Os bons filmes da 47ª
Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Parte 3
La chimera (Itália/França/Suíça, 2023, de Alice
Rohrwacher)
Um novo e instigante trabalho
da cineasta italiana já indicada ao Oscar Alice Rohrwacher – de ‘As maravilhas’
e ‘Feliz como Lázaro’. Seus filmes, autorais, são alegóricos e repleto de
imagens mágicas. Aqui, um rapaz de origem italiana (Josh O’Connor, de ‘The crown’)
retorna de trem ao vilarejo onde cresceu para ver a família. Lá se junta a um
grupo de delinquentes que furtam tumbas antigas para vender artefatos de forma
ilegal. E paralelamente a isso, ele cria fortes vínculos com uma jovem carismática
(papel da brasileira Carol Duarte, de ‘A vida invisível’). Tem participação
especial de Isabella Rossellini. Um filme de arte diferente para conferir na
Mostra. Indicado à Palma de Ouro em Cannes. Exibição presencial ainda nos dias
28, 29 e 31/10 e 01/11.
Quem fizer ganha (Reino Unido/EUA, 2023, de Taika Waititi)
O cineasta neozelandês
Taika Waititi retorna à origem de seu cinema autoral, de seus filmes
independentes, depois de fazer dois blockbusters do super-herói Thor (‘Ragnarok’
e ‘Amor e trovão’). E realiza uma história real, engraçada, com um bom elenco
de apoio, além do bom protagonismo de Michael Fassbender. Ele interpreta o
americano Thomas Rongen, um treinador de futebol que vai para Samoa Americana levantar
o time, que ficou na lanterna nos últimos campeonatos e nunca marcou um gol em
campo. Em 2001 o time perdeu de 31 a 0 da Austrália, nas eliminatórias da Copa
do Mundo, ficando a partida marcada como o maior vexame da história do futebol
mundial. Quando o treinador chega na ilha da Polinésia, vê uma equipe indisciplinada,
sem rigor e com atletas folgados, o que dará um trabalho danado para ele. Um
filme gostoso, leve e cheio de vida, que lembra ‘Jamaica abaixo de zero’. Exibido
no Festival de Toronto, deve estrear pela Searchlight Pictures no Brasil em 14
de dezembro. Exibição na Mostra ainda no dia 28/10.
Doc brasileiro de um amigo querido, o gaúcho Zeca Brito, de ‘O guri’, ‘Legalidade’ e ‘Hamlet’ (este, exibido na Mostra do ano passado). Trata de como a cultura brasileira teve papel primordial e exemplar na luta contra o nazifascismo na década de 1940, quando o Brasil participou de um leilão no Reino Unido com centenas de pinturas doadas por 70 artistas modernistas. No longa, o diretor entrevista diplomatas, historiadores da arte, professores e artistas, e resgata em fotos, reportagens e vídeos esse momento crucial tanto para a arte brasileira quanto para a política mundial. Exibição na Mostra ainda nos dias 28 e 31/10.
Uma vida de ouro (Burkina Faso/Benin/França, 2023, de
Boubacar Sangare)
Um dos grandes documentários
exibidos pela Mostra de 2023, acompanha a exaustiva trajetória de um rapaz de
16 anos que trabalha com um grupo de mineradores em Burkina Faso. Ele desce 100
metros debaixo da terra em busca de ouro, sonhando com um futuro mais digno. A câmera
invasiva mostra detalhes da busca pelo ouro, do suor que escorre do seu corpo e
das expressões de frustrações em um trabalho arriscado, que beira a morte.
Passou na seção Fórum do Festival de Berlim. Exibição presencial ainda nos dias
28 e 30/10.
Em nossos dias (Coreia do Sul, 2023, de Hong Sang-soo)
Todo ano a Mostra traz
um filme do diretor sul-coreano Hong Sang-soo, adorado pelo público com suas
fitas rápidas, simples e que são grandes lições de cinema e de vida. Esse ano,
assim como em outras edições, são dois longas-metragens dele na Mostra, o bom ‘Em
nossos dias’ e infelizmente um que não deu nada certo, ‘Na água’, em que desfoca
atores e paisagens o tempo todo, resultando numa experiência cansativa, mesmo
tendo apenas 61 minutos de duração. Mas ‘Em nossos dias’ a sessão compensa. Na história,
uma mulher de 40 anos vai morar na casa de uma amiga que cria um gato. Ao mesmo
tempo, conhecemos um poeta recluso, que dará uma entrevista sobre sua carreira
para dois jovens documentaristas. E assim as histórias surgem, desaparecem e se
complementam. Como sempre, Sang-soo, de ‘Certo agora, errado antes’, ‘Na praia
sozinha á noite’ e ‘O dia depois’, traz suas técnicas de cinema características
– pequenas tramas juntas, câmera estática gravando longos diálogos, atores
posicionados de lado, de perfil, em que falam da vida, do cotidiano, da existência,
do outro, sempre com humor e sutilezas. São filmes contemplativos, típicos do
cinema cult. Exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes. Exibição
presencial ainda nos dias 28 e 31/10.
Afire (Alemanha, 2023, de Christian Petzold)
Em seu novo trabalho, o
diretor alemão Christian Petzold deixa de lado seus filmes complexos de drama
de guerra com ar de ficção científica, e se volta para um drama com humor e
romance. É um filme diferente do que estamos acostumados a ver dele – é o
diretor de ‘Phoenix’ e ‘Em trânsito’. São alguns dias na vida de um jovem
escritor (o austríaco Thomas Schubert, num bom desempenho) que vai com um amigo
para uma casa de férias no mar Báltico. Lá tentará terminar seu novo livro,
enquanto aguarda a chegada do editor. Ele conhecerá uma mulher hospedada no
quarto ao lado que mudará sua vida. Os dias são quentes, ele está preocupado
com o livro, até que um incêndio de grandes proporções atinge florestas de
região, deixando-os isolados e sem comunicação. É um estudo de personagem, com
boa fotografia e muito sentimento autoral na história. No elenco temos a atriz
alemã Paula Beer, que já trabalhou com Petzold em ‘Undine’. Venceu o Grande Prêmio
do Júri no Festival de Berlim. Exibição presencial ainda nos dias 28/10 e
01/11.
Samuel e a luz (Brasil/França, 2023, de Vinicius
Girnys)
Doc brasileiro
interessante e bem editado, sobre um garoto chamado Samuel, que mora num
vilarejo de pescadores em Paraty/RJ. Seus dias são marcados pela tranquilidade,
num local idílico e estacionado no tempo. Até que se depara com uma nova
realidade, a chegada da energia elétrica e das tecnologias. Foram seis anos
gravando o crescimento de Samuel em meio a essas transformações, em que se
discute o choque da modernização pelo ponto de vista de um menino. Coprodução Brasil/França,
exibido no Festival Visions du Réel. Exibição presencial ainda no dia 01/11.
O ganhador do Urso de
Ouro em Berlim foi um dos filmes mais aplaudidos pelo público na Mostra. É um
documentário – um dos poucos a ganhar o prêmio principal em Berlim – sobre uma
embarcação que serve de centro psiquiátrico no cais do Rio Sena, em Paris.
Nesse projeto do governo da França, que existe desde 2010, uma equipe de
cuidadores, enfermeiros e médicos atuam para restabelecer o ânimo e a dignidade
dos pacientes que chegam diariamente, com um trabalho humanizado. A proposta é inserir
os doentes em trabalhos manuais, de pintura e de gastronomia, por exemplo – lá,
os pacientes pintam, expõe suas obras ao público que os visita, fazem tortas e
café e os vendem. Bonito, delicado e de temática urgente, vem num momento
certo, em meio a revolução psiquiátrica que a medicina cruza, que é a
humanização no atendimento aos doentes mentais. Exibição ainda no dia 31/10.
Outro cineasta muito
aguardado na Mostra Intl. de Cinema de SP, o turco Nuri Bilge Ceylan, ganhador
da Palma de Ouro por ‘Sono de inverno’ em 2014. Cinco anos atrás, o filme anterior
dele foi exibido na Mostra, ‘A árvore dos frutos selvagens’. Esse ano, é a vez
de ‘Ervas secas’, um pequeno grande épico de 197 minutos, sobre um professor de
artes que é enviado a uma vila remota na Anatólia no inverno rigoroso. O local
está tomado pela neve, e os moradores vivem trancados em suas casas para fugir
do frio. Os alunos gostam do professor, pela gentileza como os trata, até que duas
estudantes o acusam de contato íntimo com elas, o que o faz entrar num
turbilhão de dilemas e insegurança naquele vilarejo. Enquanto lida com as
acusações infundadas, fica próximo de uma professora ferida num atentado a
bomba. Quem conhece o cinema contemplativo e dialogado de Ceylan, com sua estonteante
fotografia em ambientes internos, irá gostar. Venceu o prêmio de atriz em
Cannes, a turca Merve Dizdar – que na premiação fez um discurso contundente em
defesa às mulheres turcas, dando um recado claro ao governo extremista de
Erdogan. Distribuído no Brasil pela Imovision, deve estrear no próximo mês nos
cinemas. Exibição na Mostra ainda nos dias 29/10 e 01/11.
Exibido no Festival de
Tribeca, esse excelente doc norte-americano produzido pela HBO deverá ser
finalista do Oscar de 2024. Resgata a trajetória do pintor iraniano Nicky
Nodjoumi que enfrentou a Revolução Iraniana por meio de suas pinturas expressionistas
e surrealistas, que traziam para a mesa de discussão assuntos como a repressão à
mulher, a relação do país com os EUA, a postura autoritária e inconforme de
aiatolá Khomeini e a mobilização inconsequente das massas pelo governo. E o
ponto de partida do filme é o desaparecimento de diversos quadros do artista do
Museu do Irã quando a revolução estourou em 1979. Nodjoumi teve se exilar nos
EUA e até hoje não viu mais aquelas pinturas, consideradas subversivas. Emocionante,
com um bonito desfecho, fala do poder transformador da arte e de como ela pode
revolucionar o pensamento crítico. Quem dirige é também a filha de Nicky, Sara
Nodjoumi, que faz as entrevistas e vasculha o acervo do pai. Exibição
presencial ainda nos dias 28 e 30/10 e 01/11.
Vale do exílio (Líbano/Canadá, 2023, de Anna Fahr)
Para fugir da guerra da
Síria, duas irmãs se refugiam em um assentamento no Vale do Beka, no Líbano.
Uma delas está grávida e procura o marido. A outra, sai em busca do irmão
pequeno, desaparecido. Exiladas, encontram apoio num grupo de mulheres que
estão nas mesmas condições, a de sobreviver. Exibido em festivais como Varsóvia
e Vancouver, é mais uma pequena joia do cinema cult que a Mostra traz para os
cinéfilos. Gostei muito e recomendo esse filme digno e humano, sobre mulheres
determinadas que lutam pela sobrevivência diante de uma guerra interminável e
massacrante. Exibição presencial ainda nos dias 29 e 31/10 e disponível na
plataforma de streaming do Sesc Digital (gratuito, com limite de 2000
visualizações).
Nenhum comentário:
Postar um comentário