Resenha do filme "O padrasto" (1987), escrita especialmente para o livro "Slashers - 11 filmes essenciais da coleção", lançado pela Versátil Home Video em novembro de 2022. Livro disponível para venda no site da Versátil, em https://www.versatilhv.com.br/produto/livro-slashers-onze-filmes-essenciais-da-colecao/5393997
Sob o signo do mal: uma revisão de O padrasto
Num fundo preto, surgem, um a
um, os créditos de O padrasto (1987) com uma cor sugestiva: vermelho
sangue. A trilha mistura tons poéticos e sinistros, até que aparece a primeira
cena, um travelling que capta, bem no alto, um bairro aparentemente pacato, com
as folhas das árvores caindo. De bike, um entregador de jornal faz seu
trabalho. A câmera foca uma das casas, que leva o espectador para dentro do
local. Vemos a cintura de um homem que coloca objetos em uma maleta. A
tranquilidade de quem assiste ao filme é abalada quando as mãos e o rosto do
cidadão irrompem sujos de sangue... ele olha para o espelho do banheiro, limpa-se,
a pia fica com gotas vermelhas. Corta a barba e entra no banho. Em sequência, coloca
uma lente de contato, veste terno e gravata e se transforma num novo homem. Prepara-se
para sair de casa, pega a maleta, arruma brinquedos espalhados pelo corredor. Quando
desce as escadas, novamente somos impactados com um amontoado de pessoas mortas.
Há sangue para todos os cantos da casa, uma verdadeira chacina. Despreocupado,
ele sai pela porta da frente, assobiando e recolhe o jornal caído na varanda. O
mesmo travelling da abertura acompanha-o andar pela rua, sozinho, revigorado e
feliz, rumo ao trabalho. Esse é Jerry Blake (Terry O'Quinn), um sujeito que
assassinou a família inteira, trocou de identidade e agora procura uma nova
mulher para se casar e formar um lar. A próxima vítima no radar de Blake será
Susan (Shelley Hack), que vive de maneira harmoniosa com a filha adolescente,
Stephanie (Jill Schoelen). Será que Blake conseguirá realizar outro plano sanguinário?
Esse roteiro objetivo e bem
elaborado, com um personagem central complexo, cheio de camadas e baseado em um
assassino de verdade que aterrorizou New Jersey nos anos 70 fez com que O
padrasto virasse uma fita cultuada pelos fãs de terror. Um filme
independente com muitos méritos, inúmeras vezes reprisado na TV aberta e que
ganhou continuações e remake.
A figura do padrasto acima de
qualquer suspeita, que esconde um lado sombrio, é a chave da trama. O sinistro
cidadão toma forma sob a interpretação derradeira do ator Terry O’Quinn, que
foi indicado ao Independent Spirit Award pelo papel – ele depois ficaria
marcado entre os jovens na série “Lost” (2004-2010) e faria diversos filmes
como coadjuvante, como “Os jovens pistoleiros” (1988). No filme, ele carrega
traços de psicopata, que alterna constantemente o humor (se porta na frente dos
outros como um homem atencioso, boa pinta, só que escondido, extravasa de forma
violenta a ponto de ter alucinações e pensar em mortes brutais). Outro papel de
destaque é o da jovem Jill Schoelen, dos terrir “Assassinato no colégio”
(1989) e “Popcorn: O pesadelo está de volta” (1991), a enteada adolescente de
Blake, que suspeita do padrasto, chegando a presenciar um ataque de fúria dele
no porão.
Uma outra questão preponderante
no filme é uma segunda história que corre paralela e dá todo sentido ao
desdobramento da aterrorizante trama: a de um rapaz disposto a descobrir o
paradeiro do assassino daquela primeira família, ocorrido um ano antes,
contando inclusive com a ajuda de um experiente jornalista. Eles arriscam a
própria pele para encontrar Blake, que agora vive com nome diferente em uma
região longe dali.
O diretor Joseph Reuben, de
“Morte nos sonhos” (1984), faria nos anos 90 pelo menos dois filmes de suspense
de sucesso, muitas vezes exibidos na TV aberta, “Dormindo com o inimigo” (1991,
com Julia Roberts) e “O anjo malvado” (1993, com Macaulay Culkin). Ele soube
aqui conduzir uma obra “de gênero”, com todas as qualidades do chamado slasher:
cenas sangrentas, mortes violentas, clima de terror no ar. Apesar de não ser um
exemplar do slasher tradicional, por ter menos mortes que o habitual, o filme
explora uma dimensão mais psicológica do protagonista, ao invadir a mente desse
homem insano, impulsivo e desequilibrado. Também não é o slasher na linha do whodunit
(“Who do it?” ou “Quem matou”), em que se descobre a identidade do serial
killer somente nos minutos finais. Sabemos desde o início que Blake é o
criminoso, e ele não usa máscaras como os matadores slasherianos. Por isso O
padrasto tem um diferencial ao aproximar Blake a um cidadão comum, um
assassino infiltrado na sociedade, no meio de nós, e não precisa se mascarar
para cometer atrocidades. Blake pode ser qualquer um, pode se disfarçar de bom
homem e na calada da noite, de maneira sorrateira, matar sem culpa. Talvez isso
é o que dê mais medo na personalidade de Jerry Blake. Destaco que são poucas,
mas bem realizadas sequências de morte, com um pontual suspense, embutido em
todos os momentos.
O roteiro foi escrito a seis
mãos, por Brian Garfield, escritor de romances que viraram fitas de ação, como
“Desejo de matar” (1974) e “Sentença de morte” (2007), Donald E. Westlake - indicado
ao Oscar de melhor roteiro por “Os imorais” (1990), cujo argumento original de O
padrasto é dele, e Carolyn Lefcourt (que não fez nada mais relevante). O
roteiro teve uma inspiração real: uma parte da vida de John List (1925-2008), assassino
em série que em 1971 trucidou a família, composta pela esposa, a mãe e os três
filhos, na cidade de Westfield, em Nova Jersey. E depois fugiu, usando
identidade falsa e arrumando outra família. List integra a lista dos piores
criminosos da história dos Estados Unidos. Ele só foi descoberto 17 anos
depois, em 1989, em decorrência de uma reportagem de TV (como ocorre no filme O
padrasto); ao ser preso pela polícia, confessou que tinha novos planos de
morte. Ficou na cadeia até morrer, em 2005, então com 82 anos.
O padrasto deu origem a duas continuações: a primeira para o cinema, intitulado “A
volta do padrasto” (1989), novamente com Terry O’Quinn, e uma para a TV, “O
padrasto: Ele voltou para ficar” (1992), cujo papel foi para o ator Robert
Wightman, ator da série “Os Waltons” (1972-1981) e do filme “Gigolô americano”
(1980). E teve ainda uma refilmagem bastante inferior, “O padrasto” (2009), com
Dylan Walsh, ator de “Congo” (1995) e “A casa do lago” (2006), na pele do
assassino.
Filme presente em DVD, em ótima cópia, no box “Slashers volume 11”, juntamente com obras aterrorizantes como “Motel diabólico” (1980), “Incubus” (1981) e “Massacre no colégio” (1986). Para ter em sua coleção e rever quantas vezes quiser!
Filme presente em DVD, em ótima cópia, no box “Slashers volume 11”, juntamente com obras aterrorizantes como “Motel diabólico” (1980), “Incubus” (1981) e “Massacre no colégio” (1986). Para ter em sua coleção e rever quantas vezes quiser!
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