sábado, 18 de dezembro de 2021

Cine Cult


O espelho

Alexei (voz de Innokentiy Smoktunovskiy), um homem de 40 anos, está à beira da morte. Ele relembra a infância, a relação com a mãe e com a ex-esposa, e revive memórias dos horrores da guerra. Passado e presente se misturam na mente do doente terminal.

A CPC-Umes Filmes lançou há dois meses “O espelho” (1975), uma das obras-primas de Andrei Tarkovski, tanto em DVD quanto em bluray no Brasil, a partir de uma estonteante matriz restaurada pela Mosfilm (restauro ocorrido em 2017). O que era bom ficou melhor nessa cópia em alta qualidade de imagem e som. O visual onírico e toda a beleza plástica/fotográfica do mestre Tarkovski é realçado nessa edição – “O espelho” é um dos filmes mais simbólicos do cineasta russo nascido na antiga URSS e falecido prematuramente em 1986 aos 54 anos.
É um drama memorialista, de um homem à beira da morte que vive de reminiscência e experiências passadas. Ele recorda momentos marcantes da infância à juventude, passando pela guerra, por um casamento frustrado e pela forte relação com a mãe. E com todos os fantasmas que habitavam sua antiga casa e seu íntimo. As imagens da mente do protagonista se misturam com cenas de arquivos da Guerra Civil Espanhola e da Segunda Guerra Mundial, e assim Tarkovski faz um filme existencial e com traços autobiográficos, em especial ao tocante a sua infância – o diretor até filmou a verdadeira mãe, Maria Ivanovna Vishnyakova-Tarkovskaya, em algumas sequências, e há ainda poemas lidos por ele escritos pelo pai, Arseny Tarkovsky. Dizia que esse era seu projeto mais pessoal, e o filme que ele mais gostava de sua curta filmografia (dirigiu sete longas, um curta, dois médias-metragens e um documentário em 30 anos).


A marca dele aparece em cada cena como a práxis que o consagrou. Todo o seu virtuosismo com a manipulação da câmera em movimentos únicos, lentos, captando longos planos sem diálogos, ajuda a criar uma atmosfera de memórias que surgem e se apagam, bem como constrói a dimensão psicológica dos personagens, tanto masculinos quanto os femininos.
Não tem como não se impressionar com a fotografia, de Georgi Rerberg (1937–1999), que repetiria a essência dessa atmosfera em “Stalker” (1979). Realmente Tarkovski era um esteta da linguagem e da narrativa, sabia como ninguém elaborar truques de montagem, e criar obras únicas que ressoam anos na cabeça de quem as assistir. Repare na trilha sonora marcante, assinada pelo compositor Eduard Artemev, que fez mais de 160 trilhas de filmes, dentre eles outros de Tarkovski, como “Solaris” (1972) e o já mencionado “Stalker” (1979).


O rolo compressor e o violinista (1961)

Tanto na edição em DVD quanto no bluray de “O espelho” da CPC-Umes há, como extra, o média-metragem “O rolo compressor e o violinista” (1961), um delicadíssimo filme de início de carreira de Tarkovski - na verdade foi o trabalho de conclusão do diretor no curso de graduação em cinema no Instituto Estatal de Cinema (VGIK), em Moscou. O filme tem 45 minutos e fala do encontro de um garotinho chamado Sasha, de sete anos, com um operador de rolo-compressor após o menino ter o violino roubado. Os dois se juntam para encontrar o instrumento pelas ruas da cidade, nascendo entre eles uma forte amizade. Vale assistir também e conhecer o início desse grande cineasta no mundo das artes.


O espelho (Zerkalo). URSS, 1975, 107 minutos. Drama. Colorido/Preto-e-branco. Dirigido por Andrei Tarkovsky. Distribuição: CPC-Umes Filmes

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