domingo, 29 de junho de 2025

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming


Stella – Vítima e culpada
 
Drama biográfico sobre Stella Goldschlag (1922-1994), judia alemã que na Segunda Guerra Mundial colaborou com a Gestapo, a polícia secreta nazista. Rodado na Alemanha, coprodução Áustria, Reino Unido e Suíça, o bom filme mostra a personalidade dupla dessa jovem mulher nascida e crescida em Berlim, que tinha o sonho de ser cantora de jazz. Porém tudo foi interrompido quando, durante a expansão nazista na guerra, ela foi capturada com a família pelas forças alemãs; Stella passou dias sob tortura, humilhada pela Gestapo, e por um triz não morreu. Para que ela e a família não fossem mandadas para os campos de concentração, acabou colaborando com os oficiais alemães denunciando esconderijos judeus, de vizinhos e amigos. Ela tornou-se uma delatora, vendo amargamente seu povo ser massacrado em Auschwitz. A atriz alemã Paula Beer, rosto importante da atual safra de filmes do país, que trabalhou em vários filmes de Christian Petzold, premiado diretor e roteirista alemão, como ‘Em trânsito’ (2018) e ‘Afire’ (2023), entrega com seriedade e sensatez um trabalho impecável, de uma protagonista de muitas camadas, capaz de provocar diversos sentimentos ao espectador. Entendemos, com sua biografia complexa, as razões de Stella ser tanto vítima do nazismo quanto culpada pela morte de dezenas de judeus. O roteiro idealizado por Kilian Riedhof, que dirige o filme, faz um recorte cirúrgico da vida de Stella Goldschlag, entre os anos 1943 e 1944, a partir de fontes de jornais, livros e pesquisa histórica. Exibido nos festivais de Málaga, Zurique e Gotemburgo, o drama tem uma boa reconstituição de época, com figurinos e direção de arte precisos. Está em exibição nos cinemas, com distribuição da Mares Filmes.
 

 
A odisseia de Eneias
 
Eis um belo drama com pitadas de fantasia que dialoga com o cinema de Fellini do final dos anos 80 e com o de Paolo Sorrentino, um longa de trama curiosa produzido por Luca Guadagnino e dirigido por Pietro Castellitto, filho do grande ator italiano Sergio Castellitto, que juntos aqui atuam no longa. Tem livre inspiração no poema épico ‘Eneida’, do romano Virgilio, que tratava de um viajante errante pelo mar Mediterrâneo chamado Eneias, resgatado pelo seu povo e levado por ele até uma região para ser o novo líder do grupo. Na trama, agora moderna, Enea (Pietro Castellitto) é um jovem de classe alta, que frequenta festas elegantes ao lado de um amigo aviador. Assim como nos mitos grego e romano de Eneias - um guerreiro sobrevivente da Guerra de Troia, amparado pelos deuses do Olimpo, ele cruza as noites agitadas de uma Itália em transformação, cercada pelo crime e corrupção, envolvendo-se em assassinatos pelas ruas, tráfico de drogas, disputas de território e paixões avassaladoras. Ele e o amigo desafiam a sociedade e os próprios pais para viver a liberdade intensamente. Nesse filme para público específico, há uma mistura alquímica de realidade com delírios dos personagens – por isso o filme assume um tom de fantasia e mais para o fim atinge o surrealismo, com um visual ardente e sedutor, cuja direção de fotografia é do o polonês Radek Ladczuk, de ‘O Babadook’ (2014). Um filme estiloso, libertário e carregado de metáforas, que merece ser descoberto. Em seu segundo longa na direção, Pietro, de apenas 33 anos, demonstra versatilidade em tocar temas ousados e profundos – ele aqui escreve, dirige e protagoniza.  Na trilha sonora, Loretta Goggi imortaliza a canção que a ergueu nos anos 80, ‘Maledetta primavera’, tema central que tem tudo a ver com a obra. Concorreu ao Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2023. Chega aos cinemas brasileiros pela Pandora Filmes.


 
Titan: O desastre da OceanGate
 
Mais um bom documentário da Netflix em torno de tragédias recentes, no caso uma investigação sobre o fracassado projeto Titan, da empresa OceanGate, que culminou num incidente trágico em junho de 2023, quando um submersível do grupo implodiu matando os cinco ocupantes da ousada missão que iria visitar os destroços do Titanic no Oceano Atlântico. A OceanGate é uma empresa privada que há 15 anos oferece submersíveis para explorações em águas profundas e pesquisas submarinas. Desde 2021 faz viagens para visitar os destroços do Titanic, que está a 3850 metros de profundidade numa das regiões do Atlântico, no território do Canadá, com ingressos a US$ 250 mil por pessoa. Numa das viagens com o Titan, modelo mais novo da empresa, a tragédia aconteceu, repercutindo na mídia mundial – após a capsula submarina sumir dos radares, ela implodiu, matando cinco pessoas, dentre elas o bilionário Stockton Rush, criador e CEO da OceanGate. O doc da Netflix recria o passo a passo da tripulação naqueles dias, os erros estratégicos e logísticos da empresa, a malfadada operação para resgatar os destroços do Titan e como a empresa lida com a segurança atualmente para fazer as viagens no fundo do mar. Exibido no Festival de Tribeca de 2025, o filme do diretor premiado duas vezes com o Emmy Mark Monroe está no catálogo da Netflix.

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Nota de cinema

 
Neste sábado, Cine Debate exibe biografia do ator Grande Othelo
 
No próximo sábado, dia 28/06, o Cine Debate do Imes Catanduva faz a exibição do documentário ‘Othelo, o Grande’ (2023 – 82 minutos), que retrata a vida e a trajetória do famoso ator brasileiro Grande Othelo (1915-1993). Exibido e premiado em festivais nacionais, como o Festival do Rio, onde ganhou o troféu de melhor documentário, o filme tem sessão gratuita e aberta ao público, a partir 14h, na sala de ginástica do Sesc Catanduva. A mediação do debate será feita pelo idealizador do Cine Debate, o jornalista, professor do Imes e do Senac e crítico de cinema Felipe Brida.
 
Sinopse: Sebastião Bernardes de Souza Prata, o Grande Othelo, foi um dos maiores atores e comediantes do país. Órfão e neto de pessoas escravizadas, escapou da pobreza para forjar uma carreira que rompeu todas as barreiras imagináveis para um ator negro no Brasil, trabalhando com cineastas como Orson Welles, Joaquim Pedro de Andrade, Werner Herzog, Julio Bressane e Nelson Pereira dos Santos. Enquanto a mídia se aproveitava de suas polêmicas, Othelo moldou sua própria narrativa e discutiu o racismo que o assombrou por oito décadas, duas ditaduras e mais de 100 filmes.

 
Cine Debate
 
O Cine Debate é um projeto de extensão do curso de Psicologia do IMES Catanduva em parceria o SESC e o SENAC Catanduva. Completa 13 anos em 2025 trazendo filmes cult de maneira gratuita a toda a população. Conheça mais sobre o projeto em https://www.facebook.com/cinedebateimes

terça-feira, 24 de junho de 2025

Especial de cinema

 
Festival ‘In-Edit Brasil’ continua online até dia 26
 
A 17ª edição do ‘In-Edit Brasil – Festival Internacional do Documentário Musical’, realizado entre os dias 11 e 22/06, em São Paulo, continua com sua programação online e gratuita até quinta-feira, dia 26. São 22 títulos disponíveis, dentre curtas, médias e longas-metragens, nacionais e internacionais, disponíveis nas plataformas de streaming Sesc Digital, Itaú Cultural Play e SPCine Play. Confira a lista dos filmes em https://br.in-edit.org/programacao-online/
O ‘In-Edit’ já está no rol dos grandes festivais de cinema do Brasil e conta com patrocínios do Itaú, Prefeitura de São Paulo, SPcine, Colombo Agroindústria e Caravelas, e parceria com dezenas de institutos culturais, como Goethe Institut e Cinemateca Brasileira. É uma realização do Ministério da Cultura, In Brasil Cultural, Sesc e Governo do Estado de São Paulo. Paralelamente ocorrem edições do In-Edit em cinco países - Espanha, Chile, Países Baixos, Grécia e México. Conheça mais sobre o Festival In-Edit Brasil no instagram https://www.instagram.com/ineditbrasil/ e no site oficial https://br.in-edit.org
 


Filmes assistidos e indicados por mim - parte 4
 
Os Afro-sambas: O Brasil de Baden e Vinicius (Brasil, 2024 – 93 minutos)
 
Um dos melhores documentários musicais do festival ‘In-Edit 2025’, de Emílio Domingos, que presta uma grandiosa e merecida homenagem a dois dos maiores músicos do Brasil, Baden Powell e Vinicius de Moraes. O filme adentra a sólida parceria entre os dois cantores e compositores surgida a partir de 1966, quando lançaram um disco revolucionário, ‘Os Afro-sambas de Baden e Vinicius’, que abriria uma nova modalidade de música no gênero do samba. Os afro-sambas inovavam com elementos de coro, canto gregoriano, candomblé e outros ritmos africanos. O filme mostra o processo de criação dos dois em torno do disco e a forte amizade que ali nascia. Por mais que o samba tenha raiz africana, os afro-sambas não eram apenas uma expressão redundante, e sim intensificava os elementos afro no samba de Baden e Vinicius – seus afro-sambas exploravam novos temas e recorriam a instrumentos de percussão comuns nos terreiros, como agogô, afoxé, atabaque e bongô, misturados incrivelmente com sax, flauta, violão, baixo e bateria. Filmado entre Salvador e o Rio de Janeiro, reúne um vasto material de arquivo, como fotos e entrevistas da dupla – com destaque a Baden, e depoimentos exclusivos de Maria Bethânia, Dori Caymmi, Cynara (do Quarteto em Cy), Marcos Valle, Jards Macalé, Roberto Menescal e Nelson Motta. Há momentos bem bonitos no doc, como os entrevistados escolhendo uma faixa do disco ‘Os Afro-sambas’ para ouvir e comentar, e a reunião em uma mesa dos filhos de Baden e de Vinicius para lembrar a parceria dos dois amigos. Exibido no Festival do Rio, o filme integrou a Competição Nacional do festival In-edit 2025. Estreou hoje no streaming, na Max e HBO.
 


Regional Beat: Uma antena parabólica fincada na terra vermelha (Brasil, 2024 – 62 minutos)
 
Documentário independente rodado na cidade de França (SP), escrito e dirigido pelo MC, trompetista e produtor cultural Matuto S.A., natural daquela cidade, responsável por ter criado uma nova vertente no cenário musical brasileiro, o ‘Regional Beat’. Inquieto quanto aos sons produzidos no interior, que reúnem as tradições populares, Matuto misturou rap e Hip Hop com viola caipira e jogos de rima na cidade onde nasceu que é considerada o berço de duplas sertanejas famosas. A inspiração para o ‘Regional Beat’, segundo Matuto, vem no movimento de contracultura pernambucano Manguebeat, idealizado por Chico Science nos anos 90, juntando novos instrumentos e vozes típicas do interior de São Paulo e levando o estilo para shows em diversos lugares do país. No doc vemos que o Regional Beat não fica restrito à música, sendo que o estilo passa pela moda e comportamento. Conta com depoimentos de músicos regionais, MCs, beatmakers e estudiosos de música, além de participação de Renato Teixeira e Criolo. Integrou a programação do ‘Brasil.doc’ do festival In-Edit 2025. Disponível gratuitamente na plataforma Itaú Cultural Play até o dia 26/06.
 

 
Concerto de quintal (Brasil, 2025 – 80 minutos)
 
Dirigido por Juraci Júnior, o documentário traz um tema pouco repercutido, a música realizada na capital de Rondônia, Porto Velho, que reúne uma infinidade de sons típicos da cultura popular. Com instrumentos de madeira, recitação de poesia e agrupamento em rodas de samba nos fundos de quintais das casas, nascia há mais de meio século um estilo próprio de Porto Velho, o ‘Concerto de quintal’, produzida por amigos num ambiente familiar. Uma das características dos concertos é a música ribeirinha com improviso de outros materiais para se criar som, como vasos de cerâmica e baldes. Muitos dos quintais ficavam juntos à mata fechada e próximos aos rios – a região faz parte da floresta amazônica, aproveitando-se então barulhos da natureza para serem incorporados aos concertos. Quem conduz a história é um artista local, Silvinho Santos, que mostra o acervo, deixado pelo pai, de fitas K7 com gravações dessas antigas músicas regionais. O filme mostra a importância dos quintais onde a arte musical se perpetuava, e acompanha as novas gerações homenageando os ‘concertos de quintais’. Esteve na programação do ‘Brasil.doc’ do festival In-Edit 2025. Disponível gratuitamente na plataforma Itaú Cultural Play até o dia 26/06.

domingo, 22 de junho de 2025

Especial de cinema

 
Festival ‘In-Edit Brasil’ termina hoje; filme vencedor é anunciado
 
A 17ª edição do ‘In-Edit Brasil – Festival Internacional do Documentário Musical’, que teve início no dia 11/06, termina hoje, dia 22, em São Paulo. Por 12 dias, o festival exibiu, gratuitamente, mais de 60 filmes em seis salas de cinema da capital paulista. Na última sexta-feira, dia 20, foi anunciado o ganhador da Competição Nacional. O longa ‘Brasiliana – O musical negro que apresentou o Brasil ao mundo’ (2024), de Joel Zito Araújo, venceu como melhor filme, indicado pelo júri desta edição, júri este composto por Viviane Pistache (pesquisadora e crítica de cinema), Dácio Pinheiro (cineasta e produtor) e Gilberto Porcidonio (jornalista, roteirista e escritor carioca). O filme terá uma sessão especial hoje, dia 22, às 19h30, na área externa da Cinemateca Brasileira, com entrada gratuita. O júri concedeu ainda menção honrosa ao documentário ‘Amor e morte em Júlio Reny’ (2025), de Fabrício Cantanhede, que está disponível na plataforma Sesc Digital até o dia 26/06.
O ‘In-Edit’ já está no rol dos grandes festivais de cinema do Brasil e conta com patrocínios do Itaú, Prefeitura de São Paulo, SPcine, Colombo Agroindústria e Caravelas, e parceria com dezenas de institutos culturais, como Goethe Institut e Cinemateca Brasileira. É uma realização do Ministério da Cultura, In Brasil Cultural, Sesc e Governo do Estado de São Paulo. Paralelamente ocorrem edições do In-Edit em cinco países - Espanha, Chile, Países Baixos, Grécia e México. Conheça mais sobre o Festival In-Edit Brasil no instagram https://www.instagram.com/ineditbrasil/ e no site oficial https://br.in-edit.org
 
Programação online
 
A programação online de filmes do ‘In-Edit 2025’ segue até o dia 26/06, gratuitamente nas plataformas de streaming Sesc Digital, Itaú Cultural Play e SPCine Play - são 22 filmes disponíveis, dentre curtas, médias e longas-metragens, nacionais e internacionais. Confira a lista dos filmes online em https://br.in-edit.org/programacao-online/
 


 
Filmes assistidos e indicados por mim – Parte 3
 
La danza de Los Mirlos (Peru, 2022 – 84 minutos)
 
Autêntico documentário independente feito no Peru, assinado pelo diretor Álvaro Luque, sobre um grupo que inovou o panorama musical com sua graça e gingado, levando para o mundo o som marcante da cumbia amazônica. ‘Los Mirlos’ virou referência da música regional, conquistando a América latina, onde tocaram em shows diversos, para milhões de pessoas. Nascida na Amazônia peruana, na região da selva de Moyobamba em 1972, o grupo Los Mirlos aos poucos trouxe novos instrumentos criando outra sonoridade ao ritmo de suas canções, dando início ao chamado estilo ‘cumbia psicodélica’, que influenciou o rock psicodélico e o surf rock. As músicas da banda apareceram em pistas do mundo todo. Parte dos integrantes da formação original conversa aqui sobre a trajetória de idas e vindas, como o cativante vocalista e guitarrista Jorge Rodríguez Grández. O filme foi gravado durante a pandemia da covid, em 2022, na comemoração de 50 anos de carreira de Los Mirlos – traduzindo para o português seria ‘Os Melros’, um tipo de ave que canta afinado, com um som contínuo. O grupo lançou nove álbuns e duas coletâneas, cujas canções se conectavam com as raízes dos integrantes e com a selva peruana. Dedicado aos músicos da cumbia amazônica. Teve a estreia mundial no 26º Festival de Cinema de Lima, em 2022. Integra a programação da ‘Panorama Mundial’ do festival ‘In-Edit’. Disponível gratuitamente na plataforma Sesc Digital até o dia 26/06.


 
Veraneio: Uma antologia negra (Brasil, 2024 – 59 minutos)
 
De Nalu Silva, o documentário brasileiro independente resgata as memórias do primeiro DJ do Brasil, Osvaldo Pereira, e o legado deixado por ele. Conhecido carinhosamente por ‘Seu Osvaldo’, promoveu bailes em pistas de dança nos anos 50 ao som de toca-discos, uma novidade até então – em vez de bandas ao vivo. Nascia ali pelas suas mãos o conceito de DJ, com um apelo popular e aberto ao público – até então, as pistas de dança eram para a elite e para os brancos, e aos poucos seu trabalho foi sendo reconhecido como pontos de encontro de pessoas pretas. Seu Osvaldo fundou a ‘Orquestra Invisível Let’s Dance’, que existiu por muito tempo. Durante as gravações do doc, em 2024, ele se aposentou – no final do filme há uma homenagem a ele, da última vez que tocou para o público, ao completar 90 anos de idade, no alto do edifício Martinelli, no centro histórico de São Paulo. Essa é a primeira parte do filme; uma segunda história é tratada, da metade para o fim, em torno da ‘Festa Veraneio’, que marca o legado do trabalho de Seu Osvaldo - e faz alusão ao carro da família. O filho e o neto dele, Dinho e Jean Pereira, respectivamente, são organizadores da festa, lançada em 2022, que tem pegada de black music em pista de dança com DJs tocando, no caso eles mesmos. A Veraneio é realizada ainda hoje e mostra a tradição de discotecagem da família Pereira. Um filme muito legal e bem curtinho, de apenas 59 minutos. Integra a programação da ‘Brasil.doc’ do festival. Disponível gratuitamente na plataforma SPCine Play até o dia 26/06.
 

 
Aldo Bueno – O eterno amanhecer (Brasil, 2024 – 86 minutos)
 
Um bom documentário sobre o cantor, compositor e ator Aldo Bueno, puxador da escola de samba Vai-Vai e que atuou em muitas peças e filmes. O filme mostra o ontem e hoje de Aldo. Quando jovem, tornou-se amigo do compositor e cantor Geraldo Filme, o ‘Geraldão da Barra Funda’, que o levou aos palcos e o apadrinhou na música. Aldo eternizou Filme cantando-o sus músicas em shows, também fez teatro nos anos 70 – atuou na emblemática peça musical ‘Ópera do Malandro’, e participou de filmes e séries conhecidas do público – fez ‘Doramundo’ e ‘Boleiros: Era uma vez o Futebol...’ e ganhou o Kikito de Ouro no Festival de Gramado por sua atuação na fita policial ‘A próxima vítima’ (1983). Nome de destaque no samba paulistano, ele é a memória viva do Bixiga, bairro onde nasceu, cresceu e vive até hoje - aos 75 anos, permanece ativo no cenário musical. Falam sobre ele no documentário amigos músicos como Carlinhos Vergueiro, Osvaldinho da Cuíca, Moacyr Luz, Luiz Carlos Bahia, Dayse do Banjo e Priscila Amorim, cineastas e atores com quem trabalhou, como Antônio Fagundes, João Batista de Andrade e Ugo Giorgetti, e familiares, além do próprio diretor do doc, Adriano De Luca. Cenas de seus filmes e shows antigos aparecem, bem como Aldo em dias recentes ao lado de amigos em rodas de samba. Integra a programação ‘Mostra Brasil’ do festival. Disponível gratuitamente na plataforma Itaú Cultural Play até o dia 26/06.
 

 
O ano em que o frevo não foi pra rua (Brasil, 2024 – 71 minutos)
 
De Bruno Mazzoco e Mariana Soares, é um dos grandes longas-metragens selecionados para a 17ª. edição do ‘In-Edit Brasil’, filme que também acabou de ser exibido no Cine PE – Festival do Audiovisual (antigo Festival do Recife). O doc registra o impacto da pandemia da covid-19 no cenário cultural de Recife, que fez com que não ocorresse, por dois anos, uma das festas populares mais esperadas do estado, o Carnaval, que é patrimônio das cidades de Olinda e Recife. Ao mesmo tempo, o doc mostra como o frevo se manteve resiliente em Pernambuco nesse período – está aí a explicação do título do filme. Criado no fim do século XIX, baseado na fusão do maxixe, dobrado, polca e capoeira, é um patrimônio imaterial da humanidade pela Unesco, cujo ritmo musical tipicamente pernambucano tem como característica a dança acelerada e alegre, com dançarinos levantando sombrinhas coloridas. O filme, a partir de depoimentos de carnavalescos, passistas, dançarinos, criadores de cultura e foliões de Olinda e Recife, tece o cenário desafiador da pandemia, em que o carnaval com milhões de pessoas nas ruas precisou ser substituído por lives nas redes sociais e, como no filme diz, a ‘alegria precisou ser adiada’. É um filme sobre perda, vazio, do medo de um futuro incerto, mas também uma reflexão sobre novas costuras que a pandemia provocou, fala do amor pela cultura, do encorajamento, da restauração dos ânimos e da importância do frevo na vida dos pernambucanos. Depõem no filme figuras notórias do frevo, como Fernando Zacarias, o ‘seu Zacarias’, porta-estandarte do famoso bloco Galo da Madrugada; Lúcio Vieira da Silva, maestro da Orquestra Henrique Dias e animador de blocos carnavalescos de Olinda; Carlos da Burra, que carrega o importante boneco de carnaval Homem da Meia-noite; Nena Queiroga, que conduz multidões em cima dos trios elétricos do Galo da Madrugada; e Spok, maestro tido como o “último folião”, por fazer o encerramento dos festejos no marco-zero de Recife. Integra a programação da ‘Mostra Brasil’ do festival e tem distribuição pela Lira Filmes. Ainda haverá uma sessão presencial do filme, no dia 22/06. Disponível gratuitamente na plataforma Itaú Cultural Play até o dia 26/06.

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming – Parte 1


Levados pelas marés

Profícuo, o chinês Jia Zhang-ke é figura central da chamada ‘Sexta Geração’ de cineastas do seu país e já produziu, dirigiu e escreveu mais de 30 filmes, entre curtas e longas, premiados em inúmeros festivais. Gosto especialmente de ‘Um toque de pecado’ (2013), ‘As montanhas se separam’ (2015) e ‘Amor até as cinzas’ (2018), e menos de ‘Levados pelas marés’ (2024), mas que ainda é um exercício estético e autoral do diretor. Traz uma história de amor de 20 anos em uma China em constante transformação política/social/ cultural, entre 2002 e 2022, terminando no sombrio tempo da pandemia. É um olhar épico e grandioso de um romance perdido no tempo, sem a brutalidade do seu cinema violento, como vimos em ‘Amor até as cinzas’, que tem algumas semelhanças com esse novo longa. Vemos uma outra China, a China dos rios e das metrópoles, e as imagens exploradas pelo diretor alternam entre filmes caseiros e aqueles de maior qualidade. Lento, contemplativo, ainda é um filme do diretor que deve ser considerado, mesmo sem o impacto visual das obras anteriores. Exibido nos festivais de Cannes, Toronto e Londres, teve sessões na Mostra Internacional de Cinema de SP em outubro de 2024, onde recebeu o prêmio da crítica de melhor longa estrangeiro. Entrou em cartaz nesse fim de semana nos principais cinemas com distribuição do Filmes da Mostra – juntamente com o documentário de Walter Salles ‘Jia Zhang-ke: Um homem de Fenyang’ (2014), que retorna para as salas.
 

 
Jia Zhang-ke: Um homem de Fenyang
 
Uma viagem do cineasta brasileiro Walter Salles para a China, para um encontro com o diretor, produtor e roteirista Jia Zhang-ke, é a essência desse documentário exibido nos festivais de Berlim, Londres e Roma, além da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Os dois caminham e conversam pelas ruas de cidades da China, como Pequim, locações dos filmes de Zhang-ke – Salles nunca aparece, e a câmera se centra no diretor chinês. Eles se encontram com atores e amigos do diretor, que relembra como foram realizadas obras importantes de sua carreira, como ‘Plataforma’ (2000), ‘O mundo’ (2004), ‘Em busca da vida’ (2006) e ‘Um toque de pecado’ (2013). É um registro das memórias de um cineasta inquieto, seu processo criativo longo e detalhista, como escreve histórias de coisas reais, vividas por ele. Também é uma reflexão sobre uma China em permanente transformação nesse novo século. Cortes de cenas de filmes de Zhang-ke aparecem para destacar suas lembranças. Salles é um fã do diretor nascido em Fenynang e ganhador de prêmios em Cannes e Veneza, prestando uma sincera homenagem ao seu cinema - as entrevistas são conduzidas por ele e pelo crítico francês Jean-Michel Frodon, ex-editor da Cahiers du Cinéma. Lançado em 2014, o documentário volta a ser exibido nos cinemas, com distribuição da Filmes da Mostra, juntamente com o novo trabalho de Jia Zhang-ke, ‘Levados pelas marés’ (2024). PS - Anos atrás saiu em DVD pela Bretz Filmes/VideoFilmes.
 

 
Andy Warhol – Um sonho americano
 
Doc de 2023 rodado na Eslováquia, sobre as origens do multiartista fundador da Pop Art Andy Warhol. Warhol tinha sangue eslovaco - seus pais eram descendentes de rutenos, ucranianos e eslovacos, e emigraram, na década de 10, para os Estados Unidos, onde se instalaram na Pensilvânia, estado de nascimento de Andy. O filme percorre os lugares em que a família dele, os Warhola, viveu, o vilarejo de Miková, na Eslováquia - na época território da Áustria-Hungria, no final do século XIX. O diretor tcheco, de origem eslovaca, L'ubomír Ján Slivka, e sua equipe entrevistam primos, sobrinhos e outros familiares que ainda vivem na localidade, que falam de Andy e da relação dele com a religião e as artes. É uma nova perspectiva da biografia de um dos artistas mais autorais do século XX, expoente da Pop Art nos anos 60 e 70, idolatrado e ao mesmo tempo odiado e criticado. Warhol virou um ícone cultural, um crítico da sociedade de consumo e inovador com sua obra satírica e ainda hoje malcompreendida. Criou as serigrafias do sabão Brillo e das latas de Sopa Campbell e as imagens em série com cores destoantes de Marilyn Monroe, Mao Tsé-Tung e Mickey Mouse, realizou filmes experimentais nos anos 60 e teve uma vida conturbada. Misterioso, introspectivo, com uma obra enigmática, morreu no auge da carreira, aos 58 anos, em 1987. Com um material inédito de fotos de arquivo de família, principalmente do artista quando criança, o doc foge das convenções e narrativa de outros tantos documentários que existem sobre Warhol. Está nos principais cinemas brasileiros, com distribuição da Autoral Filmes.
 

 
Torre Grenfell: A verdade por trás do desastre
 
Doc britânico da Netflix que estreou anteontem, mais um bom exemplar dos documentários de investigação do maior streaming do mundo. O filme narra as investigações em torno do incêndio na Torre Grenfell, edifício residencial de 24 andares em North Kensington, no oeste de Londres, Inglaterra, ocorrido em 2017 e que matou 72 pessoas. O fogo começou repentinamente em um dos andares e se alastrou de forma impressionante, tomando conta de todo a lateral do edifício e depois no prédio inteiro; moradores morreram queimados, outros sufocados pela fumaça na tentativa de escapar pelas escadas. Passados oito anos da tragédia, o filme colhe depoimentos de sobreviventes, amigos e familiares de vítimas, dos bombeiros e da polícia que atuou no caso, e ainda de investigadores, que revelam dados chocantes: o prédio tinha revestimento de polietileno, proibido em muitos países por ser inflamável – só que na Inglaterra era liberado seu uso. Relatório final do ‘Caso Grenfell’, de setembro de 2024, informa que houve uma série de falhas desde a construção do prédio, no início dos anos 70, passando por problemas de manutenção e negligência do governo e dos setores de engenharia e construção civil. O edifício era uma verdadeira ‘armadilha mortal’. Tudo isso é contado nesse bom filme da Netflix, com muitas imagens de arquivo - parte delas feitas por celulares de moradores que capturaram o fogo por diversos ângulos. A tragédia abriu espaço para uma discussão na sociedade quanto à segurança na construção civil.
 

 
Vladivostok
 
Estreia do fim de semana na programação gratuita do projeto ‘Cinema soviético e russo em casa’, mantido pela CPC-Umes em seu canal do Youtube. Lançado em 2021, dirigido por Anton Bormatov, o filme é um drama romântico que ganha ares de thriller, gravado durante a pandemia da covid-19, cuja história se desenrola nesse contexto. Um jovem soldado, Viktor (Andrey Gryzlov), comete um crime acidentalmente – ele mata um oficial da corporação, e acaba fugindo para não ser preso. Abriga-se na cidade portuária de Vladivostok, do outro lado da Rússia, divisa com a China. Lá se encontra com um amigo, Rinat (Ivan Shakhnazarov), que poderá ajudá-lo a sair ilegalmente do país. Naquela cidade de arquitetura moderna com traços arcaicos, cortada pelo Oceano Pacífico, Viktor acabará se apaixonando por uma mulher misteriosa, Nika (Anastasiya Talyzina), que guarda segredos de uma vida desregrada. Enquanto aguarda para sair da Rússia, envolve-se com Nika e inicia um trabalho temporário, para substituir um conhecido de Rinat, como condutor de um pequeno barco que busca e traz cargas nada convencionais. Aos poucos a trama de romance vira policial, girando ao redor desse personagem anti-herói, que não revela sua identidade devido a um crime cometido e tenta a todo tempo fugir de uma cidade que o aprisiona. O desfecho amargo reforça o clima de ameaça e morte que pairam sempre no ar. O roteiro é de Karen Shakhnazarov, diretor dos estúdios Mosfilm, que produz o filme – ele é cineasta, fez obras fundamentais da Rússia contemporânea, como ‘Cidade zero’ e ‘Tigre branco’, e é pai do ator que faz Rinat, Ivan; escreveu o roteiro ao lado de Aleksei Buzin. O filme tem exibição gratuita até amanhã à noite, dia 23/06.

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Especial de Cinema

 
Festival ‘In-Edit Brasil’ segue por mais dois dias; programação online continua até dia 26
 
A 17ª edição do ‘In-Edit Brasil – Festival Internacional do Documentário Musical’, que teve início no último dia 11, segue com uma extensa programação gratuita até domingo, 22 de junho, em São Paulo. São mais de 60 filmes em exibição, parte deles inéditos no Brasil, e o festival traz ainda shows, feira de vinis, oficinas e palestras. Seis salas de cinema da capital paulista recebem a programação - CineSesc, Cine Bijou, SPCine Olido, SPCine Paulo Emílio e Cinemateca Brasileira (Salas Grande Otelo e Oscarito). Todas as sessões de cinema e atividades são gratuitas. A distribuição de ingressos dos filmes começa uma hora antes de cada sessão, exceto as exibições no Cine Sesc, cujo ingresso é de R$ 10. A programação online de filmes, todos gratuitos, vai até o dia 26 de junho, nas plataformas de streaming Sesc Digital, Itaú Cultural Play e SPCine Play - são 22 filmes disponíveis, dentre curtas, médias e longas-metragens, nacionais e internacionais. Confira a lista dos filmes online em https://br.in-edit.org/programacao-online/
O ‘In-Edit’ conta com patrocínios como Itaú, Prefeitura de São Paulo, SPcine, Colombo Agroindústria e Caravelas, e parceria com dezenas de institutos culturais, como Goethe Institut e Cinemateca Brasileira. É uma realização do Ministério da Cultura, In Brasil Cultural, Sesc e Governo do Estado de São Paulo. Paralelamente ocorrem edições do In-Edit em cinco países - Espanha, Chile, Países Baixos, Grécia e México. Conheça mais sobre o Festival In-Edit Brasil no instagram https://www.instagram.com/ineditbrasil/ e no site oficial https://br.in-edit.org
 


 
Filmes assistidos e indicados por mim – Parte 2
 
 
Leci (Brasil, 2025 - 69 minutos)
 
Com depoimentos de nomes fundamentais do samba como Zeca Pagodinho, Martinho da Vila e Beth Carvalho, e músicos como Emicida e Wilson Simoninha, o documentário faz uma linha do tempo da trajetória da sambista, compositora e política (atualmente deputada estadual pelo Estado de São Paulo) Leci Brandão. Nascida no bairro carioca de Madureira e criada na Vila Isabel, Leci trabalhou, jovem, como operária de fábrica, depois formou-se em Direito e começou a cantar aos 25 anos, em 1970, tornando-se rapidamente referência no samba e a primeira mulher a integrar a ala de compositores da Mangueira. Com cenas de shows e entrevistas atuais e antigas dela, o filme faz um recorte da vida de Leci, com enfoque nela cantando – ‘Zé do Caroço’ virou emblema em sua voz. Conta com direção sem muitos arranjos e direta de Anderson Lima. Integra a programação da ‘Mostra Brasil’ do festival. Ainda haverá sessões presenciais do filme, no dia 22/06. Disponível gratuitamente na plataforma SPCine Play.
 

 
A última banda de rock (Brasil, 2024 - 119 minutos)
 
O mais novo trabalho do premiado cineasta recifense Lírio Ferreira, diretor de ‘Baile perfumado’ e ‘Árido movie’, é uma homenagem a uma banda de rock que conquistou jovens do Brasil no início dos anos 2000, mas que foi ficando cult, nascida em Porto Alegre, o ‘Cachorro Grande’. O filme tem uma curiosidade – enquanto era rodado, em 2019, em comemoração aos 20 anos do grupo, o ‘Cachorro’ se desfez, após uma infinidade de conflitos entre os membros, além de todos estarem exaustos com as turnês e já abalados pela saída do guitarrista e fundador Marcelo Gross dois anos antes. E quando o filme foi finalizado, em 2024, o grupo voltou, reunindo parte dos fundadores, como Beto Bruno, Marcelo Gross e Gabriel Azambuja. O longa vasculha, apenas por depoimentos dos integrantes, as origens do grupo e como o sucesso e o reconhecimento vieram. Reúne cenas de shows e novas entrevistas deles, em que fazem muita autocrítica e falam abertamente sobre as crises, Narração do próprio diretor Lírio Ferreira. Integra a Competição Nacional do festival. Ainda haverá uma sessão presencial do filme, hoje, dia 20/06. Disponível gratuitamente na plataforma Sesc Digital.
 

 
Amor e morte em Julio Reny (Brasil, 2025 - 95 minutos)
 
De Fabrício Cantanhede, o documentário rodado no Rio Grande do Sul trata de uma figura marcante do cenário musical gaúcho, Julio Reny, cantor e compositor, hoje recluso, que era uma promessa para a música nos anos 80, porém caiu em desgraça. Reny foi consumido por exageros, como drogas e sexo, e tinha um comportamento destoante, que alternava humores, o que o fez não se estabilizar nas diversas bandas que fundou – uma delas foi Cowboys Espirituais, com músicas reprisadas aos montes na MTV nos anos 90. Recentemente Reny recebeu o laudo de bipolar e esquizofrenia, no entanto isso não o impediu de abrir sua casa para narrar diretamente a trajetória para as câmeras. De maneira humilde e sem papas na língua, conta sobre as particularidades de sua obra musical e de fatos pessoas - ele faz um mea culpa, intitula-se ‘músico maldito’, já que tudo deu errado para ele, e ainda comenta sobre um caso policial que o destruiu, quando acusado de abusar da filha com autismo, o que o isolou da família. Com cenas de arquivo, incluindo shows e clipes de bandas de Reny, o filme é muito pessoal e pra baixo, sobre uma vida marcada por exageros e frustrações – o título faz menção a uma canção conhecidíssima dele, gravada em 1985, ‘Amor & morte’. Integra a competição Nacional do festival. Ainda haverá uma sessão presencial do filme, amanhã, dia 21/06. Disponível gratuitamente na plataforma Sesc Digital.
 

 
Ave Sangria, a banda que não acabou (Brasil, 2025 - 78 minutos)
 
De João Cintra e Mônica Lapa, é um dos melhores filmes do ‘In-Edit 2025, um documentário em formato de road movie, sobre a banda de rock psicodélico de Pernambucano ‘Ave Sangria’, até hoje reverenciada dentro e fora do país. A banda começou com o nome de ‘Tamarineira Village’ em 1972, anunciada em um evento musical no agreste pernambucano que ficou conhecido como ‘Woodstock nordestino’. No ano seguinte virou ‘Ave Sangria’, lançando o precioso álbum de mesmo título. O fundador e vocalista Marco Polo lidera os depoimentos no doc, com participações de outros membros, relembrando fatos inusitados, outros marcantes da banda, passando pela censura na Ditadura Militar, que barrou uma das músicas famosas da banda, composta para uma peça com Marilia Pêra, ‘Seu Valdir’. Com muitas cenas de arquivo, como shows regionais, conta com uma fotografia lindíssima pelo agreste – a banda está em um carro onde fala para a câmera, que também filma estradas e cidadezinhas do nordeste. A banda existiu por um ano apenas, entre 1973 e 1974, e 40 anos depois retornou para uma turnê comemorativa e não parou mais. O doc é um estrondo visual e sonoro, com toda a cor e magia do grupo, que recebeu recentemente da Câmara Municipal do Recife título de Patrimônio Cultural Imaterial da cidade. Integra a competição Nacional do festival. Ainda haverá uma sessão presencial do filme, amanhã, dia 21/06. Disponível gratuitamente na plataforma Itaú Cultural Play.
 
 
WR Discos – Uma invenção musical (Brasil, 2024 - 78 minutos)
 
Outro bom documentário musical do festival, o filme da dupla Nuno Penna e Maira Cristina celebra os 40 anos do estúdio baiano que se tornou a principal gravadora do Nordeste entre as décadas de 70 e 90, em que projetou mais de 200 nomes como Chiclete com Banana, Luiz Caldas, Edson Gomes, Roberto Mendes e Banda Reflexu's. Com depoimentos de artistas lançados pela WR, como Margareth Menezes, Carlinhos Brown e Daniela Mercury, faz uma homenagem ao fundador da gravadora, Wesley Rangel, que faleceu durante as gravações, em 2016 - ele dá depoimentos e conta sobre a gravadora responsável pela apresentação nacional de artistas do axé music, que mostrou a Bahia ao mundo com sua música contagiante. Os depoimentos foram gravados entre 2016 e 2023 e reforça a marca vital da WR, que foi abrigar todos os tipos de música naquele período, fazendo explodir estilos como o axé e o samba-reggae, virando ainda um lugar de resistência e criatividade. Integra a programação da ‘Mostra Brasil’ do festival. Ainda haverá uma sessão presencial do filme, no dia 20/06. Disponível gratuitamente na plataforma SPCine Play.


terça-feira, 17 de junho de 2025

Estreias da semana - Nos cinemas e no streaming - Parte 2

 
Na teia da aranha
 
Exibido no Festival de Cannes (fora da competição) e depois no Festival do Rio, chega agora aos cinemas brasileiros pela Pandora Filmes o novo trabalho do diretor sul-coreano Kim Jee-woon, que esteve em São Paulo na semana passada para acompanhar a estreia e também participar da 14ª Mostra de Cinema Coreano no Brasil (mostra em parceria entre a Pandora Filmes e o Centro Cultural Coreano no Brasil, que segue até dia 19/06, no REAG Belas Artes). Pode não soar familiar o nome de Kim Jee-woon, mas ele é um diretor de filmes formidáveis de ação e terror que fizeram a cabeça de um público cult nas duas últimas décadas; são dele o horror sobrenatural ‘Medo’ (2003 – refilmado nos EUA em 2009 com o título ‘O mistério das duas irmãs’), ‘Os invencíveis’ (2008, uma paródia incrivelmente absurda do faroeste ‘Três homens em conflito’, de Sergio Leone, com muita ação e humor), ‘Eu vi o diabo’ (2010, filme de psicopata), ‘O último desafio’ (2013, ação com Arnold Schwarzenegger) e ‘A era da escuridão’ (2016, ação que se passa na Segunda Guerra Mundial). Agora ele fz uma comédia satírica que se volta ao mundo dos bastidores do cinema, por meio de uma história metalinguística e com teor autobiográfico, cheia de divagações na mente de um cineasta em crise. O contexto é a Coreia do Sul dos anos 70, controlada pelo regime militar autoritário de Park Chung-hee. Kim (Song Kang-ho) é um diretor criativo, mas criticado recentemente pelo seu cinema considerado trash. Ele está finalizando um novo trabalho que promete dar uma guinada na carreira, um filme de suspense com crime. Certo dia, pensativo, chega ao set de filmagem disposto a refazer o desfecho, após ter um sonho com um final alternativo. Só que o roteiro com a parte nova é censurado pelo governo vigilante, uma ditadura. Ele então convence elenco e produção a gravar as partes escondido – para tanto, todos se trancam num estúdio sem ninguém saber, durante dois dias. O set se transforma num caos, com brigas, problemas técnicos e falta de compreensão da equipe. Uma sátira que se utiliza do tragicômico para mostrar como a ditadura censura a liberdade de expressão impondo os seus valores. Estrelado por Song Kang-ho, astro sul-coreano de filmes como ‘Memórias de um assassino’ (2003) e ‘Parasita’ (2019), o filme tem uma estrutura engenhosa, que mistura realidade e ficção – no final entendemos o título em português. Aliás, também no final, há uma cena marcante, um grandioso plano-sequência, em que vemos os dois lados – como aquilo tudo é gravado, nos bastidores, e depois como a cena fica pronta. Gostei muito do filme e recomendo.



Deusas em fúria
 
Escrito, produzido e dirigido por uma das personalidades mais importantes do atual cinema indiano, Pan Nalin, dos premiados dramas de aventura ‘Samsara’ (2001) e ‘Vale das flores’ (2006). ‘Deusas em fúria’ (2015) é um drama feminino envolvente, sobre a sororidade de um grupo de mulheres, amigas de longa data, que após uma confraternização abrem o jogo para relatar abusos sofridos, sejam por seus parceiros, pela sociedade ou oprimidas no trabalho. Elas inicialmente se reúnem para uma celebração, na casa de uma das amigas, que é uma fotógrafa e irá anunciar que está prestes a se casar. Durante um período de férias em uma casa de veraneio, as amigas compartilharão momentos íntimos, muitos deles por meio de memórias, numa jornada de descobertas que fortalecerá a relações do grupo. Entre rituais cotidianos, como cantar alto, dançar e jantar juntas em volta da mesa, elas revidam como podem a um mundo hostil às mulheres – na Índia, a população feminina é privada de seus direitos, desde o nascimento, forçadas ao trabalho e vítimas de machismo e estupro. Até que uma tragédia inesperada muda o curso da vida das amigas - uma reviravolta chocante ocorrerá na história, mudando o tom do drama para ação com suspense, justificando o título do filme. A fotografia do filme é marcada por passagens contrárias – é solar quando o grupo está unido em casa festejando, e escura e sombria no desfecho brutal. Exibido no Festival de Toronto, o filme está disponível no streaming Sesc Digital de forma gratuita até o dia 24/06, em https://sesc.digital
 

 
Romance de escritório
 
Pouco se conhece do cinema da antiga União Soviética, exceto os filmes dos primórdios, das décadas de 10 e 20, de Dziga Vertov e Eisenstein, pais da linguagem construtivista, e os de Tarkovski, entre os anos 70 e 80, fase do Novo Cinema Soviético. Houve muitas produções nessa transição de épocas, entre as décadas de 30 e 70, de longas nunca lançados no Brasil. Salvo agora pela CPC-Umes Filmes, que vem, há um bom tempo, resgatando esse cinema perdido. A última descoberta da CPC-Umes é ‘Romance de escritório’ (1977), que entrou no fim de semana passado no programa ‘Cinema Soviético e Russo em casa’, no streaming da CPC-Umes no Youtube, gratuito. Com uma belíssima imagem restaurada pelos estúdios da Mosfilm em sua metragem original, de 158 minutos, é uma comédia romântica que critica costumes, principalmente sobre a vida dos burocratas controlados pelo Estado Soviético. O filme segue o dia a dia de funcionários de um escritório de estatísticas de Moscou durante o rigoroso inverno. Do lado de fora do prédio, o gelo toma conta das ruas, e do lado de dentro, um romance inusitado de um tímido trabalhador, Anatoly (Andrey Myagkov), com a chefe, Lyudmilla (Alisa Freyndlikh), chamada por todos de ‘bruxa’ – tanto pela aparência feiosa quanto por ser brava. Os dias maçantes do trabalho ganham cor quando eles estão juntos. Os dois não entendem direito a paixão, aparentemente nunca tiveram um amor, e ao tentar uma aproximação íntima, envolvem-se em trapalhadas que nos arranca risos. Narrado por um observador, o filme tem momentos de cinema pastelão e um desfecho engraçadíssimo de destruição do escritório. Um bom filme russo/soviético de comédia e romance na medida certa, voltado ao público cinéfilo que cultua filmes diferentões.

Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming

Stella – Vítima e culpada   Drama biográfico sobre Stella Goldschlag (1922-1994), judia alemã que na Segunda Guerra Mundial colaborou com a ...