Não olhe para cima
Os cientistas Randall
Mindy (Leonardo DiCaprio) e Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) descobrem que um meteoro
está em direção à Terra e que dentro de seis meses ele poderá acabar com a
humanidade. Eles recorrem às emissoras de TV e às redes sociais para alertar a
população, bem como marcam encontros com a presidente dos Estados Unidos,
Orlean (Meryl Streep), para pensar formas de amenizar o desastre, no entanto sempre
são recebidos com hostilidade e desconfiança.
Há uma semana que o
assunto do momento é o filme “Não olhe para cima”, a nova produção da Netflix que
bateu recordes de público: até ontem estava como top #1 da Netflix no mundo, ranking
ocupado em praticamente todos os países, com mais de 111 milhões de horas assistidas
somente no final de semana de estreia (de 24 a 26/12) - e esse número só tende
a crescer, caminhando para ser um dos três filmes mais vistos na Netflix de
todos os tempos (‘Birdbox: Caixa de pássaros’ ainda é o líder, com 282 milhões
de horas assistidas). Isso comprova a força do marketing viral (boca a boca),
onde um fala para o outro assistir, sem contar a divulgação e a publicidade em
massa sobre o filme nas redes sociais.
“Não olhe para cima” é
isso tudo? Eu achei o máximo, diverti-me à beça, atento aos detalhes, e
enquanto assistia fazia as relações com a política no Brasil, nos Estados
Unidos e em outros países que seguem a cartilha do reacionarismo e da
extrema-direita. Nessa altura do campeonato todos sabem que é uma comédia com
pano de fundo de disaster movie, sobre um meteoro que viaja em direção ao
planeta Terra, e que os cientistas que fizeram a descoberta são desacreditados.
A trama tem tudo a ver com o que passamos hoje na pandemia da Covid, e olha que
o roteiro foi escrito por Adam McKay (o diretor do filme) bem antes do coronavírus
estar entre nós: ele falava inicialmente sobre a crise climática, e o meteoro
era uma metáfora disso. Mas com a Covid, o filme não pôde ser gravado, e a
Netflix adquiriu os direitos para a produção em abril de 2020. O tema teve um
novo contorno, a crise do coronavírus, que se aplica bem ao longa-metragem, ou seja,
houve um “desvio de rota”, e o que era para criticar a questão ambiental, ganhou
um viés ainda mais aplicável e atual.
O filme é um raio-X sobre
a política nos países de extrema-direita, como o Brasil de hoje e o EUA de
Trump. É fácil notar personagens da vida real ali, como Trump, Bolsonaro e a
família dele, bem como um séquito de negacionistas da ciência, de falsos
cientistas, da imprensa comprada e de gurus políticos, além do descalabro que a
rede social se transformou na mão deles.
A dupla de cientistas do
filme (DiCaprio e Jennifer, ambos bons e indicados ao Globo de Ouro pelos papéis)
tentam a todo custo convencer as pessoas e a presidente da República sobre o
futuro da humanidade, já que o meteoro será devastador. Ninguém dá ouvidos, quem
deveria dar a lição seria a mandatária maior da nação, mas ela é uma
negacionista de carteirinha e zombeteira (outra cópia dela é o filho, interpretado
por Jonah Hill, que faz um assessor direto da presidência, um troglodita
abobalhado e não menos anticiência). A presidente (olha a coincidência que
vemos no Brasil) chega a usar as redes sociais para abrir um debate sobre a
verdade do meteoro, se os americanos são favoráveis ou não à tese dos
cientistas – e daí lançam a campanha “Não olhe para cima” (ou seja, não vejam o
meteoro, olhem para frente e sigam suas vidas). Tal ideia representa bem a
política do absurdo total da extrema-direita, encabeçada por um bando de gente
enganosa e despreparada, fascistóides de plantão, que com métodos desordeiros
tumultuam e dividem as pessoas com suas teses malucas – o “Não olhe para cima”
é o “Não use máscaras” e o “Não se vacine”.
O filme é radiográfico e
contém as caricaturas do mundo político contemporâneo, com figuras da anticiência
que espalham fake News em nome da ‘liberdade de expressão’ (percebem que na
boca desse pessoal tudo é ‘liberdade’, tudo pode ser falado e divulgado, o que
os faz confundir liberdade de expressão com crime).
É uma sátira inteligente
que devasta e incomoda, e procura alvos claros como bolsonaristas e trumpistas
(muitos deles assistiram, mas pelos comentários que vejo nas redes, não
entenderam direito a crítica e a mensagem ali expressa). Mensagem essa que
trata da imbecilidade dos tempos sombrios que vivemos, da mentalidade obtusa da
extrema-direita que nega, grita, xinga e defende absurdos em nome do bem
coletivo.
Adam McKay acerta
novamente e há nele um bom ajuste a cada filme – ele começou quase vinte anos
atrás com “O âncora” (2004) e se dedicou a filmes políticos com fino humor, baseados
em fatos reais, como “A grande aposta” (2015 – pelo qual ganhou o Oscar de
roteiro adaptado), sobre o estouro da bolha imobiliária americana, e “Vice”
(2018), que biografa Dick Cheney, vice-presidente na era Bush filho.
Além da indicação ao
Globo de Ouro de ator e atriz que já mencionei, recebeu ainda indicação de
melhor filme – comédia ou musical e melhor roteiro, e deverá ser finalista do
Oscar 2022.
Ah, não desligue a TV
até o final dos créditos, pois existem duas cenas escondidas, bem curtinhas e
engraçadas.
Não olhe para cima (Don’t look up). EUA, 2021, 138
minutos. Comédia. Colorido. Dirigido por Adam
McKay. Distribuição: Netflix
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