Os melhores filmes do
Festival do Rio 2023
Em sua 25ª edição, o
Festival do Rio, um dos eventos de cinema mais importantes do Brasil, levou ao público
40 estreias mundiais, dentro de uma programação com 53 longas e 38
curtas-metragens, muitos deles premiados em festivais como Berlim, Cannes,
Jerusalem, San Sebastian, Sydney e Veneza.
Em formato presencial, o
Festival do Rio nasceu em 1999 após a junção da Mostra Banco Nacional e do Rio
Cine Festival, eventos que integravam o calendário cultural da cidade do Rio
desde a década de 1980. O Festival do Rio (Rio de Janeiro Int'l Film Festival)
tornou-se uma vitrine para se conhecer a cinematografia de diversos países.
Mais uma vez estive no
Festival e lá pude conferir filmes imperdíveis, que recomendo agora nesses
drops. Parte deles está na repescagem que se encerra hoje, e outros devem
estrear no Brasil até dezembro. Confiram abaixo.
Dogman
Retorno triunfal de Luc
Besson, depois de dois sucessivos fracassos, ‘Valerian e a cidade dos mil
planetas’ (2017) e ‘Anna – O perigo tem nome’ (2019). O ator Caleb Landry Jones, de ‘Três anúncios
para um crime’ (2017), brilha num papel duro e difícil, de um jovem impossibilitado
de andar após ser ferido na coluna por uma bala, e hoje trabalha como drag
queen em uma boate interpretando músicas de Edith Piaf. Torturado pelo pai e
pelo irmão mais velho quando criança, ficou aprisionado em um canil, sendo criado
por cães, e deles hoje subtrai afeto. Até que é perseguido por um grupo de
criminosos por causa de uma dívida passada. Com cores exuberantes, um roteiro
amarrado com tempo atual e flashbacks, e muitas cenas fortes de violência e
tiroteios, é um filmão de ação e suspense com drama. Concorreu ao Leão de Ouro
e ao Queer Lion e ganhou em Veneza um prêmio especial. Sem previsão de estreia
nos cinemas brasileiros ou em plataformas de streaming – na França estreou em
27 de setembro.
Priscilla
Retrato biográfico de
Priscilla Presley, a esposa de Elvis, pela ótica delicada e afetiva de Sofia
Coppola. Mais contida que de costume, a diretora volta-se para o cinema autoral,
mas com ares comerciais – até porque contar parte da vida de Elvis chama público
imediatamente. Cailee Spaeny, de ‘Suprema’ (2018), é um êxtase na tela, muito
bem fotografada, e pelo papel central ganhou o prêmio de atriz no Festival de
Veneza – e deverá receber indicação ao Oscar em 2024. De uma menina simples e
tímida criada pela mãe e pelo padrasto entre Maine e Connecticut, conheceu por
acaso numa festa o rei do rock, e com ele conviveu por oito anos – do casal
nasceu a filha Lisa Marie. Há um jogo de cores com paletas diferenciadas que
mudam a cada momento de vida da personagem, o que é um trabalho excepcional –
no começo tudo é muito pastel, e quando Priscilla vai morar com Elvis, as cores
ficam vivas, e Cailee se transforma com novas feições, cabelo e comportamento.
Um talento de atriz em um filme charmosinho. Estreia nos cinemas brasileiros em
26 de dezembro.
Não abra!
O terror indiano anda em
alta, dê só uma espiada na Netflix que irá comprovar. E esse aqui é um exemplar
criativo, instigante e que dá medo. Produzido por indianos e com elenco ou
indiano ou com descendentes de, como a protagonista, Megan Suri, da série
‘Atypical’. Ela é uma estudante que, num incidente, quebra um recipiente de
vidro que sua estranha amiga carrega na escola. Dentro dele, segundo a garota,
era aprisionado um demônio ancestral. A entidade começa então a perseguir as
duas, deixando um rastro de mortes monstruosas. Se gosta do gênero, com certeza
irá curtir. O clima é de angústia constante, e o final é bem bizarro. Estreia
nos cinemas brasileiros em 03 de novembro.
Chegadas e partidas
Adorei esse road movie
belga falado em francês e holandês, uma comédia dramática terna e bem
construída. Joguei-me nessa história de amizade inusitada entre um refugiado em
busca de um novo lar e uma caminhoneira lésbica. Dentro de um caminhão de carga
cruzando a Espanha, os dois se tornam amigos, mesmo com crispações, e dividem
alegrias e tristezas na cabine do veículo. Entre os subtemas que surgem estão crise
familiar, adoção de criança por mães lésbicas e preconceito de raça e de
gênero. Os atores principais estão fora de série – a belga Ruth Beeckmans, de
‘Trio’ (2019), e o guineense Welket Bungué, de Berlin Alexanderplatz (2020). Exibido
no Festival de Toronto. Sem previsão de estreia nos cinemas brasileiros ou em
plataformas de streaming – na Bélgica e na Holanda estreou em 1º de março desse
ano.
A suprema
Exibida no Festival de
Toronto, essa foi uma das grandes surpresas no Festival do Rio, uma fita
independente colombiana simples e cheia de graça. Em um vilarejo remoto chamado
‘La Suprema’, que não tem energia elétrica, uma garota sonha em ser lutadora de
boxe. Enquanto isso, a comunidade aguarda ansiosamente a última partida no
ringue de um boxeador querido, ídolo da Colômbia e tio daquela menina que quer lutar.
Os moradores articulam uma forma de puxar energia elétrica para a vila e adquirir
uma TV para acompanhar a luta que será transmitida ao vivo. É de um roteiro
delicioso, que nos prende e acaba sendo um sopro de vida. Sem previsão de
estreia nos cinemas brasileiros ou em plataformas de streaming.
How to have sex
Coprodução Reino
Unido/Grécia, esse é outro bom exemplar de filme independente que a gente só
assiste em festival – deve estrear na Mubi nos próximos meses, já que ela é uma
das distribuidoras em alguns países. Nessa história com muita empolgação e
agito, que se transforma em dor de cabeça, três amigas britânicas viajam a uma
ilha grega para curtir vários dias de balada. Bebem, dançam, caem na farra e
procuram transas. No quarto ao lado, conhecem dois garotos com ideias parecidas
e com eles partem para o agito das boates. Primeiro longa da inglesa Molly
Manning Walker, que é diretora de fotografia, e conduz as atrizes para dentro
de um furacão de emoções. Destaque para a protagonista, num trabalho louvável, Mia
McKenna-Brucem, da série ‘The witcher’. Venceu o prêmio ‘Um certo olhar’ no
Festival de Cannes e lá foi indicado ao Queer Palm e ao Golden Camera, duas premiações
concorridas do festival. Previsão de estreia no Brasil em 15 de novembro.
Conto de fadas
Um de meus diretores
russos preferidos, Aleksandr Sokurov, de ‘Arca russa’ e ‘Taurus’, faz aqui um filme
experimental complexo, que revê os desdobramentos da História contemporânea a
partir da Segunda Guerra. Utilizando deepfake e inteligência artificial – nos
letreiros iniciais do filme ele sacaneia o público com isso – ele coloca no
purgatório Churchill, Stalin, Hitler e Mussolini, dialogando sobre assuntos
como guerra, religião e vida, enquanto Jesus Cristo tenta se levantar, doente e
cansado. Polemiza figuras históricas, cria um visual em preto-e-branco de puro
delírio, e faz um dos filmes mais estranhos e diferentes do cinema atual.
Exibido no Festival de Locarno, tem a distribuição no Brasil pela Imovision, o
que significa que em breve deverá estrear nos cinemas. Não perca.
Pobres criaturas
Saí de uma sessão lotada
onde ouvíamos risos e aplausos incessantes durante algumas cenas. Todos os olhares
estavam atentos a cada minuto para a tela. Tínhamos de estar vidrados, pois
Yorgos Lanthimos exige atenção e preparo psicológico. De origem grega,
Lanthimos fez os estranhíssimos ‘Dente canino’ e ‘O lagosta’, e depois o
sórdido ‘O sacrifício do cervo sagrado’ e há poucos anos, uma história real com
truques visuais belíssimos, ‘A favorita’. Agora, com ‘Pobres criaturas’,
realizou nova façanha, voltando-se ao surrealismo, aproveitando ideias de
Frankenstein, sem pudor em usar cenas de sexo e diálogos sujos. Talvez seu
filme mais incômodo e visceral, com um elenco que brilha em cada aparição –
Emma Stone, Mark Ruffalo e Willem Dafoe, que deverão pintar na lista do Oscar
como indicados em categorias como atriz e atores coadjuvantes. Um filme de comédia,
drama e ficção científica, difícil de comentar, pois podemos incorrer num erro
brutal, o spoiler. Em síntese, na trama temos uma jovem aparentemente portadora
de uma deficiência intelectual, que se atrapalha e diz coisas indesejáveis
(Emma Stone, que se transforma ao longo do filme). O pai, um médico e cientista
desfigurado (Willem Dafoe), cuida dela num casarão. Ela é induzida pelo pai a
se casar com um rapaz que a ajuda nos afazeres diários, até que conhece um
galanteador rico (Ruffalo, que tira boas risadas do público) e foge com ele.
Nessa jornada de transformação, um rito complexo e excêntrico de passagem, ela
vai desfrutar maravilhas e dores do mundo. Prepare-se para ver cenas chocantes,
que só o diretor ousaria fazer. As técnicas de cinema dele retornam com mais
profusão – lente grande ocular, a olho de peixe; cores irreais, cenários
oníricos etc. Venceu o Leão de Ouro em Veneza e com certeza será finalista no
Oscar de 2024, em categorias como roteiro – escrito pelo seu parceiro de trabalho,
Tony McNamara, adaptado do romance de Alasdair Gray, além de direção, direção
de arte, figurino e até melhor filme. Estreia no Brasil em 1º de fevereiro de
2024. Marque na agenda para não perder esse filme de vista!
All of us strangers
No final da sessão que
conferi no Rio, parte da plateia foi às lágrimas. Escutei muito ‘sniff sniff’
no desfecho desse belo drama com tom de fantasia. Assim como ‘Pobres
criaturas’, é difícil falar dele sem cometer spoilers, por isso tenho de me
conter. O que eu posso falar é que é um drama sensível, que parece se passar
num futuro em que só existe um personagem (o incrível Andrew Scott, que deverá
ser indicado ao Oscar), morador de um condomínio. Ele vive lá sozinho, sem
vizinhos, e todo dia observa pela janela um rapaz nos jardins do prédio (outro
bom personagem, o de Paul Mescal). Até que um dia esse estranho vai até sua
porta e faz uma proposta. Enquanto ele reflete sobre ela, faz uma visita passageira
aos pais (Jamie Bell é o pai, e Claire Foy, a mãe, num momento marcante da
carreira, provável indicada ao Oscar em 2024). E aos poucos as histórias dele,
do rapaz desconhecido e dos pais vem à tona, num mistério que só se revela nos
minutos finais. Prepare-se para chorar nesse filme doloroso, bem conduzido pelo
elenco e com uma direção sempre coerente de Andrew Haigh, de ‘45 anos’ e ‘A
rota selvagem’ – o roteiro é dele, baseado no livro ‘Strangers, escrito pelo
japonês Taichi Yamada no fim dos anos 80. Passou em festivais como Atenas,
Telluride, BFI e Nova York, tem data de estreia marcada para 22 de dezembro nos
EUA e no Brasil apenas em 2024 (está com o título provisório de ‘Todos nós
desconhecidos’). Distribuição da Searchlight Pictures, que pertence à 20th
Century Studios.
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