sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Entrevista Especial


“O teatro é o altar do ator”, destaca a atriz Eliana Guttman (*)

Felipe Brida

De origem judaica, a atriz Eliana Guttman é um dos nomes de destaque da nova safra cultural brasileira. Descendente de poloneses, Eliana desenvolve trabalhos em todos os ramos da arte e da comunicação. Seu currículo inclui filmes, telenovelas, seriados e comerciais de televisão. Mas é no teatro que a atriz de 54 anos, paulistana da gema, adquire inspiração para seguir adiante a carreira.
Em entrevista especial ao Notícia da Manhã, Eliana Guttman fez um amplo retrato sobre a situação do teatro do País, tanto pela perspectiva dos artistas quanto do público. Confira abaixo.

NM – Eliana, você vê o teatro como a base da preparação artística e profissional do ator?

Eliana – Sim, o teatro é, sem dúvida, a base do trabalho do ator. Ali, ao vivo, com o público, sentindo a energia das pessoas que compõem a platéia, o ator aprende a compor o seu trabalho. Ele (o ator) não pode errar, tem de ser criativo, concentrado, improvisar, ter jogo de cintura; assim ele acaba moldando seu perfil para atuar em outro ramo além do teatro. Já na TV e no cinema a atuação e preparação do ator tornam-se diferentes. Lá nós podemos errar, pois temos a possibilidade de regravar tudo, depois vem a edição que ajuda a retirar os erros e excessos. Para mim, o teatro é o altar do ator. É onde eu mais me inspiro e me realizo como artista. Graças a Deus (e espero que aconteça pelo resto de minha vida) continuo à frente do teatro.

NM – Sobre o outro lado da moeda – a platéia – qual a situação hoje do público? As pessoas aderem ao teatro?

Eliana – Infelizmente presenciamos situações realmente deprimentes; há vezes em que a peça é exibida para um público de 15, 20 pessoas. A triste realidade é que o público ainda não sabe o que é o teatro e qual a mensagem que ele produz. Isto é conseqüência de um país com cultura deficiente. O fato de não termos expectadores na platéia é diretamente proporcional àquilo que vemos fora do teatro, por exemplo: o povo sofre com a falta de educação e de segurança, no sentido de formação pessoal da população. São algumas das razões estas que geram o problema cultural que o País enfrenta.

NM – Mas nada tem mudado?

Eliana – Pouco se mudou. Mas mudou. Apesar de sempre a mesma elite adquirir o ingresso para as peças, de uns tempos para cá percebi que unidades escolares incentivam os alunos a ir ao teatro. Tal medida é enriquecedora não só para o artista, mas em especial para o próprio público que acaba por experimentar o espaço do teatro. Existem muitos movimentos pró-teatro na contramão desse pouco público que ainda vemos na platéia. Os jovens hoje estão adquirindo o hábito de freqüentar o teatro, uma façanha inédita, podemos assim destacar. Talvez sejam futuros autores ou mesmo atores, mas não importa; esse grupo está lá marcando presença. Confesso que isto me alenta. Tenho esperança que o quadro mude rapidamente.

NM – Eliana, sobre cultura televisiva, aquela que mais atrai audiência no País, como analisa o crescente número de artistas que se formam anualmente e a saturação dos programas de TV, em especial as novelas?

Eliana – O mercado é restrito para a quantidade de artistas que se forma ano a ano no Brasil. Resta a alguns saír em busca de algo no estrangeiro. Recentemente amigos meus foram para atuar em séries de TV na Venezuela. Um ponto positivo quanto à imagem do artista é que, de uns anos para cá, houve aumento no número de programas vendidos para o mundo inteiro. O mercado internacional compra as novelas nossas. Voltei de Israel em abril, e vi que lá tem um canal só com novelas, 24 horas por dia. Duas novelas brasileiras – uma delas “Belíssima“ fazem sucesso no país. Inclusive “Esperança”, em que atuei, passou em Israel há pouco tempo e tornou-se mega-êxito de audiência, por tratar sobre o judaísmo.

NM – Por falar na novela “Esperança”, qual sua visão sobre o Brasil valorizar questões culturais de outros países?

Eliana – Em “Esperança” fiz a Tzipora, personagem do núcleo central – eu era a mãe da protagonista –, um papel de destaque. De imediato aprovei essa preocupação dos autores da novela em focar uma cultura bem desconhecida e não tão familiar dos brasileiros, no caso a dos judeus. Antes a Globo havia investido em “O clone”, na mesma linha, que fez sucesso. Em “Esperança” havia uma mistura de línguas e raças: mostravam-se as colônias judaicas, espanholas e italianas de maneira fenomenal. E o mais interessante é que não deixou de mostrar um pouco de nós, brasileiros, um povo miscigenado e produto dessas culturas. Eu, por exemplo, sou filha de uma judia descendente de poloneses e casada com um católico neto de italianos e portugueses; olha só como o sangue se mistura! O Brasil é essa torre de babel maravilhosa.

Conheça a atriz

Eliana Guttman nasceu em São Paulo no dia 15 de março de 1954. Formada pela EAD/USP (Escola de Arte Dramática) em 1989, trabalhou como secretária bilíngüe e iniciou a carreira em teatro no final dos anos 80. Dentre suas peças premiadas estão “Angels in América”, “O enigma Blavatsky”, “Dorotéia vai à guerra”, “Um violinista no telhado”, “Querida Helena” e “Estranho amor”.
Em novelas atuou em “Xica da Silva” (foto ao lado) e “Mandacaru”, na Manchete; “Meu pé de laranja lima”, na Band; “Torre de Babel”, “Força de um desejo” e “Esperança”, na Rede Globo; “Cristal” no SBT e “Luz do Sol”, na Record.
No cinema, atuou “Feliz ano velho”, “Sabor da paixão”, “Olga”, “Bellini e a esfinge” e “Xangô de Baker Street”. A atriz é casada com o ator Giulio Lopes, que concedeu entrevista ao NM na edição do dia 29 de agosto.

(*) Entrevista publicada no jornal Notícia da Manhã, periódico de Catanduva, na edição do dia 12/09/2008. Fotos: divulgação.

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