Marie (Bulle Ogier), uma ex-terrorista que acaba de sair da prisão, encontra pelas ruas de Paris uma jovem paranoica, Baptiste (Pascale Ogier). Marie pega do namorado um mapa da cidade, e as duas embarcam num insólito passeio pela periferia da Cidade Luz.
O falecido diretor francês Jacques Rivette, que integrou o movimento Nouvelle Vague, era um esteta da linguagem, e aqui se apropriou bem dela para realizar um de seus filmes mais diferentes, que é esse passeio surreal por uma Paris em reconstrução/desconstrução. Seus trabalhos sempre mostram a exuberância da Cidade Luz, mas aqui suas personagens femininas vagam por outra Paris, a periferia, com casas em demolição, becos velhos, ou seja, o lado invisível e sem glamour da metrópole central do turismo europeu. Chega a ser uma Paris fantasmagórica, sem ninguém pelas ruas, com um ou outro indivíduo neurótico solto (é um cenário apocalíptico que bem lembra fitas scifi). Com seus enquadramentos inusitados e uma fotografia esbranquiçada, ele dialoga com a cultura pop (há cenas que as personagens param em grandes cartazes publicitários), fala da gentrificação e da modernização da cidade (contrastando o velho e o novo, a exemplo, uma sequência marcante, quando uma delas, de moto, faz um duelo com monumentos de pedra). As duas atrizes são a alma do filme, só tem elas em foco nas cenas – curiosidade, são mãe e filha de verdade; Bulle Ogier é casada com o diretor Barbet Schroeder, e sua filha, Pascale Ogier, tinha potencial para ser uma grande atriz, porém faleceu cedo, em 1984, aos 25 anos, fazendo só cinco fitas.
Rivette, como todo bom membro da Nouvelle Vague, mantinha firme sua ‘política de autor’, escrevia, produzia, e tinha uma marca notória: a grande maioria de seus filmes são extremamente longos, com duração que variam de 2h30 a 13h! (Vide “Céline e Julie vão de barco”, “A bela intrigante” e “Não me toque”). Segundo o diretor, ele se inspirou em “Dom quixote”, de Cervantes, para fazer “Um passeio por Paris” – que tem apenas uma faixa na trilha sonora, composta pelo argentino Astor Piazzolla.
Colecionadores interessados no filme, ele saiu em uma inédita cópia restaurada pela Versátil no box “A arte de Jacques Rivette”, trazendo junto uma das melhores obras do diretor, “A bela intrigante” (1991, com seus 229 minutos). Além disso, no disco, duplo, há uma hora de extras. “Um passeio por Paris” também está disponível na plataforma Sesc Digital, gratuito e aberto ao público.
Um passeio por Paris (Le pont du Nord). França, 1981, 129 minutos. Drama. Colorido. Dirigido por Jacques Rivette. Distribuição: Versátil Home Video
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