O botão de pérola
Documentário
sobre a História do Chile contada a partir das profundezas das águas do litoral
do país, um dos mais extensos e exóticos do mundo, que esconde mistérios
milenares.
O
Instituto Moreira Salles lançou recentemente mais um grande documentário na
coleção de DVDs do IMS, “O botão de pérola” (2015), vencedor do Urso de Prata
no Festival de Berlim em 2015. Uma obra dura e reveladora sobre o Chile trazida
às claras através de uma incansável viagem pelos quatro mil quilômetros de mar
que banham o país, que escondem as vozes dos indígenas massacrados na Patagônia
e dos presos políticos da ditadura do governo Pinochet, sob a ótica de um
diretor visionário e engajado, Patricio Guzmán.
Anteriormente
o cineasta realizou sua irretocável obra-prima, “Nostalgia da luz” (2010), que
antecede fatos contados aqui – “O botão” vira um díptico de “Nostalgia”, na
busca em desvendar as tragédias sociais cometidas ao longo do tempo no país, em
épocas remotas e contemporâneas.
Em
“Nostalgia da luz”, Guzmán aviva o contato com a terra, no solo árido do
deserto do Atacama, onde astrônomos observam o encantador céu chileno, enquanto,
abaixo dos pés dos pesquisadores, centenas de corpos de desaparecidos políticos
na ditadura Pinochet repousam escondidos; em “O botão de pérola”, ele sai da
terra e leva a câmera ao mar, que também sepulta vidas, as dos primeiros indígenas,
os kawésqar, massacrados pelos brancos, e as dos desaparecidos políticos. A
água, segundo Guzmán, tem memória, voz e sentimento, por isto ela se torna testemunha
poderosa da História, merecendo atenção como um personagem a ser ouvido.
De
forma simbólica, em narrativa de ensaio, com narração pausada, pautada pela
sinestesia, o filme registra esses fatos com seriedade, angústia e poesia, dividido
em três momentos: abre com a geografia do país, composta por paisagens fora do
comum, abrigando vulcões, glaciares, deserto e montanhas; segue para a tragédia
dos nômades, que ali viveram há 10 mil anos e foram exterminados pelos
navegadores; e fecha com as práticas de tortura, morte e desaparecimentos no regime
ditatorial de Pinochet, de 1973 a 1990 – muitos cidadãos considerados subversivos pelo governo acabaram
lançados ao mar com trilhos de trem amarrados ao corpo (há cenas fortes de reconstituição
dos assassinatos e desova no oceano, com imagens reais de corpos localizados). Neste
momento aparece o botão do título, um vestígio intrigante encontrado no fundo
do mar, associado a um desaparecido.
No
documentário, gravado entre 2012 e 2015, sentimos a dualidade da água, fonte de
vida e organismo de clamor dos martirizados, objeto de pesquisa de longo tempo
do diretor, que foi preso na temível ditadura chilena, ameaçado de fuzilamento
e exilado em países como Cuba, França e Espanha - quase toda sua filmografia
relaciona-se ao fim do governo democrático de Salvador Allende e ao devastador
governo autoritário de Augusto Pinochet.
Para
autenticar o registro histórico desta obra monumental, Guzmán entrevista
juízes, autoridades, o notório poeta Raul Zurita e gerações recentes dos primeiros
moradores do Chile, indígenas isolados nos Andes e na Patagônia, conhecidos como
kawésqar, resultando como um dos melhores documentários do ano passado.
Além
de ganhar o Urso de Prata, concorreu ao Urso de Ouro no Festival de Berlim, ganhando
lá também o prêmio de Júri, e disputou ainda dezenas de festivais e premiações,
como o César.
No
DVD há um bônus especial, que recomendo assistir, um especial sobre as
gravações, de 35 minutos, que na verdade são cenas editadas, não inseridas no
doc. original. Acompanha também um livreto ilustrado de 30 páginas, com ensaio escrito
pelo diretor brasileiro Eduardo Escorel e uma entrevista com Guzmán.
Imperdível!
PS:
“O botão de pérola” é o mais recente lançamento da coleção de DVDs do IMS,
concebida em 2012 pelo falecido jornalista, curador e crítico de cinema José
Carlos Avellar. No catálogo há filmes importantes restaurados com grande
qualidade, como “La luna” (1979), de Bernardo Bertolucci, “Homem comum” (2015 –
já resenhado no blog), de Carlos Nader, “Cerimônia de casamento” (1978), de
Robert Altman, “A batalha de Argel” (1966), de Gillo Pontecorvo, “São Bernardo”
(1972), de Leon Hirszman, e mais de 30 títulos. Confira tudo isto no site
oficial do IMS - https://ims.com.br, ou nas
redes sociais da distribuidora - Facebook, Instagram e Twitter.
O botão de pérola (El botón de nácar).
Chile/ França/ Espanha/ Suíça, 2015, 82 minutos. Documentário. Dirigido por
Patricio Guzmán. Distribuição: Instituto Moreira Salles (IMS)
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