segunda-feira, 5 de julho de 2021

Resenha Especial


Holy Motors

Publicado em 10/06/2013

Oscar (Denis Lavant) é um milionário que transita solitariamente dentro de uma limusine pelas ruas de Paris. Ele terá nove encontros com ele mesmo, onde irá criar personagens como um vagabundo, um músico, um assassino, um mendigo, um pai, dentre outros tipos. Esse homem está em busca da beleza do movimento, da força motriz da vida, das mulheres que o cercam e dos fantasmas de sua vida.

Vencedor de prêmios especiais nos festivais de Cannes e de Toronto, o desconcertante “Holy motors” (2012) é um mergulho bizarra na mente de um homem incompreendido, focando seus delírios e desejos para uma vida completa em tempos de atrocidade e dinamismo. Metáforas não faltam para compor esse painel onde circulam estranhos personagens em uma Paris em constante transformação.
O ator Denis Lavant faz um grandioso tour-de-forcee para interpretar onze personagens – o principal é o Monsieur Oscar, um milionário solitário dentro de uma limusine, e dele surgem nos encontros tipos como o banqueiro, uma velha mendiga, um ator que trabalha num cromaqui, um pai de família irritado, o tocador de acordeon, o matador, um homem no foyer, um idoso no leito de morte e o mais memorável, seu Mr. Merde, um andarilho torto e medonho, que sobe à superfície pelos dutos dos esgotos – Lavant havia criado esse papel para um dos segmentos do filme “Tokyo!” (2008), também dirigido por Leos Carax junto de outros diretores. Na limusine em trânsito o protagonista faz paradas e se transforma nesses personagens desnudando as verdades da metrópole. Ele é um mestre em disfarces, criando várias histórias onde sua vida se mistura a de outros.

É um difícil exercício de maquiagem para o ator e um exercício próprio de identidade e personificação que poucos se atrevem fazer.
O diretor de “Os amantes de Pont-Neuf” (1991), “Pola X” (1999) e de um dos segmentos de “Tokyo!” (2008), Leos Carax, que já havia trabalhando com Lavant em pelo menos três longas, usa o realismo fantástico beirando o surrealismo com forte potência, recorrendo a elementos dadaístas, fantasias eróticas e fetichismo para compor essa realidade em conflito com a ficção - ambas se misturam chegando a um ponto em que o espectador não sabe mais o que é o que. O diretor é bem técnico, utiliza travellings impecáveis, como a do mendigo no cemitério comendo flores dos túmulos indo em direção à sessão de fotografias nos jazigos, e a do acordeonista que, ao caminhar tocando o instrumento pela noite afora, vê um grupo de instrumentistas se juntar a ele.
Há simbologias e alegorias inúmeras, destaco a cena da “Pietà”, de Michelangelo, em que a atriz Eva Mendes, numa rápida participação como a modelo raptada pelo abominável Mr. Merde, encarna Maria, enquanto Merde, com ereção, deita-se em seu colo, num canal de água subterrâneo.
O cultuado filme tem uma fotografia impressionante, é uma obra complexa e pretende ser uma reflexão em dois caminhos: em torno do retrato da criação artística e a do mundo em crise, cada vez mais instável e absurdo.
O desfecho é satírico e ao mesmo tempo melancólico.

Observe a rápida participação da cantora pop australiana Kylie Minoque, que havia passado por um temeroso câncer de mama, em que aparece como atriz – e no filme toca sua música dançante mais famosa, “Can't get you out of my head”.
É um dos longas mais originais do ano de 2013, lançado em DVD esse mês pela Imovision.


Holy Motors (Idem). França/Alemanha/Bélgica, 2012, 115 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Leos Carax. Distribuição: Imovision

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