinochet, onde exercia cargo de líder na tal Brigada Lautaro.
A Dina, que correspondia a um DOPS chileno, existiu de 1973 a 1977, com oficiais treinados pela inteligência americana, orientados a combater veemente oposicionistas ao governo Pinochet. Os membros da Dina foram acusados de torturar centenas de pessoas, matar agentes políticos em atentados terroristas (inclusive o ex-chanceler de Salvador Allende) e desaparecer com pessoas. Relatórios recentes apontam que a Dina tenha assassinado diretamente 3.300 indivíduos, e hoje há mais de 30 mil desaparecidos (considerados mortos). Adriana, hoje na Austrália, responde diretamente a sete mortes, dentre elas a de uma grávida.


Recomendo veemente esse documentário de forte impacto, necessário para se conhecer os abusos de autoridade de um governo ditatorial, e que também reflete sobre a era das ditaduras na América Latina dos anos 60 e 70. Aliás, são muitos os bons filmes chilenos sobre a ditadura naquele país, e deixo alguns como sugestão: “Machuca” (2004), “No” (2012), dois títulos da “Trilogia Andina” de Patricio Guzmán – “Nostalgia da luz” (2010) e “O botão de pérola” (2015), sendo que o último está em produção, e se chamará “A cordilheira dos sonhos”, além de outros documentários dele, como “A batalha do Chile” (1975) e “O caso Pinochet” (2001), e ainda docs da diretora Carmen Castillo, como “La flaca Alejandra” (1994) e “Rua Santa Fé” (2007). Outros países também realizaram obras magníficas que se passam na ditadura do Chile, como “Desaparecido: Um grande mistério” (1982) e “A casa dos espíritos” (1993).
“O pacto de Adriana” está em exibição nos cinemas brasileiros, e sessões especiais no Instituto Moreira Salles (IMS).

O pacto de Adriana (El pacto de Adriana). Chile, 2017, 96 minutos. Documentário. Colorido/ Preto-e-branco. Dirigido por Lissette Orozco. Distribuição: FJ Cines (apenas nos cinemas)

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