Stonewall – Onde o Orgulho começou
* Resenha escrita a quatro
mãos, pelo jornalista, crítico de cinema e professor de Comunicação e Artes Felipe
Brida, e pelo ator, professor de teatro no Senac Catanduva e membro do Conselho
Municipal dos Direitos LGBT de Catanduva Thales Maniezzo
O
jovem Danny (Jeremy Irvine) é expulso de casa pelo pai conservador, pelo fato
de ser gay. Sem lugar para morar, muda-se para Nova York e é acolhido por um
grupo de travestis (gays afeminados) e garotos de programa. Pouco tempo depois
estoura a Rebelião de Stonewall, em 1969, o primeiro grande movimento em prol
dos direitos LGBTQIA+, o chamado, até então, Orgulho Gay.
Infelizmente
fracassou nas bilheterias esse bom drama baseado em fatos verídicos, um feito
pessoal do cineasta alemão Roland Emmerich, cuja filmografia ficou calcada em
blockbusters de ficção científica repleta de desastres e efeitos visuais
absurdos, como “Independence Day” (1996), “Godzilla” (1998) e “2012” (2009).
Ele fugiu do seu tradicional cinemão para prestar uma homenagem à luta do
público LGBTQIA+ em busca da igualdade de direitos. Emmerich foi lá atrás, em
1969 (há exatos 50 anos, comemorado no dia 28 de junho), para traçar a história
do lendário bar do Greenwich Village de Nova York Stonewall, onde tudo começou.
Um local frequentado por gays, gerenciado pela máfia nova-iorquina, que virou
palco de uma revolta violenta em 28 de junho de 1969, que mudaria para sempre o
curso da História. Na época, os gays eram proibidos de trabalhar, viviam em
completo abandono social; cansados de serem achincalhados em batidas policiais
no bar Stonewall (além de apanhar e até sofrer abusos), resistiram nas ruas por
três dias quando a tropa de choque cercou o local. A polícia foi expulsa, e a
partir daí ganhava corpo o Gay Power, uma revolução que ao longo dos anos
alcançou o mundo inteiro.
Emmerich
fez um filme histórico e com ponto de partida real, mesmo utilizando boa parte
de personagens ficcionais (alguns existiram, nos letreiros finais mostra quem é
quem e como a trajetória deles terminou). De forma humana, mostra uma sociedade
doente, que reprimia gays e lésbicas (e ainda reprime), uma polícia autoritária
que espancava os homossexuais (e matavam, desovando os corpos em rios e áreas
abandonadas, como cita nos diálogos), ou seja, pessoas movidas pelo ódio contra
gente que apenas tinha relação com outros do mesmo sexo.
Os
clichês e as poucas cenas ousadas (o que poderiam ter investido mais) não
deixam o filme mais pobre, como muita gente criticou. Que bom que existe esse
filme para discutir o tema!
Rodado
no Canadá, tem boa ambientação e parte técnica adequada. A própria comunidade
gay americana não gostou com reações negativas ao protagonista branco e bonito
e ao diretor Roland Emmerich; diziam que ele era hétero, que não conhecia outro
cinema exceto o de ficção científica – mas logo depois ele se declarou gay e um
ativista do movimento. Filme gera opinião, então não dá para agradar todos...
Destaque
para o trabalho do elenco, como o protagonista Jeremy Irvine (revelado em
“Cavalo de guerra”) e Jonny Beauchamp (como Ramona), além dos já conhecidos Jonathan
Rhys Meyers (num papel fantástico), Matt Craven e Ron Perlman.
Há
outras versões para cinema sobre a Rebelião de Stonewall (de filmes, séries e
documentários), mas este, até agora, mesmo não sendo uma maravilha da Sétima
Arte, é o que melhor explica sobre as origens dos movimentos do Orgulho Gay e
da força LGBT, de extrema importância para as novas gerações.
“Conga:
Se eu não tivesse pego, nada seria meu”
O
que mais teremos que pegar? Qual o preço que você paga para poder existir?
Triste
pensar que o caminho entreaberto que nós LGBTQIA+ temos hoje foi conquistado
através de muita luta, resistência e sangue derramado. Quem abriu esse caminho,
e merecia mais protagonismo no filme “Stonewall” (2015), eram os coadjuvantes
como Marsha P. Johnson e Ray - as pessoas trans, drags e gay afeminados sempre
foram os primeiros a darem a cara à tapa na luta pelos direitos LGBTQIA+. A
grande polêmica desse filme se dá pelo fato de Danny ser branco, um típico
menino do interior e pintá-lo como herói, principalmente na cena em que ele
atira o tijolo na janela do bar Stonewall iniciando o motim contra os policiais;
talvez tenha sido o maior tiro no pé do diretor, tornando o filme datado para essa
produção que, mesmo tendo apelo comercial com um protagonista galã e branco,
abre margem para uma questão: Será que héteros o assistirão pela temática? E os
LGBTQIA+ se sentirão completamente representados?
Se
por um lado temos esse protagonismo questionável, nós temos a reafirmação (mesmo
de forma branda) que os precursores do movimento e da ocupação daquele espaço
(da rua e do bar) eram os afeminados.
A
sociedade tendo como herança um modelo patriarcal e com um machismo estrutural impregnado
ainda coloca a mulher ou quem fizer referência às características do “dito
feminino” como inferior. O filme ignora esse fato trazendo esse protagonismo
masculino focado no mundo Gay, e deixando todas as outras siglas L_BTQIA+ meio
como pano de fundo, mas o filme não nega a história e traz à luz o que, de
certa forma, ainda acontece na sociedade: a aceitação maior do homem Gay,
apenas pelo fato dele pertencer ao gênero masculino.
Se
ainda acreditarmos que rosa é de menina e azul é de menino, continuarmos
atribuindo gênero às cores, tecidos, brinquedos, roupas e comportamento, talvez
o filme não seja de todo mal, talvez seja uma forma didática necessária e até
contundente de dizer o que pra nós LGBTQIA+ já seja óbvio, mas que pros héteros
ou menino gay do interior talvez não seja: o lugar que cada um ocupa na sua
escala de privilégio e como a história se deu e se repete.
E
para aqueles que acreditam que seja incoerente colocarmos nomes e mais letras à
sigla que começou como GLS (gays, lésbicas e simpatizantes) já que lutamos
tantos por igualdade e não deveríamos “segregar” a nós mesmos em siglas ou
nomenclaturas, um recado: isso só é feito para que você, hétero, entenda que
existem pessoas diferentes de você. E que a todo mundo deveria ter representatividade,
voz e os mesmos direitos que vocês usufruem, nem que para isso tenhamos que
pegar algo que deveria já ser nosso tacando um tijolo na janela da
heteronormatividade.
Stonewall – Onde o Orgulho começou (Stonewall). EUA, 2015, 129 minutos.
Drama. Colorido. Dirigido por Roland Emmerich. Distribuição: Flashstar
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